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Informação, reflexão e consciência através da alimentação

Crédito: Henrique Magro
Crédito: Henrique Magro

Com extensa carreira dedicada ao jornalismo, profissão que escolheu aos 17 anos, Sonia Hirsch, 68, vem, desde a década de 80, pesquisando sobre alimentação e saúde. Desde cedo o seu envolvimento com o teatro (onde criou, dirigiu e produziu), com a fotografia, a literatura e até os quadrinhos lhe propiciou um olhar bastante peculiar no seu jeito de escrever. Quase sempre bem humorado e levado na linguagem coloquial, este estilo já rendeu 21 livros sobre o tema.

Ela desembarca em São Paulo na última semana de abril para um curso que será realizado nos dias 22, 23 e 24 no Sesc Consolação como parte da programação do Dia Mundial da Saúde. O curso teórico abordará a promoção da saúde a partir da cozinha, desde a escolha dos alimentos naturais e suas peculiaridades medicinais que podem evitar doenças, até a prática de cozinhar como exercício de meditação, relaxamento, o trabalho com os sentidos e a consciência do aqui e agora, indo um pouco além da comida.

Em entrevista a EOnline, de Itaipava, no Rio, onde mora, Sonia fala um pouco sobre a mudança dos hábitos alimentares na busca pelo bem-estar.


EOnline: Sônia, você já disse em entrevista que superou alterações de humor lutando contra o açúcar e no seu livro faz uma relação bem engraçada entre o açúcar e o diabo. Como você conseguiu se desvencilhar deste “vilão”? E qual poderia ser o primeiro passo para uma pessoa se livrar dele?


Sonia: O primeiro passo é informação. Geralmente as boas informações fazem parte da infância, mas no caso do açúcar pode ser exatamente o contrário - se a mãe adoça a mamadeira e a chupeta, faz bolo para o lanche e compra balas e biscoitos recheados para o dia a dia, induz inocentemente ao vício. Adolescente ou adulta, a pessoa precisa se deparar com a revelação de que o consumo de açúcar tende a provocar sintomas como dor de cabeça, moleza, gripes e resfriados, perda de concentração, irregularidades menstruais e intestinais e por aí afora.

Aí vem o momento da consciência. Informada, a pessoa escolhe entre continuar ou modificar-se. É um processo que se desenrola ao longo dos dias, diante das tentações, das vontades incontroláveis. A motivação precisa ser forte. Geralmente o fator mais motivante é o bem estar do corpo e da mente. Os pensamentos  ficam mais claros, a vontade mais determinada.

E para manter isso vem a disciplina. Às vezes é necessário recusar convites, lutar para não comprar sorvetes e chocolates, impedir aquela ideiazinha perversa de crescer na mente.

Informação, consciência, disciplina: não é simples, mas é muito possível.


EO: Muitas vezes vemos pessoas que julgam adotar um modo de vida saudável, mas usando alimentos industrializados (como o suco detox de caixinha, por exemplo). O que isso ocasiona no equilíbrio do corpo?


Sonia: Depende muito de cada um. Os sucos têm fama de saudáveis, mas mesmo um suco detox fresquinho, todo verde e sem maçã, pode não ser bem recebido por um corpo que, por exemplo, sinta frio e precise de calor para se aquecer por dentro. Sou mais amiga de um bom prato de vegetais coloridos, de uma boa sopa. A própria comida de cada dia deve ser desintoxicante, mesmo incluindo carne vermelha. Isso pode soar estranho, mas não custa saber que a carne é rica em metionina, um dos aminoácidos mais desintoxicantes que existem.

Uma boa maneira de fazer o detox constante é incluir folhas verdes em todas as refeições. Podem ser cruas ou levemente refogadas, grandes como couve, chicória, mostarda, acelga, repolho, ou pequenas como salsa, cebolinha, coentro, hortelã, manjericão. Todas elas são ricas em minerais e vitaminas, afastam parasitas, promovem a limpeza intestinal.
Muito bom também é comer, mastigando bem, uma maçã no meio da tarde, de estômago vazio. Ela tem fibras importantes para os intestinos e também ajuda a limpeza do figado e da vesícula biliar.

E vale lembrar que comer muito, mesmo do que é bom, intoxica.

EO: O Sesc trouxe para São Paulo um grande projeto com a artista/performer Marina Abramovic, onde ela desenvolveu um método para nos conectarmos energeticamente com nós mesmos e com os outros através de várias exercícios como meditação, caminhada em "câmera lenta" e relaxamento. Você acha que existe uma falta de conexão entre nós e os alimentos?

Sonia: Acho que sim, de certa forma falta essa conexão na vida moderna, em que a comida mais valorizada é a que vem pronta, não dá trabalho, não é preciso saber o que tem dentro. Come-se muita ilusão - e com a popularização das tendências gastronômicas estetizadas, ilusão está na moda. Janta-se uma espuma com glamour e pronto. Já a pessoa que vai à feirinha, seja orgânica ou não, tem outra interação com os alimentos que vão se tornar sua carne, seu sangue. Está aberta à sedução de cores, sabores, texturas, aromas. Com isso cultiva uma parte muito importante da sua humanidade e interage com a natureza. Se também cozinhar, desenvolve alquimia. Claro que o trabalho da Marina Abramovic é muito mais sofisticado e amplo, mas tem a ver.

EO: Você fala da importância de deixar a “energia fluir, sem excesso, nem demais , nem de menos.” Você mora num sítio no interior do Rio. A escolha de uma alimentação ou modo de vida saudável está necessariamente ligada a onde optamos por morar? Como aplicar isso num ambiente urbano cheio de demandas?

Sonia: Mesmo num ambiente urbano cheio de demandas há feiras, mercadinhos orgânicos, parques onde se pode desfrutar de sossego e respirar um ar melhor, fazer aulas de yoga ou taichi chuan, dançar, meditar. Acredito que melhorar de vida seja uma aspiração comum à maioria das pessoas. Mesmo submetida ao estresse do trânsito e da poluição, morando num apartamento pequeno, a pessoa pode cultivar um jardim interno - e talvez ter uns vasinhos de ervas e flores na janela. Já vi isso nos lugares mais sombrios.

EO: O México aumentou a tributação em alimentos ultraprocessados, como o refrigerante, isso pode ser um caminho?

Sonia: É um caminho, sem dúvida. Mas "o" caminho é a educação para a saúde. Promoção da saúde é algo que cabe a todos nós. Se essa ideia prevalecer, o refrigerante e outros alimentos ultraprocessados, como os lácteos, perderão seu status de objetos fáceis do desejo.

EO: O que as pessoas podem esperar do curso?

Sonia: Informação, reflexão, consciência - e um grande incentivo à pacificação da mente através desse ato extraordinário que é cozinhar.