Sesc SP

postado em 06/02/2013

O menino é o pai do homem

coeducacao

      


Coeducação entre gerações, de José Carlos Ferrigno, reflete sobre o passar do tempo e a cultura solidária

 

Em 1963, o Sesc São Paulo criou o primeiro grupo de convivência de idosos no Brasil com o objetivo de ressocializá-los a partir, sobretudo, de dois fatores que costumam impactar profundamente sua vida: a aposentadoria e a emancipação dos filhos. Até essa data havia no país apenas asilos e outros trabalhos assistenciais para idosos carentes e sem família, além de algumas associações de aposentados e de categorias profissionais mais organizadas, como bancários e metalúrgicos, entre poucas outras.

Após a consolidação dos grupos de convivência nas unidades da capital e do interior, o Sesc São Paulo instituiu, em 1977, a Escola Aberta para a Terceira Idade, inspirada nas chamadas universidades abertas europeias e americanas, cuja linha de atuação baseia-se no conceito de educação permanente, que teve entre seus mais fervorosos defensores o pensador francês Georges Lapassade. Os objetivos principais da Escola Aberta do Sesc eram a integração social (por meio da convivência e da constituição de laços de amizades), a atualização de conhecimentos (por intermédio de cursos, palestras e debates que discutem uma variedade de assuntos, inclusive aqueles que se encontram na ordem do dia), o desenvolvimento de habilidades (propostas pelas oficinas de criatividade nas áreas de musica, dança, teatro, artes plásticas, artesanato, ginástica, esportes...) e o estímulo à reflexão (a partir de debates e dinâmicas de grupo, entre outras formas). Tais objetivos convergem para dois outros, mais abrangentes e interdependentes: o acesso à melhor qualidade de vida e o desenvolvimento dos direitos e deveres da cidadania.

Além de receptores dos conteúdos veiculados nesses programas, os alunos idosos têm espaço para manifestar sua experiência de vida? Neste caso, os mais jovens poderiam se beneficiar desses conhecimentos? Essas são as duas perguntas-chave que motivaram José Carlos Ferrigno a escrever Coeducação entre gerações, lançado pelas Edições Sesc São Paulo. A partir de uma pesquisa em que educadores e frequentadores das unidades do Sesc São Paulo, pertencentes a diferentes gerações, são entrevistados e observados em suas interações, o autor analisa como o lazer e a troca de experiências podem reduzir a segregação e o preconceito entre pessoas de idades muito distintas. A obra avalia criticamente a importância do cultivo e da transmissão da memória, investigando questões como a adoção de um modo de vida específico por parte das diversas gerações na sociedade moderna, a ocorrência de mudanças e a percepção que cada faixa etária tem delas e a possibilidade de fomento nos processos de educação recíproca.

José Carlos Ferrigno foi assessor e pesquisador da Gerência de Estudos e Programas da Terceira Idade do Sesc São Paulo, onde coordenava a revista A Terceira Idade e o programa Sesc Gerações. Especialista em Gerontologia Social pela Universidade de Barcelona, Espanha, e pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), ele é mestre e doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo. O livro Coeducação entre gerações é a adaptação para o mercado editorial de sua dissertação de mestrado.

Coeducação entre gerações está organizado em capítulos panorâmicos nos quais o autor alia com eficiência e clareza conceitos teóricos obtidos de uma densa e rica bibliografia especializada a depoimentos de usuários do Sesc, criando uma rica rede temática, que instiga às seguintes questões: Como vivem as diversas gerações na sociedade moderna? Há, de fato, um conflito entre elas? Que mudanças estão sendo sentidas? Que interesses estão entre jogo? É possível e desejável fomentar processos de educação recíproca?

O livro divide-se em quatro partes, nas quais o leitor encontrará propostas desafiadoras dispostas a ultrapassar o senso comum normalmente cultivado a respeito do conflito de gerações, convidando-o à descoberta de relações sociais instigantes e inovadoras. A primeira parte, “A construção social das gerações”, desenvolve a ideia de que as gerações, embora definidas pelas peculiaridades biológicas do ciclo do desenvolvimento humano, apresentam-se claramente como um produto cultural. Para essa discussão, Ferrigno recorre a Berger & Luckmann, Karl Mannheim, Georges Lapassade, Simone de Beauvoir e Ecléa Bosi, entre outros autores da psicologia social, da sociologia e da antropologia que se dedicaram ao estudo das gerações. A parte seguinte, “Escolas Abertas da Terceira Idade: um encontro de gerações”, relata a história do trabalho social com idosos no Brasil e a dinâmica de funcionamento das atividades sociais e culturais do Sesc São Paulo. Na terceira parte, “Gerações compartilhando experiências”, Ferrigno discute o resultado da interação intergeracional no trabalho que o Sesc realiza com a terceira idade, buscando apoio teórico em autores como Paulo Freire, Hannah Arendt, Walter Benjamin, Margareth Mead, Simone Weil e Agnes Heller. Por fim, “A coeducação de gerações para uma sociedade mais tolerante, justa e solidária” é um exercício de imaginação apoiado em observações e reflexões sobre a realidade contemporânea e as ações desenvolvidas pelo Sesc, com vista a identificar as perspectivas do trabalho de coeducação de gerações não somente na própria instituição como também em outros espaços públicos.

A partir de entrevistas realizadas com os educadores e frequentadores do Sesc São Paulo, José Carlos Ferrigno analisa as trocas de afeto e de conhecimento específico que uma geração repassa à outra e os modos que os velhos têm de reagir ao processo de envelhecimento e à perspectiva da morte. Coeducação entre gerações mostra que a aproximação das faixas etárias pode incrementar a inclusão social de velhos e jovens enriquecendo-os mutuamente, desenvolvendo a tolerância e a solidariedade e amenizando, portanto, os efeitos deletérios do preconceito etário. Na Idade Média, crianças e adultos se misturavam durante as situações de festa ou de trabalho. Ainda hoje, nas comunidades rurais e nas pequenas cidades, esse encontro é mais frequente nas manifestações da cultura popular. Compete aos grandes centros urbanos, então, acabar com a separação das gerações em espaços sociais exclusivos – tarefa a que o Sesc se dedica diariamente, não só de modo prático, mas também teórico, conforme o livro de José Carlos Ferrigno vem, consistentemente, demonstrar.

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