Sesc SP

postado em 18/03/2015

Visão privilegiada

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Ao reunir mais de 20 anos da produção crítica de Sábato Magaldi, Amor ao teatro oferece panorama único do teatro brasileiro moderno

Por Maria Eugênia de Menezes*

 

Sábato Magaldi era um crítico experiente quando passou a escrever para o Jornal da Tarde. Homem devotado às letras – e especialmente às artes do espetáculo -, esse autor já havia depurado seu olhar nos textos que encontramos em Amor ao teatro: Sábato Magaldi, publicado pelas Edições Sesc São Paulo. Nas 1.200 páginas do volume, está documentado um percurso de mais de 20 anos. Críticas publicadas, com constância e periodicidade, entre 1966 e 1988.

Representante de uma geração única no país, Sábato seguia a trilha aberta por seu companheiro no Suplemento Literário de O Estado de S.Paulo, Décio de Almeida Prado. Contemporâneos, ambos eram dotados de agilidade, predicado da prática jornalística, de uma escrita simples e elegante, sem os hermetismos do estilo acadêmico, mas amparados por uma formação de rigor universitário. Se os anos 1940 marcam o surgimento de um novo teatro, conectado com os ideais de modernidade, é também o momento de construção de uma nova crítica. Menos guiada por simples predileções e impressões pessoais, a área absorvia conceitos estéticos, passava a analisar opções temáticas, buscas estilísticas, ideais e correntes de pensamento postos em cena.

É nesse contexto que se torna possível a emergência, por exemplo, da dramaturgia ‘desagradável’ e revolucionária de Nelson Rodrigues. Não é exagero afirmar que, sem a recepção de Sábato Magaldi – engajado na prática de um discurso crítico moderno –, dificilmente as inovações rodriguianas teriam alcançado a compreensão e, eventualmente, a consagração.

A partir dos anos 1960, período abarcado por Amor ao teatro, as artes cênicas brasileiras experimentavam um sopro de liberdade. As influências dos encenadores estrangeiros já haviam sido assimiladas, seja o apuro e o profissionalismo legados pelo TBC – Teatro Brasileiro de Comédia, seja o requinte e o senso de invenção trazidos pela presença de estrangeiros como Ziembinski e Gianni Ratto. Uma das realidades captadas pelo livro é a emergência de um novo teatro de grupo. De um lado, o crítico pontuava a presença do Arena, dotado de “uma coerência e uma firmeza respeitáveis”. Do outro, assinalava o lugar único do Oficina, “um verdadeiro sismógrafo do nosso palco, a registrar sem descanso as menores mudanças na paisagem.”

Organizada pela dramaturga Edla Van Steen - casada com Sábato há 35 anos -  com a assessoria de José Eduardo Vendramini, a publicação deixa de lado ensaios e artigos, uma faceta igualmente significativa da produção do escritor, e centra-se nas críticas que ele publicou sobre a produção teatral nacional (os espetáculos estrangeiros não foram contemplados nesse recorte).

Como observador “militante” da cena ao longo de quatro décadas, o autor estimava ter escrito sobre cerca de cento e cinquenta novos autores. Seu percurso crítico, portanto, coincide com o do próprio teatro brasileiro moderno. Em seus anos iniciais, busca a afirmação de uma voz autoral – sentido que ele também capta em criadores como Dias Gomes, Nelson Rodrigues e Jorge Andrade. Com o tempo, amadurece a ponto de dar conta de uma produção de caráter profissional. Abraça novas temáticas, como fizeram Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal, em sua busca por uma dramaturgia nacional e popular. Lança-se ainda sobre inexploradas fronteiras estéticas, na trilha de Plínio Marcos.

Obra de referência, o livro Moderna dramaturgia brasileira examina sessenta espetáculos, de trinta autores nacionais. Surgiu como uma continuação do processo que o estudioso havia documentado em Panorama do teatro brasileiro, lançado em 1962. Amor ao teatro diferencia-se de ambos.  Primeiro, é preciso levar em conta sua monumentalidade: são mais de seiscentas críticas reunidas. A renovação do teatro não está colocada como um fenômeno a ser observado à distância, mas um processo captado com paciência, visto ao rés do chão, apreendido em seus retrocessos e avanços.

Precioso para os amantes e estudiosos das artes cênicas, Amor ao teatro também precisa ser considerado como fonte de pesquisa. Em suas páginas, estão documentados não apenas os movimentos dessa arte entre as décadas de 1960 e 1980, mas o auge criativo de alguns dos mais importantes encenadores da modernidade.

Ano a ano, acompanhamos as estreias de Augusto Boal, José Renato, Fauzi Arap. E, de mirada privilegiada, podemos seguir no encalço de Antunes Filho e José Celso Martinez Corrêa. Vemos como Antunes passa de montagens grandiosas de textos estrangeiros, como A cozinha, de Arnold Wesker, e Black-Out, de Frederick Knott, para encontrar a dramaturgia nacional em títulos como Corpo a corpo, de Vianinha, e O assalto, de José Vicente. Sábato flagra ainda sua guinada. Do profissional competente ao criador inspirado. Ele deixa os atores consagrados e parte em direção aos intérpretes jovens - traço que se mantém em sua carreira. O livro captura ainda a emergência daquela que pode ser considerada sua criação maior, o seu ponto de guinada: Macunaíma.

No caso do diretor do Oficina, o caminho apreendido pelo crítico é igualmente instigante. Em 1967, ocorre a antológica estreia de O rei da vela; no ano seguinte, Zé Celso parte para o embate direto com o regime militar ao montar Roda viva e, logo a seguir, Sábato nos apresenta mais uma reviravolta. Com Galileu Galilei, de Bertolt Brecht, a palavra retoma o lugar central. “José Celso Martinez Corrêa havia proclamado sua descrença na eficácia do teatro racionalista e nos dá um espetáculo prodigiosamente racional”, observou Sábato.

Mas como, afinal, formou-se esse olhar tão perspicaz? Entre 1952 e 1953, o crítico deixou o Brasil para ir estudar estética na Sorbonne. De volta, transferiu-se para São Paulo, onde assumiu o posto de professor na Escola de Arte Dramática. Mas temperou sempre o olhar com as lições aprendidas nos primeiros anos de exercício da profissão, quando escrevia para o Diário Carioca.

A precariedade da cena do Rio de Janeiro, nos anos 1940, tiraria o autor da posição de quem julga e o impeliria a dialogar com os criadores da época. Em Sábato Magaldi e as heresias do teatro, a pesquisadora Maria de Fátima Silva Assunção analisou seu período de formação. Bacharel em Direito, recém-formado, o jovem trocou Belo Horizonte pelo Rio de Janeiro. Em busca de um emprego, encontrou vaga nas redações. E viria a suceder, no posto de crítico de teatro, o também mineiro Paulo Mendes Campos. Nos palcos, contudo, Sábato não encontrou exatamente o teatro que tinha em mente. Mesmo inexperiente, já havia tido contato com as mais modernas correntes em voga na Europa. Mas os teatros da então capital federal estavam tomados por obras de teatro de revista ou comédias popularescas. Em resumo, Maria de Fátima sustenta a inspirada tese de que um teatro ruim é o que teria feito de Sábato um grande crítico. Mas talvez seja algo além disso. Em suas próprias palavras sobre o ofício, ele escreveu: “o amor pelo teatro e a boa fé” são as qualidades primeiras de um crítico. Sentidos que se estampam em cada um desses textos agora compilados e publicados em livro.  
 


* Maria Eugênia de Menezes é jornalista, editora do suplemento Divirta-se e crítica de teatro do Caderno 2, do jornal O Estado de São Paulo.

 

Veja também:

:: Lançamento: 24/03. Terça-feira, às 19h30 no Sesc Consolação. Saiba mais aqui

:: O Estado de S. Paulo | Nova obra de Sábato Magaldi analisa a dramaturgia brasileira em 800 textos
Por Antônio Gonçalves Filho

:: Folha de S. Paulo | Lançado hoje, livro Amor ao teatro reúne 783 textos de Sábato Magaldi
Por Nelson de Sá

:: Trechos do livro | Clique na imagem para ampliá-la. Após a leitura, pressione a tecla ESC para retornar ao site.

 

 

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