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I Seminário Queer - Cultura e Subversões da Identidade

I Seminário Queer aconteceu nos dias 9 e 10 de setembro, no Sesc Vila Mariana, com destaque para a filósofa Judith Butler, uma das principais referências sobre o tema no mundo. O evento contou com transmissão ao vivo na internet, direto do Sesc Vila Mariana. Na playlist abaixo você encontra os vídeos de todas as palestras.



 

O encontro, realizado pelo Sesc em parceria com a Revista Cult, propõe trazer algumas das temáticas que os estudos queer têm desenvolvido desde a década de 1980, divididas em eixos de discussão sobre Cultura e Política; Educação, Saúde e Aprendizados; Gênero e Sexualidade e Contra-Hegemonias.


A corrente de estudos queer tem origem multi-situada, abarcando pesquisas e reflexões de autores de vários países. Ainda que a produção norte-americana seja a mais conhecida, houve entre nós pioneiros como Néstor Perlongher, e hoje essa vertente de reflexões está em processo de consolidação na academia brasileira em diferentes áreas: da sociologia passando pela história, educação, linguística, comunicação, antropologia e artes.

Em comum, a Teoria Queer articula uma crítica à hegemonia heterossexual. A heterossexualidade, portanto, é vista e analisada como uma imposição cultural com graves consequências políticas para aqueles que não a incorporam. Originada a partir da confluência de vertentes radicais do feminismo e dos estudos gays e lésbicos, os estudos queer passaram a desenvolver análises críticas sobre como a hegemonia heterossexual tem passado a moldar até mesmo as homossexualidades contemporâneas por meio da heteronormatividade.

"Esse desafio de provocar torções nos olhares para esse campo naturalizado das relações de gênero e sexuais marcou a idealização do I Seminário Queer, um evento pensado para aguçar pensamentos contra-normalizadores e incitar a reflexão sobre os processos cotidianos que nos moldam e (de)formam para sermos pela subversão das identidades sexuais aceitáveis, normais, politicamente domesticados. A proposta é tomar nossa cultura como objeto de reflexão, o que - em uma perspectiva queer - não pode ser feito sem a subversão das identidades sexuais. A superação das fronteiras sexuais e de gênero aponta para a criação de uma nova forma de cidadania não-heterocentrada e além do binarismo de gênero atualmente imposto." Richard Miskolci

De interesse para educadores, estudantes, investigadores interessados nas temáticas da sexualidade, do gênero e dos saberes insurgentes, as discussões do Seminário Queer pretendem aguçar o olhar para as formas menos visíveis - mas por isso mais poderosas - de normalização corporal e subjetiva vigentes na sociedade contemporânea.

Com Berenice Bento, Carla Rodrigues, Guacira Lopes Louro, Jorge Leite Júnior, Judith Butler (EUA), Karla Bessa, Larissa Pelúcio, Leandro Colling, Marcia Tiburi, Marie-Helène Bourcier (FRA), Pedro Paulo Gomes Pereira e Richard Miskolci.

Leia a seguir algumas perguntas que a EOnline fez ao curador Richard Miskolci abordando assuntos que serão debatidos no Seminário.

EOnline - O que é identidade de gênero?
Richard Miskolci - Nossa sociedade nos atribui identidades, sendo que a de gênero costuma ser a mais definidora de nossas oportunidades e direitos futuros. Não é mero acaso que antes mesmo de nascermos, já se interrogam sobre nosso gênero e sempre surge a pergunta: é menino ou menina? A identidade de gênero, historicamente, foi atribuída socialmente pelo Estado e seu aparato médico-legal. Nas últimas décadas isso passou a ser problematizado: por que as pessoas não podem contestar o gênero que lhes foi atribuído? Qual a razão oculta na recusa social à transitividade de gênero? A luta por uma lei de identidade de gênero atenderia esta demanda cada vez mais premente, pois até hoje - no Brasil - se uma pessoa muda de gênero não tem garantidos seus direitos e cidadania. Temos vivido em arranjos provisórios e imperfeitos como o "nome social", o qual Berenice Bento chama perspicazmente de "gambiarra legal" já que o ideal seria a pessoa poder mudar seus documentos, seu nome, tudo oficialmente.

EOnline - Na sua opinião, os movimentos LGBTQ atendem à desnaturalização das identidadas ou reforça a separação?
RM - Os movimentos LGBTQI têm papel importante na defesa das pessoas não-heterossexuais, dissidentes de gênero, queers, entre tantas outras. Eles não são unificados tampouco têm consenso sobre sua atuação, mas compõem um segmento dos movimentos sociais mais modernos e atuantes.
A defesa da pluralidade sexual e de gênero não equivale necessariamente à naturalização de nenhuma identidade ou reforço de nenhum binarismo. O binário hetero-homo não é uma invenção desses movimentos. Foi a existência de práticas sociais preconceituosas e discriminatórias que visam estabelecer uma linha do normal e aceitável que geraram a necessária reação de defesa de direitos dos que foram alocados além da tal normalidade.
O foco de alguns movimentos e de parte da produção acadêmica sobre gênero e sexualidade é na identificação das forças que criam divisão e separação com o objetivo de combatê-las.
Na perspectiva queer, as divisões binárias das pessoas em hetero ou homossexuais assim como em masculinas ou femininas são resultado de tecnologias sociais que precisam ser identificadas e superadas de maneira que indivíduos não precisem ser alocados fixamente em uma identidade para terem reconhecida sua humanidade, sua dignidade e direitos.
Quer alguém seja homem ou mulher, se relacione com pessoas do sexo oposto ou do mesmo - e qualquer que seja seu gênero - esse alguém deve ser reconhecido somo sujeito humano com direitos iguais e garantidos por nossa ordem jurídica.
Há divergências sobre como atuar politicamente entre os diferentes segmentos que formam os movimentos LGBTQI, uma divergência que cria tensões internas, mas que exteriormente talvez faça pouca diferença. O fato é que o movimento social não é o único ator político na esfera da sexualidade. Também existem os partidos, há contribuições vindas da academia e mesmo a recente chegada das pautas sexuais dentro do Estado. Trata-se de um conjunto de atores envolvidos no que podemos chamar, como um todo, de política sexual. A política sexual, por sua vez, se insere no amplo conjunto de lutas pelos direitos humanos.

EOnline - O casamento igualitário pode ser considerado uma conquista? Na sua visão, que outras leis deveriam pautar o Estado para a construção de uma sociedade que respeite e atenda a todos?
RM - O casamento igualitário é uma conquista, mas ele não atende a todas as demandas de não-heterossexuais e dissidentes de gênero tampouco pode deixar de ser questionado em sua força normalizadora. Se para adquirir direitos alguém precise se casar torna-se evidente o paradoxo dessa conquista. Caso seja necessário formar um casal e constituir família para ter reconhecida sua dignidade então o casamento passa a ser uma imposição social.
O Estado precisa não apenas estender a cidadania e suas características atuais a mais pessoas, mas transformar a cidadania de forma que ela possa abarcar todxs sem demandar delxs que se enquadrem em modelos previamente existentes. Infelizmente, a cidadania como a conhecemos hoje ainda é prescritiva e demanda dos sujeitos que atendam a critérios injustos e desiguais para garantir direitos.
Há um modelo do bom cidadão que é idealmente branco, hetero e dentro de um gênero fixo a pautar quem pode ou não ser reconhecidx como sujeitx de direitos. E quando se busca "incluir" sujeitxs outrxs ao invés de problematizar esse modelo a tendência é demandar enquadramento em troca de reconhecimento. Assim, alguns homossexuais podem ter seus direitos garantidos, desde que se casem, o que não costuma ocorrer sem atender muitas outras demandas como a de serem "discretos" e "corretamente" generificadxs. Mas e quem não quiser se casar? Ou não for discretx? Não seguir as normas de gênero vigentes? Continuarão essxs sujeitxs tolhidos de sua humanidade, direitos e cidadania?

EOnline - Se o maior entrave é cultural, como as escolas poderiam abordar a Teoria Queer desde a educação infantil?
RM - A escola deveria ser acionada para uma possível mudança cultural de médio e longo prazo. Discutir gênero é fundamental para que mulheres conheçam seus direitos, aprendam a identificar e denunciar violências contra elas, demandar igualdade de direitos e oportunidades em relação aos homens. Também é na escola que deve se construir um ambiente mais democrático para que crianças e adolescentes possam viver sob menor pressão com relação ao seu gênero ou seus desejos.
As divisões binárias e generificadas, quer sejam arquiteturais ou simbólicas, poderiam ser abolidas. É absurdo que - em pleno século XXI - atribuam fixamente a cor azul a meninos e a rosa a meninas ou dividam as salas para atividades baseados nesse binarismo. A educação poderia ser um meio para combater preconceitos, questionar discriminações e ampliar o vocabulário político dxs sujeitxs. As escolas podem contribuir para isso problematizando antigas práticas separatistas e segregacionistas como as que citei.
Além disso, seria fundamental rever os conteúdos e currículos que ainda impõem padrões normativos injustos e violentos no que se refere ao gênero e à sexualidade. As representações sobre o que é ser homem ou mulher nos livros escolares não são mero espelho da realidade, elas criam modelos e impõem padrões. Sobretudo, elas dividem as pessoas entre as que serão socialmente reconhecidas e aceitas como normais e as que - desde a mais tenra infância - serão obrigadas a lidar com sua recusa e repreensão moral. O gênero e a sexualidade de alguém deveria ser livre ao ponto de não ser um elemento delimitador de sua dignidade e direitos. É esse ideal que a educação poderia abraçar por meio da incorporação de temáticas queer.
 

Veja aqui a programação do Seminário e as ementas das palestras, além de saber quem são os palestrantes e mediadores do Seminário

o que: I Seminário Queer
quando:

Dias 9 e 10/9, quarta e quinta, 10h às 18h

onde:

Sesc Vila Mariana | Rua Pelotas, 141 | 11 5080-3000

inscrições:

R$60 | R$30 | R$18