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Um olhar íntimo a partir dos nossos sabores

Por Rosa Wanda Diez-Garcia*

A alimentação enquanto objeto de estudo possibilita muitos olhares. Dependendo de qual perspectiva se observa, as possibilidades podem nem mesmo serem reconhecidas como se tratando de um mesmo objeto. Pensar na nossa alimentação, a alimentação dos brasileiros, não é um desafio menor só porque diz respeito a nós. Trata-se de um olhar íntimo, mas nem por isso conhecido. Abordar a perspectiva história, cultural e de saúde é uma longa viagem, de onde proponho exercitar o olhar a partir dos nossos sabores.

A descrição de sabores é difícil de ser feita e mais difícil ainda de ser entendida, pois sua compreensão necessita da experiência. Os sabores de uma dada culinária são um complexo registro sensorial gerado por gosto, aroma, temperatura, cores, consistências, arranjos estéticos, combinações que serão tratadas a partir do reconhecimento e da familiaridade, motivo pelo qual, na chamada deste painel, há uma referência às “tradições culinárias” como “combinações ideais de sabores”. Por que ideais? Porque se trata da nossa referência de alimentação.

Em convívio com as tradições culinárias está a adoção de práticas alimentares que envolvem outras formas de comer, outros tipos de alimentos, em outros espaços, diametralmente opostos. Salgadinhos, lanches, comidas rápidas de diferentes origens, deslocamentos de comidas, utensílios descartáveis, enfim, para além do conteúdo alimentar, os arranjos que veiculam essas práticas se transformam muito. A nossa comida, portanto, está por um lado protegida por um ideário do que se entende por tradicional e, por outro, vulnerável as transformações. Enquanto a comida que retrata as nossas tradições se mantém pela recorrência, a comida da contemporaneidade se estabelece pelo movimento. A própria reprodução da comida “tradicional” esconde mudanças profundas no modo de fazer, apresentar e experimentar.

Freire Costa refere-se a nossa cultura como “quase antropofágica”, no sentido da permeabilidade, de integrar o outro, derivado da construção da nossa identidade, o que poderia explicar a facilidade com que incorporamos e valorizamos novas práticas alimentares, constatadas, por exemplo, pelo sucesso de franquias de fast-food. É nesse território que pretendemos exercitar o olhar sobre a nossa alimentação, incluindo a perspectiva da saúde, abordada como parte integrante dessas transformações, não só como consequência mas também como causa de mudanças alimentares.

 

* Rosa Wanda Diez-Garcia é Nutricionista, Doutora e mestre em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (USP), com formação complementar  em Antropologia da Alimentação pela Universitat de Barcelona. Professora do curso de Nutrição e Metabolismo da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo (FMRP-USP). Ela foi uma das palestrantes do Seminário Internacional Conexão Comida. As gravações completas das mesas e conferências está disponível aqui