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O rap em seu melhor momento

"Abriu-se um leque musical com os MCs falando de vários assuntos", comemora KL Jay/ Foto: Divulgação

“O rap é o novo rock!”, afirmou, ironicamente, o jornalista Miguel Sokol na edição 68 da Revista Rolling Stone Brasil (maio, 2012). Mesmo escrito em tom humorístico, característica da coluna assinada por Sokol, o texto revelou, comparando letras e atitudes de alguns artistas de ambas as cenas, a maturidade e o poder de alcance das novas vozes do rap.

O rap brasileiro andou a passos curtos desde seu surgimento. “O rap dependia muito da dança e dos outros elementos da cultura hip hop para se manter. Esse espaço para o rap enquanto estilo musical só veio depois.” – conta a MC Gra, revelação da cena de São Paulo, que começou a fazer suas rimas profissionalmente nos anos 2000, quando o gênero já estava estabilizado. A dança de rua, como lembra Gra, foi uma das peças chave para o nascimento do rap nacional, quando os primeiros MCs, denominados tagarelas, improvisavam rimas durante as demonstrações de breakdance da Praça Roosevelt (São Paulo/SP), no início dos anos 1980. Passaram-se 10 anos até a primeira coletânea, Hip-Hop Cultura de Rua chegar ao mercado. A compilação, produzida por Nasi e André Jung, integrantes da banda de rock Ira!, foi lançada em 1988 pela gravadora Eldorado e revelou nomes como Thaíde e DJ Humm, MC Jack e Código 13. Curiosamente, Hip-Hop Cultura de Rua saiu das prensas uma semana antes do LP Consciência Black - Vol. I, que trouxe os dois primeiros registros fonográficos dos Racionais MC's: Pânico na Zona Sul  e Tempos Difíceis

Mesmo tornando-se berço de grupos icônicos do rap nacional, a capital paulista teve sua produção ofuscada nos anos seguintes pelos mestres de cerimônia do Rio de Janeiro, que conquistaram grande espaço na mídia com o lançamento da coletânea Rap Brasil, apresentando ao país o embrião do funk carioca e sua batida tribal. Pouco depois, outros artistas chegaram ao mainstream, mesmo abordando temas polêmicos, como os manifestos pela liberação da maconha, onipresentes nas letras do Planet Hemp, e as bem humoradas críticas de Gabriel O Pensador. Talvez por estar ainda longe dos grandes veículos de comunicação, o rap em São Paulo tenha se caracterizado principalmente pelas letras de denúncia e pelo gangsta rap (que dirigia críticas pesadas à instituições de segurança pública).

Apenas em 1998, com a consagração do álbum Sobrevivendo no Inferno, dos Racionais MC´s, ilustrado pelo memorável videoclipe/documentário Diário de Um Detento, é que o rap paulistano teve seu primeiro grande representante, em termos de popularidade. As estrofes escritas pelo ex-detento Jocenir e entregues à Mano Brown durante uma visita ao Carandiru, ultrapassaram as barreiras da periferia local e ecoaram por todo o Brasil. "Estava escrevendo minhas primeiras rimas e já ouvia muito o rap americano. Mas quando ouvi Racionais pela primeira vez, a coisa pegou. O conteúdo poético me impressinou.” – relembra a MC Gra.

“A coisa pegou” e não foi só para Gra. Sobrevivendo no Inferno ultrapassou 1 milhão de cópias vendidas e transformou os Racionais MC´s no maior grupo de rap do Brasil. "O Sobrevivendo é um disco clássico. Tem as poderosas Capitulo 4, Diário, Mágico de Oz, Estou Ouvindo Alguém Me Chamar, etc. Um clássico!” – afirma KL Jay, integrante dos Racionais MC´s, quando questionado sobre a importância do trabalho para a história do grupo e para a cena nacional. "Para mim, O Mágico de Oz é uma das mais importantes letras da história do rap." - completa MC Gra.

Nos anos 2000, o rap foi acolhido por grandes produtores musicais e proliferaram os artistas que o fundiram à MPB e outros estilos, como Marcelo D2, unindo-o com êxito ao samba, e a banda O Rappa, que modernizou a união do rock e hip hop. "Sobre a fusão, acho que não se deve perder a essência hip hop, eu digo as batidas típicas, samples, shows com DJs, etc... Samba, jazz, funk, soul, salsa, merengue, musica clássica - o hip hop sempre sampleou esses ritmos, mas a essência hip hop não pode se perder." -  previne KL Jay. Para MC Gra, a união à outros gêneros, abre caminhos para que o público se diversifique. “A facilidade e a liberdade que o rap tem de se fundir com outros estilos musicais, e a riqueza da mensagem de alguns raps, pra mim são suas maiores riquezas”. - comenta ela.

Em 2011, com o lançamento do álbum Nó Na Orelha, do rapper Criolo, o gênero recebe um novo e importante fruto de suas fusões. Distribuído gratuitamente pela internet, Nó na Orelha tornou-se rapidamente um fenômeno de público e crítica, catapultado pelo hit Não Existe Amor Em SP. As faixas, produzidas por Daniel Ganjaman (que já havia trabalhado com Sabotage, Planet Hemp, Nação Zumbi e os Racionais MC´s) inovam com elementos líricos e vocais da MPB, instrumentais de funk, soul, reggae e ritmos latinos. Ao lado de Emicida, Criolo tornou-se um dos grandes responsáveis pela alta popularização do rap na contemporaneidade.

"O rap brasileiro hoje está no melhor momento. Mais profissional e competente. Vários shows, vários DJs, várias casas noturnas com muita gente talentosa tocando. Abriu-se um leque musical com os MCs falando de vários assuntos", comemora KL Jay. Para MC Gra, o atual momento é resultado de anos de militância. "É um crescimento real, visível e natural, devido a muitos anos de luta por artistas e profissionais sérios para o crescimento", avalia. Sobre a cena do rap no interior de São Paulo, onde ela nasceu e cresceu, MC Gra prevê novas fusões rítmicas. "O público do interior tem menos acesso do que quem mora nos grandes centros. Como uma MC nascida e criada no interior de São Paulo, acho muito interessante a mistura que o interior proporciona, o fato do rap ainda estar conquistando e firmando seu espaço faz com que ele se misture aos vários outros estilos para que possa existir e isso traz uma originalidade que acredito ser muito rica."

* Em julho de 2013, MC Gra se apresentou na segunda edição do Breu - Artes Urbanas e KL Jay fez discotecagem especial no projeto Sonora. As falas deste artigo foram cedidas durante a passagem dos músicos pelo Sesc Rio Preto.




Breu - Artes Urbanas
Edição 2014. De 29 de julho a 2 de agosto, no Sesc Rio Preto.
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