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Performance de uma pessoa escrita (parte 1)

Você seria capaz de se definir em uma só frase? O público do Sesc Itaquera tentou, e o resultado está aqui

Durante as Festas Brasileiras 2014, o Sesc Itaquera convidou a artista Tatiana Schunck para realizar a Performance de uma pessoa escrita. Com uma máquina de escrever nas mãos, Tatiana circulava pelos espaços da Festa interagindo com os frequentadores e perguntando: "- Quem é você?". As frases ditas pelo público, e datilografadas pela artista, iam pouco a pouco sendo costuradas em um único texto, escrito colaborativamente por pessoas que arriscaram se definir em apenas uma frase. O resultado da performance realizada no dia 16 de agosto de 2014, você confere abaixo:

QUEM SOU EU? 
por Tatiana Schunck com a participação do público do Sesc Itaquera - 16 de agosto de 2014

E quem disse que eu não era alguém? Com bastante certeza, alguém como Tainá, a menina de cabelos longos e sorriso largo resolve contar que era alguém feliz. Além do que, resolve afirmar que era bastante feliz e com certeza feliz. Esperava a sua vez para cuidar dos dentes enquanto me dizia assim. O Mineto atravessou o espaço da Sede Social como o “grande”, seu andar dizia algo de belo. Essa eu conheço – disse para a máquina de escrever que sustentou as minhas palavras neste texto. Sentou-se e disse ser pura alegria. Sorriu e completou: sou coragem e determinação. Depois pediu reticências. Toma, aí estão... Depois ainda continua: e sem medo. Nós estamos na Terra para vencer os medos, na verdade, para vencer um só medo, o medo da vida. Isso porque não confiamos no invisível. E não estou falando de religião.

Lembrou-me de uma carta de Mario de Andrade à Carlos Drummond sobre esse assunto de ser alguém para viver a vida, de ser feliz ou não ser feliz e sobre os disfarces da felicidade por sobre quem se é... Na carta, há um trecho que diz assim:
Só há um jeito de viver a vida: é ter espírito religioso. Explico melhor: não se trata de ter espírito católico ou budista, trata-se de ter espírito religioso para com a vida.

Isso foi o que Mineto quis dizer? E gosto da mesma carta quando diz assim:
Como não atinaram com o verdadeiro jeito de gostar da vida, cansam-se (os moços). Ficam tristes ou então fingem alegria o que é ainda mais idiota do que ser sinceramente triste.

Mas será que alguém, de fato, assume a sua infelicidade quando recebe a pergunta: QUEM É VOCÊ?

O Ernesto diz ser um ser humano como qualquer outro. Mas a Olívia disse ser pessoa carinhosa, determinada, trabalhadora, que gosta de trabalhar e que é feliz. Pronto, mais uma feliz. O Gustavo que é criança responde que é Gustavo. A Tatiana, mãe do Gustavo, disse que é seu filho, que esta resposta resume tudo o que ela se transformou com o nascimento do filho: Tatianagustavo. E aproveitando o pai Leandro que também estava presente, conta que sua força é sua família. E completou: só isso.

Depois, chegou o Eduardo, o Clovis, o Pedro, a Márcia, a Roberta, a Cintia, a Vera, o Rubens. Mas o Eduardo, filho da Olívia, disse que é divertido, bagunceiro, viciado em videogame, amoroso, nada modesto, amigável e baterista, e tem onze anos. A Edna voltou ao tempo num resgate impressionante das suas origens. Disse que trabalhou quase sete anos como datilógrafa numa seguradora. Contou que se felicitou com a oportunidade de responder à pergunta e de escrever na máquina de novo. Ela mesma datilografou sua resposta. Disse também ser pessoa realizada e feliz. Mais uma feliz.

A senhora Dulce sentou-se para descansar as pernas depois de passear pelo Sesc e disse que gostava muito de trabalhar, que é pessoa de idade, mas que fica feliz em trabalhar. Feliz, feliz. Encontrei Alzira que é líder nata e que acha que essa expressão é a que melhor a define: líder nata. É exatamente isso que sou. Sorri e continua a conversar sabendo o que quer dizer ao mundo. Prometeu escrever suas frases, porque é pessoa cheia de ideias, num caderno para guardar e exercitar sentidos.

Os três meninos: Paulo, Guilherme e Lucas deram a mesma resposta como num pacto entre amigos: somos legais, bonitos e somos muito amigos. E o Paulo acrescentou: eu tenho cabelo liso. Depois ainda, chegou outro Lucas que também quis escrever na máquina, errou uma palavra e perguntou como apagar o erro. Rimos juntos, eu e mais um tanto de pessoas ao redor, éramos onze pessoas em torno da máquina e do Lucas. O Lucas escreveu que gostava da família, dos amigos e de futebol.

O Leonardo disse ser simpático, honesto e sincero. Disse que vive hoje como se não houvesse amanhã. Será? Ficamos ali a pensar nisso. Ele por fim respondeu que sim, vive hoje. A Fabiana, a Lúcia, o Oswaldo, o Pablo, a Jéssica, a Maria e mais um tanto de pessoas disseram-se felizes. Felizes, felizes. Eu a escrever felizes de novo.

Ao final do dia encontrei Sérgio e Akeline. O Sérgio disse que o pai da Akeline se esqueceu de colocar o “J” na frente do Akeline. Mentira, é Akeline mesmo. Bonito assim, diferente. Akeline é Akeline, sem esquecimento de K (ausa). E o nome diferente era tão bonito quanto a moça. Bonita e sensível. Sérgio disse que é pessoa difícil, mas que depois de conhecê-lo melhor, não se pensa mais assim. Não tanto. Disse também que as pessoas estão muito estressadas, que por qualquer coisa fútil já arrumam motivo para confusão. Akeline falou que a resposta do marido estava incompleta. Disse que com ele aprendeu a rodear, rodeando para responder quem é se é. Pergunta difícil. Como responder? Disse que as pessoas são muito decididas e que ela não era assim, não se sentia assim, que era mais indecisa, que esperava mais. E esperamos juntas. Como responder?

Será que somos mesmo tão felizes assim? Tão decididos e felizes assim? Uma coisa é certa: a necessidade de se definir como alguém feliz é grande e recorrente. Por outro lado, nesta mesma medida, a dificuldade para se responder quem se é, também. Horas e horas de conversas, respiros, suspiros, risos, sustos... Com a pergunta: quem é você? Eu?


:: Clique aqui para ler a segunda e última parte da performance, realizada em 24 de agosto.

 

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