Sesc SP

postado em 23/07/2014

Todas as notas do Jazz

Destaque 728x410 jazz

      


Livro detalha os instrumentos, as vozes, os músicos, os estilos, as bandas e orquestras que caracterizam o jazz ao longo da história

Por Celso Masson*

 

O jazz já foi jass, jasm e gismo – expressões dialetais usadas no jargão do esporte e do jogo com o significado de destreza ou energia. Antes de se celebrizar como um gênero musical, jazz era também uma gíria para o ato sexual. A explicação aparece apenas de passagem na obra O livro do jazz: de Nova Orleans ao século XXI (tradução de Rainer Patriota e Daniel Oliveira Pucciareli; Edições Sesc São Paulo/Perspectiva), do crítico alemão Joachim-Ernst Berendt em colaboração com Günther Huesmann. Há uma boa razão para que a origem do termo jazz seja tratada quase com desmazelo no livro de tamanha envergadura: tal explicação pouco ajudaria a compreender a música por trás do nome. Em contrapartida, explicar em palavras a essência da mais autêntica forma de expressão cultural nascida nos Estados Unidos sob a confluência das contribuições culturais de europeus e africanos foi uma tarefa à qual Berendt e Huesmann se dedicaram por toda a vida. Para ficar em um só exemplo do nível de detalhamento dado pelos autores ao tema: no segmento que trata dos instrumentos de percussão, eles descrevem a contribuição de Cuba, Caribe e Brasil, passando pela África, até Índia e Bali. São nada menos que 15 páginas dedicadas às origens de parte dos sons percussivos usados no jazz – isso porque, no capítulo anterior, a bateria já merecera uma extensa explicação.

Além de ter sido crítico e agitador cultural apaixonado por jazz, o alemão Berendt foi também produtor de discos e chegou a criar um selo, Jazz Meets de World, cuja missão era integrar as diferentes culturas musicais do planeta. Não por acaso, “A mesa de mixagem” também é tema de um capítulo do livro – assim como o são instrumentos pouco conhecidos, caso do oud (o alaúde árabe) e da kora (uma harpa africana de 21 cordas). No livro, os autores detalham os instrumentos e também as vozes, os músicos, os estilos, as bandas e orquestras que caracterizam os variadíssimos sons que ao longo da história puderam receber a denominação de jazz. Em momento algum, negligenciam as implicações sociais e políticas que perpassam a construção e a identidade da principal forma de cultura musical surgida no Ocidente a partir do final do século XIX até a consolidação do rock como principal gênero de música consumido e produzido em escala planetária.

Chegar até a última das 640 páginas do livro pode parecer uma missão para aficionados, mas a recompensa surge em praticamente todas as linhas. A leitura atenta permite compreender profundamente o que é jazz em todas as dimensões: desde o ambiente sociocultural que o engendrou até o entendimento mais sensível do que é “qualidade” no jazz (tema de um ótimo capítulo ao final do livro), passando pelas implicações étnicas e raciais indissociáveis dessa música nascida de uma poderosa interação de culturas. “O jazz é fruto do encontro entre ‘negros’ e ‘brancos’”, afirmam os autores. E, para entender o que o jazz representa do ponto de vista social, político, estético e musical, é preciso começar por sua palavra-chave, swing. Na historiografia da música, swing se aplica a pelo menos duas interpretações. “Em primeiro lugar”, esclarecem Berendt e Huesmann, “ela caracteriza um elemento rítmico a partir do qual o jazz obtém sua tensão peculiar, tensão que a música europeia haure de sua estrutura formal. Esse elemento está presente no jazz em todos os seus estilos, épocas e modos de tocar, sendo-lhe tão essencial que até se pode dizer que, onde não há swing, não há jazz”. Para os autores do livro, existe uma diferença essencial entre uma peça de jazz “com swing” e “no estilo swing”. Isso porque a segunda acepção da palavra se refere ao estilo que ganhou força no jazz durante a década de 1930, e do qual Benny Goodman foi o rei supremo. Caso o leitor não tenha ideia do que representou esse fabuloso band leader, talvez seja o caso de avançar para a página 513, onde o verbete “Era Goodman”, dentro do capítulo “As big bands do jazz” descreve o momento em que o gênero “havia finalmente conseguido adentrar o Carnegie Hall, o templo da música clássica” – um feito e tanto para a época. E se ainda assim restarem dúvidas sobre o que é a música em estilo swing ou como soava a orquestra de Goodman, basta ir até o capítulo “Os discos do jazz: um guia de Thomas Lowener” e conferir a discografia selecionada para o período. Está lá: Carnegie Hall Concert, um álbum duplo lançado pela CBS em 1938 com a big band de Goodman reunindo, entre outros, Count Basie, Lionoel Hampton e Lester Young.

Essa é uma das vantagens de um livro tão completo. Tudo o que o leitor precisa está lá, até trechos de algumas partituras – o que pode não interessar a quem desconhece a escrita musical, mas atende aos iniciados mais exigentes. A contribuição de Lowener, que listou as gravações mais significativas do gênero, é um acréscimo importante para a obra. Hoje, com a facilidade de encontrar qualquer música na Internet, uma dica é “ouvir” o livro, ou seja, procurar o áudio correspondente a cada músico, cantor ou banda de destaque. Assim, a leitura fica ainda mais completa e agradável. Sobretudo quando o que está sendo decifrado é algo tão complexo como a improvisação no estilo Free Jazz. Ou o conceito de “blue note” – por definição, uma nota tocada de modo “torcido”, variando de frequência em microtonalidades –, algo bem difícil de compreender, ao menos para o leigo, sem a correspondente audição. 

Para encerrar, cabe aqui um comentário rápido sobre o apêndice escrito pelo crítico Carlos Calado, “Jazz à brasileira”, uma exclusividade desta edição. Sua abordagem é histórica e abrangente, cobrindo desde os primeiros grupos de música instrumental que se dedicaram ao gênero no país até os festivais que deram maior espaço ao jazz em solo brasileiro. São apenas sete páginas, cerca de 1% do volume do livro. Mas é importante que estejam lá. Afinal, neste ambicioso O livro do jazz, nenhuma nota poderia faltar.   

 


*Celso Masson é jornalista e professor do curso de pós-graduação em jornalismo cultural da FAAP-SP. Atuou como crítico de música nas revistas Bizz, Qualis, Veja e Época.

 

Veja também:

:: Trechos do livro 

 

 

 

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