Sesc SP

postado em 08/02/2013

As flores e os frutos que um livro pode gerar

Editorial Imagem As flores e os frutos

      


Jardim da Luz: um museu a céu aberto convida o leitor a viajar no tempo e a se preocupar com a memória da cidade 

 

O Jardim da Luz – uma rara herança colonial ainda preservada – é o parque mais antigo de São Paulo e, por isso, constitui um autêntico museu a céu aberto. Primeira área verde criada e mantida pelos poderes públicos na capital paulistana, o Jardim teve origem em um viveiro de plantas inaugurado em 1800 por determinação real. Em 1825, o local foi transformado em jardim e passeio público, tornando-se logo o principal centro de lazer da cidade, condição que manteve durante mais de um século, até o final da década de 1920, quando começou sua decadência.

No plano arquitetônico, a importância do Jardim da Luz é única, pois a construção sobrepõe os estilos barroco e paysager, formando um conjunto eclético, com gramados, canteiros de flores, árvores centenárias em meio a um complexo de águas com cinco lagos, uma cascata, uma ilha, uma gruta, um aquário, duas corredeiras, uma fonte e dois chafarizes. São concepções inspiradas nos jardins europeus. Do ponto de vista botânico, o Jardim forma um conjunto diversificado que reúne, além das nativas, espécies exóticas, vindas de todos os continentes. Na qualidade de horto, o parque cumpriu plenamente a função que lhe era reservada no século XIX: receber, exibir e disseminar plantas. No âmbito sociocultural, o espaço foi palco de eventos diversos e manifestações políticas. Entre as atrações culturais que passaram pelo Jardim, registram-se realizações de feiras e festas de carnaval e de Halloween; apresentações de bandas, bailes e espetáculos de circo; e as primeiras exibições de inventos científicos na cidade, como a luz elétrica e o vôo de balão. O Jardim também assistiu à realização de eventos de natureza política, como as “kermesses pró-abolição” e o banquete para os soldados que regressavam à terra natal depois de lutar na Guerra do Paraguai.

A importância que o Jardim adquiriu na vida social da cidade se refletiu igualmente no campo iconográfico. Servindo de cenário natural para filmes, vídeos, fotos aéreas e retratos de família, desde o século XIX, ele está entre os logradouros públicos mais retratados, seja por pintores como Miguelzinho e Debret, seja por cartunistas, como Ângelo Agostini, seja ainda por fotógrafos como Militão, Valério e Guinsley.

A fim de homenagear esse monumento vivo, a Editora Senac São Paulo e as Edições Sesc São Paulo lançaram Jardim da Luz: um museu a céu aberto, de Ricardo Ohtake e Carlos Dias. O livro foi organizado como uma cronologia da história do Jardim da Luz, intercalando notícias sobre o próprio local, o bairro da Luz e as atividades culturais e de lazer paulistanas. Reunindo depoimentos, reportagens, documentos, textos informativos, reflexões de pesquisadores que abordaram o tema dos jardins públicos e uma rica coletânea de registros iconográficos produzidos ao longo dos duzentos anos de existência do Jardim, a obra traça um panorama do desenvolvimento urbanístico da cidade de São Paulo, atrelando-o à questão da necessidade de preservação do patrimônio público. As transformações políticas no decorrer dos mais de dois séculos de existência do parque e o amadurecimento dos conceitos de administração pública também são contemplados.

Os autores da obra são especialistas em questões urbanísticas. Ricardo Ohtake foi secretário de Estado da Cultura de São Paulo, dirigiu o Centro Cultural São Paulo, o Museu da Imagem e do Som (MIS) e a Cinemateca Brasileira. Formou-se em arquitetura pela FAUUSP e trabalhou em importantes questões urbanas, mesmo quando foi secretário do Verde e do Meio Ambiente do município de São Paulo. Atua também na área de design gráfico, desenvolvendo projetos de identidade visual e caracterização urbana, além de editar várias publicações de arte e cultura. É diretor do Instituto Tomie Ohtake. O historiador Carlos Dias é diretor do Acervo Histórico da Assembleia Legislativa de São Paulo. Professor universitário, já foi assessor parlamentar na Secretaria de Estado da Cultura, chefe de gabinete da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente do município de São Paulo e presidente do Comitê de Cultura da Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência da República).

Com projeto gráfico ousado de autoria de Ricardo Ohtake (reunindo mais de quatrocentas imagens), o livro apresenta ainda uma série de mapas que registraram os diferentes contornos que o Jardim adquiriu em sua história. O primeiro capítulo – “Das origens do bairro da Luz à criação do jardim público” – trata de uma São Paulo ancestral, que assistia nas ruas a manobras militares e a desfiles de máscaras ao mesmo tempo em que abrigava o Rancho do Freitas, a Feira de Pilatos (ambos pontos de comércio dos produtos que vinham do interior) e o Mosteiro da Imaculada Conceição da Luz (hoje Museu de Arte Sacra).

Nos capítulos seguintes, o leitor vai acompanhar a transformação do então Horto Botânico em passeio público, em 29 de outubro de 1825. Quatro décadas depois, é a vez da inauguração da estação ferroviária de São Paulo, construída em terreno que pertencia ao Jardim, que por isso, então, passa a ser chamado pelas autoridades de “porta de entrada da cidade”. No início do século XX, o Jardim se transforma em cartão-postal, símbolo paulistano. Ali as diferentes colônias de imigrantes realizavam suas festas tradicionais. Neste período chegaram os fotógrafos lambe-lambes (ser fotografo no local era uma prova inconteste de que se estava em São Paulo!) e o cinema, que transformou o Jardim em uma sala de exibição ao ar livre.

Ainda na década de 1930, começam a surgir notícias referentes à degradação do Jardim, ao seu abandono e ao avanço da criminalidade, conforme atesta o capítulo “A decadência”. As décadas entre 1960 e 1990 assistem ao reconhecimento da necessidade de preservação de áreas urbanas degradadas, tema do capítulo “O patrimônio histórico”. “O restauro do Jardim da Luz” e “O Jardim da Luz no ano 2000” valem-se de farta documentação fotográfica para narrar o amplo restauro das edificações, do paisagismo e da flora do Jardim, que recuperaram todo seu esplendor. Fecham o livro dois estudos sobre a flora e a fauna e um delicioso cartum, retratando o local nos dias de hoje.

Um livro como Jardim da Luz: um museu a céu aberto é destinado inicialmente àqueles leitores interessados na preservação do patrimônio público. Entretanto, a publicação – dado seu cuidadoso empenho editorial – presta-se ainda a um outro objetivo: transformar-se em material paradidático a ser usado em escolas e instituições culturais. Educadores vão encontrar em suas páginas um riquíssimo conjunto de textos e imagens sobre a memória da cidade de São Paulo que pode servir de base para aulas de História, Geografia, Biologia e Literatura, por exemplo. No âmbito da educação não formal, agentes culturais podem fazer uso do livro para a elaboração de projetos e atividades voltados à cidadania, ao urbanismo, ao lazer, ao turismo...

Com mais esta publicação, a Editora Senac São Paulo e as Edições Sesc São Paulo pretendem não somente homenagear um marco da cidade de São Paulo como também tratar da questão urbanística do país. Vale lembrar que os jardins públicos tornaram-se mobiliário obrigatório nas cidades modernas. Eles estão presentes nas 654 cidades de São Paulo e, no Brasil, são raras as cidades onde não o encontramos.

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