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Capítulo 11: A Casa do Avô

Durante muito tempo, meus avós não foram velhos para mim. Eles simplesmente sabiam tudo, podiam tudo e quase sempre apareciam na hora que eu precisava deles. Enquanto eu crescia, a impressão que me dava é que eles cresciam juntos comigo. Sempre que agi infantilmente, apesar de às vezes se revoltarem, eram eles os moderados. Quando perceberam que eu nunca iria aparecer com uma namorada, o mínimo que posso dizer é que tiveram uma reação civilizada. Vamos deixar isso de lado, devem ter pensado. Enquanto for uma questão íntima dele, sim, espero que tenham falado um para o outro. Mas se um dia ele precisar de proteção, sonho que tenham conversado nesses termos, a gente tem que fazer alguma coisa. Deus vai protegê-lo.

De repente, percebi que eles eram velhos e, pior, estavam sofrendo uma decadência física visível. Foi no almoço de natal que descrevi no capítulo anterior. De novo a rua Boa Pastor serviu para me acalmar. Deserta com o feriado, cruzei-a de cabeça quente até, na outra ponta, encontrar um taxista solitário que me levou até a rodoviária. O que faz alguém dirigir um táxi no dia de Natal? Talvez a vontade de não ver certas coisas inevitáveis na vida de quem teve uma avó e um avô muito presentes.

Nunca mais passei o Natal com eles. Aliás, desapareci em todos os feriados. É fácil a gente arranjar uma desculpa. Minhas visitas, também, foram se rareando e tornando-se cada vez mais rápidas. Eu ficava na maior parte das vezes na mesa da cozinha. A gente se protege melhor de certas visões quando está sentado.

Minha avó se foi dois anos depois desse último natal. Passei o tempo entre o enterro dela e a morte do meu avô ensaiando como diria para ele algo muito importante. Várias vezes, cheguei quase lá, mas nunca consegui.