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Nuno Ramos

Crédito: Leila Fugii
Crédito: Leila Fugii


O artista plástico paulistano Nuno Ramos nasceu em 1960. Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), é ainda escritor, cineasta, cenógrafo e compositor. Começou a pintar em 1984, quando fez parte do grupo de artistas do ateliê Casa 7. Desde então, expõe no Brasil e no exterior. Na Bienal de Veneza de 1995, foi o artista representante do pavilhão brasileiro. Participou também das edições de 1985, 1989, 1994 e 2010 da Bienal Internacional de São Paulo. Em 2006, recebeu o Grant Award, da Barnett and Annalee Newman Foundation, pelo conjunto da obra. A seguir, os melhores trechos do depoimento de Ramos, no qual o artista fala sobre a arte contemporânea e o mercado de arte brasileiro.


Primeiro contato

Eu vinha de outra área. Achei a vida toda que fosse ser escritor. Acho que fiz Filosofia na faculdade um pouco por conta disso, meu mundo era o dos livros. Não tinha formação como artista plástico. Acho que tive uma crise pré-adolescente que me levou a tentar outras coisas. As artes plásticas me pegaram um pouco pela presença física dos materiais. Algo fora de mim que não eram as palavras. Achava escrever uma coisa abstrata demais, acho ainda.

Quando comecei nas artes plásticas, o que havia era um movimento forte de volta à pintura lá fora. Um pouco com princípios demagógicos, expressivos, que sucederia um conceitualismo dos anos 1970, coisas com que me identifico pouco hoje. Mas ofereciam a pintura. No Brasil, o que havia era o começo de democracia, uma fase pós-ditadura. Procurava-se desesperadamente uma geração. Na música, foi a geração rock: Titãs, Paralamas. Nas artes plásticas, teve a Geração 80, a Casa 7.

Na Casa

Éramos nós cinco, colegas de colégio, e tivemos uma divulgação malucamente grande. Aquilo foi uma formação de público. Devo muito à Casa 7. Eles tinham mais informação, já eram artistas plásticos há mais tempo. Têm até hoje técnica, coisa que eu não tenho. Foi uma experiência decisiva para mim.

Num país mais normal, isso seria uma experiência privada, talvez. Aqui, com um ano de ateliê, a gente fez uma exposição no MAM [Museu de Arte Moderna] do Rio e no MAC [Museu de Arte Contemporânea] de São Paulo. A coisa apareceu muito na imprensa. Foi para a Bienal, que era uma espécie de mitologia. Como de costume, o Brasil também cobra. Entramos na grande tela. Depois desse sucesso, fomos esquecidos e voltamos ao ponto mais real, que era nos conectar com o que era feito aqui. Nós todos nos deixamos influenciar por artistas que eram daqui. Tivemos uma espécie de segundo começo.

Mercado de arte

A arte contemporânea é muito associada ao espaço real que ela ocupa. Não é uma característica de 100% da arte recente, mas uma boa parte tem isso. Você projeta a peça para aquele lugar que lhe é dado. Eu mesmo tenho muita dificuldade de pensar alguma coisa sem ter uma visualização clara, às vezes até viajo para conhecer o lugar para o qual estou fazendo o trabalho. Chão e detalhes são muito mais fáceis quando você olha o lugar. O trabalho, que está um pouco vago na sua cabeça, fica mais forte, mais firme. Como você reproduz isso? É uma questão.

Estou sistematizando 72 trabalhos. Vou passar um ano fazendo isso com dois arquitetos e um cara de texto. Vamos pegar tudo o que pode ser feito sem mim e deixar uma espécie de bula de montagem. A meta é essa. Em relação ao mercado, você deve conseguir transformar o que você fez em uma coisa que possa ser refeita. O mercado não tem muito limite, não tem nada que ele não cumpra. No Brasil, é tudo muito mais incipiente do que se diz. A gente ainda vive muito de obra pequena. Há poucas coleções que realmente queiram ter obras mais difíceis.

Fui fazendo as coisas sem pensar nisso. Sempre vendi um pouco, acho que as vendas eram responsáveis por metade do meu orçamento. Até 40 e poucos anos, eu tive outros empregos. Não vivi sempre de arte. Eu peguei um resto de anos 70 e um pré-anos 90, quando o mercado realmente veio. A gente ainda pegou um lado heroico de ser artista. Me sentia muito livre, a gente podia errar quanto quisesse. Hoje em dia um artista faz um trabalho com 25 anos, vai fazer o segundo com 32. Os caras têm medo de fazer uma besteira. Artista que não faz besteira não é artista.

Produção atual

Há uma circulação da arte que é um pouco catalogadora. Os artistas recebem nomes e endereços e ligações. O cara circula por um circuito. Se ele trair isso, cai em lugar nenhum. Ele nem se dá esse direito. Você trabalha em um quadro institucional quase sempre. Quase ninguém trabalha quieto, em silêncio. Você tem um meio que te espera e que espera que você faça A, B ou C.

Por um lado é legal, porque aquilo que você faz tem recursos, lugar no mundo. Mas, por outro, acho que retira muito do que a arte deveria ter mais, que é um certo contraditório. Ser mais alérgica a si mesma. Ter mais movimentação. Acho que hoje os trabalhos são muito organizados como pensamento, como feitio, como jeito de ser muito claro. Há pouca tensão estilística no artista.

O estilo de qualquer artista é um misto de repetição e diferença. Alguma coisa faz você olhar o trabalho de alguém e dizer: é desse artista. Isso é repetição. Alguma coisa repetiu e você conhece. O estilo responde por uma série de coisas que retornam na obra do artista e você reconhece. Por outro lado, esse estilo tem que variar, tem que tencionar. Senão, ele vai fazer a mesma peça sempre. Isso depende de artista para artista. Acho que a gente vive uma era de pouca contradição estilística. Os trabalhos tendem a ser aquilo que são e circular dentro daquilo.


“Há uma circulação da arte que é um pouco catalogadora. Os artistas recebem nomes e endereços e ligações. O cara circula por um circuito. Se ele trair isso, cai em lugar nenhum.”


O artista plástico NUNO RAMOS esteve presente na reunião do Conselho Editorial da Revista E no dia 15 de outubro de 2014