Sesc SP

postado em 22/10/2014

Escritura cidadã por excelência

Madelaida López Restrepo, Bogotá, 2006
Madelaida López Restrepo, Bogotá, 2006

      


Em Atmosferas urbanas, três expressões visuais presentes nas cidades servem de guia a um vasto conjunto de reflexões socioculturais: grafite, arte pública e nichos estéticos

*Por Welington Andrade

 

A arte do grafite estampada nas grandes cidades do mundo hoje usufrui de um estatuto todo especial. Novas estratégias de intervenção urbana mobilizam os artistas; novos suportes – não somente físicos, como também virtuais – surgem para as criações; novas relações são estabelecidas entre a arte que se faz na rua e aquela acolhida por galerias e museus. Até mesmo a academia mostra-se mais preocupada em procurar entender os contornos, as inquietações e as identidades de uma prática expressiva e artística tão longeva.

O fato é que, muitas vezes confundido com uma simples manifestação de entretenimento juvenil, por meio do qual moças e rapazes desocupados estariam buscando mera diversão nas ruas, o grafite continua provocando reações de toda espécie, por constituir acima de tudo uma arte combativa que encarna tão bem as tensões urbanas vividas nas grandes cidades.

Em Atmosferas urbanas: grafite, arte pública, nichos estéticos, lançado pelas Edições Sesc São Paulo, Armando Silva – professor da Universidade Nacional da Colômbia e Ph.D. em literatura comparada pela Universidade da Califórnia – propõe um profícuo diálogo com o leitor a respeito de três expressões urbanas que servem de guia a um denso e vasto conjunto de reflexões socioculturais: grafite, arte pública e nichos estéticos. O autor, que vem se dedicando ao estudo do assunto há mais de duas décadas, observa as novas tendências formais do grafite, da arte urbana e da arte pública, em consonância com o fato de que o novo milênio tem assistido ao crescimento de uma expressão artístico-cultural de acentuado caráter antropológico.

A obra está dividida em três partes. Na primeira delas – "Do grafite à arte" –, o autor empreende um levantamento conceitual e histórico da arte do grafite, combatendo a visão do senso comum (segundo a qual, ele é a simples expressão de uma mensagem gravada sobre uma parede) e propondo, em troca, a adoção de uma definição mais acurada, que parte da natureza social do grafite como uma “escritura ou representação do proibido”, cujo objetivo maior é perverter tanto o espaço físico quanto a dimensão ideológica implícita nos usos possíveis que se pode fazer da cidade.

Na segunda parte – "Da arte ao grafite" –, o autor trata das transformações ocorridas na arte contemporânea em função da pressão exercida pelas chamadas artes de rua, que provocaram um surto febril nas galerias e museus nos últimos anos. Armando Silva defende a ideia de que o grafite é o antecedente histórico, lógico e estético das ações urbanas realizadas seja por artistas, seja por cidadãos comuns, advertindo contra o risco da institucionalização de uma prática, por definição, autônoma e transgressora.

A terceira parte – "Nichos estéticos" – aborda uma série de projetos que trabalham com arte urbana, fazendo uso das redes sociais e de outras estratégias do mundo digital. No mundo de hoje, muitos acontecimentos urbanos ocorrem por meio de ações praticadas espontaneamente pelos cidadãos que operam nas cidades como nichos. Desse modo, defende o autor do livro, um nicho pode ser entendido como todo e qualquer dispositivo que constrói um conjunto de tramas de percepções do mundo sob o domínio estético, a partir de cuja simbologia o real se transfigura em imagem. Há nichos nos happenings que roubam a atenção na rua, nos intercâmbios entre membros de redes de vídeos divertidos, nos imaginários urbanos com os quais se identificam certos grupos, no que as câmeras registram nas ruas para formar arquivos de imagens, nos mascarados anônimos que tomam as telas da mídia para protestar...

O conjunto de fotos e ilustrações que acompanham os textos de Atmosferas urbanas constitui um valioso material colhido por Armando Silva ao longo de vários anos em diversas cidades, procurando dar conta da inquieta e penetrante manifestação urbana conformadora dos diferentes imaginários que ajudam a definir os novos modos de o homem ser e estar na urbe no início do milênio. Para o autor, um dos mais sérios e criativos estudiosos das culturas urbanas contemporâneas, o estudo do grafite e da arte pública ajuda a entender como atuam os imaginários no interior das sociedades.

 


*Welington Andrade é doutor em literatura brasileira pela USP, professor e vice-diretor da Faculdade Cásper Líbero e colunista da Revista Cult.

 

Veja também:

:: Vídeo 

 

:: Trechos do livro

 

 

 

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