Muito além de um olhar
Livro e exposição resgatam aspectos históricos e o caráter experimental da obra fotográfica de Geraldo de Barros
Por Simonetta Persichetti*
O Brasil ainda tinha em relação à fotografia um olhar acadêmico e conservador, por volta do final da década de 1940, quando um grupo de fotógrafos resolveu revolucionar, ou talvez melhor dizendo, reverter todas as regras estabelecidas até então do que seria uma fotografia artística, e criar o que ficaria conhecido entre os historiadores como a primeira experiência da fotografia moderna no Brasil. Dentro deste grupo alguns nomes se destacaram, como Thomaz Farkas (1924 – 2011), Marcel Giró (1913 – 2011), Gaspar Gasparian (1899 – 1966), German Lorca (1922) e Geraldo de Barros (1923 – 1998). Podemos considerar que eles criaram uma vanguarda dentro do processo criativo fotográfico brasileiro, e embora seja difícil provar, notamos nas imagens produzidas semelhanças com a estética dos fotógrafos vanguardistas europeus e norte-americanos do início do século XX. Na base das fotografias, percebe-se uma experimentação não só do ponto de vista técnico, mas também em relação aos objetos, situações e personagens a serem retratados. Vários são os ensaios, livros e textos escritos sobre este período ou sobre estes fotógrafos, mas um livro agora lançado pelas Edições Sesc São Paulo em parceria com o IMS (Instituto Moreira Salles) apresenta a relevância deste momento dentro da fotografia brasileira a partir de uma análise profunda dos trabalhos realizados por um destes artistas.
O volume Geraldo de Barros e a fotografia, organizado por Heloísa Espada, coordenadora de artes visuais do Instituto Moreira Salles, é na verdade o catálogo de uma exposição homônima que o próprio Instituto Moreira Salles realizou em sua sede no Rio de Janeiro entre outubro de 2014 e fevereiro de 2015, e que agora está em cartaz no Sesc Belenzinho, em São Paulo, até 31 de maio. A exposição, assim como o livro, resgatam aspectos históricos e o caráter experimental da obra fotográfica do artista, enfocando sua relação com as gravuras e pinturas realizadas entre os anos 1940 e 1990.
:: Leia na E-online matéria exclusiva sobre a exposição
:: Conheça os produtos da Loja Sesc inspirados na mostra
Um livro fundamental para acompanharmos a trajetória de um artista que passou pelas mais diversas fases quando se pensa em experimentar a fotografia, desde a fotografia “pura” até colagens e manipulações sobre cartazes de propaganda. O livro também apresenta sua ligação e influência com a pintura e finaliza com a série Sobras, realizada nos últimos anos de sua vida, quando, por problemas de saúde, viu-se recluso em sua casa - momento em que retoma antigas fotografias e álbuns de família para ressignificá-las e criar novas imagens. O volume traz ainda textos de pesquisadores como Simone Föster, Tadeu Chiarelli, João Bandeira e Giovanna Bragaglia, além da própria organizadora, Heloisa Espada.
A vida artística de Geraldo de Barros é fascinante. Inquieto, transitou por várias áreas como pintura, gravura, design e fotografia misturando técnicas e saberes. Os textos abordam sua relação com as artes plásticas e a fotografia europeia do pós-guerra, seu envolvimento com os artistas concretos do Rio de Janeiro, a presença da fotografia em suas pinturas pops e seu derradeiro trabalho com as imagens na série Sobras.
Geraldo de Barros aparece no cenário da fotografia brasileira em 1951, quando a convite de Pietro Maria Bardi expõe no Masp (Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand) as Fotoformas, uma série de imagens experimentais iniciada em 1949, tornando-se assim um dos primeiros artistas a expor fotografia em um museu no Brasil. É nessa época também que ele se aproxima do Foto Cine Clube Bandeirante, considerado a escola paulista de fotografia, com o qual estabelece uma relação tumultuada. Se alguns fotógrafos, como Thomaz Farkas, também estavam interessados em romper regras e trazer um novo olhar para a fotografia, aceitando e percebendo sua importância dentro de um panorama renovador, outros, mais conservadores, relutavam em aceitar trabalhos como os de Geraldo, caracterizado por múltiplas exposições, negativos riscados, além de um elemento que se tornaria importante em seu processo: a inclusão do acaso. Avesso ao rigor técnico, que acreditava empobrecedor, ele deixava o olhar correr solto nas suas criações.
Mas esses conflitos se transformariam em aplausos. O próprio Foto Cine Clube Bandeirante se rendeu a um olhar mais abstrato e ajudou a divulgar a modernidade expressiva do meio. Um olhar irreverente, onde as mais variadas formas de expressão se misturam. Um olhar livre, que pensa a fotografia como elemento criador – inclusive com o uso despudorado da manipulação. Interferências que se sobrepõem e que de alguma maneira desconcertam nosso olhar; não dando o visto por conhecido, mas requerendo uma atenção e contemplação maior.
Geraldo de Barros e a fotografia resgata a memória deste artista precursor da fotografia contemporânea e ajuda àqueles que não o conhecem a mergulhar em seu fantástico mundo imagético, que vai muito além de um simples olhar.
* Simonetta Persichetti é jornalista, mestre em comunicação e artes, doutora em psicologia social, crítica de fotografia e colaboradora do Caderno 2 do jornal O Estado de São Paulo
Veja também:
:: Trechos do livro | Clique na imagem para ampliá-la. Após a leitura, pressione a tecla ESC para retornar ao site
:: Heloísa Espada fala sobre Geraldo de Barros e a fotografia
::Geraldo de Barros: isso - organizado por Fabiana de Barros, filha do artista, livro reúne pinturas, fotografias, serigrafias e outras produções do artista