Cultivando diferenças: fronteiras simbólicas e a formação da desigualdade
Mais do que debater diferenças relacionadas às instituições, livro reflete sobre a infuência do conceito de classe sobre a cultura
Organizado pelos sociólogos canadenses Michèle Lamont e Marcel Fournier e publicado originalmente pela Universidade de Chicago em 1992, o livro Cultivando diferenças: fronteiras simbólicas e a formação da desigualdade está sendo lançado pela primeira vez no Brasil pelas Edições Sesc São Paulo e reúne 12 ensaios escritos por importantes especialistas sobre diferentes abordagens dentro da área da sociologia da cultura.
Com o objetivo de sugerir formas de ampliar a discussão sobre o papel desempenhado pela cultura na criação da desigualdade social, os autores levantam questões teóricas amplas, muitas vezes desafiando referências influentes da sociologia cultural, e esclarecem os sinais usados para identificar status sociais, bem como os mecanismos relacionados às distinções culturais que operam na vida cotidiana e suas consequências sobre a desigualdade. Ainda que não explore experiências brasileiras, a obra apresenta aspectos importantes para o conhecimento de diferentes públicos de cultura ao abordar a complexidade fragmentária da contemporaneidade em relação à noção de classe, além de ponderar quanto às relações entre cultura e prestígio, e cultura e distinção social.
Cultivando diferenças parte da percepção de que a compreensão da natureza e da dinâmica das desigualdades e dos limites existentes entre os grupos sociais é uma tarefa particularmente urgente, uma vez que as classes socioeconômicas estão cada vez mais isoladas umas das outras, a desigualdade entre os indivíduos cresce a cada dia, os conceitos de raça e etnia ocupam cada vez mais o centro dos conflitos socioculturais, e os obstáculos que as mulheres e as minorias enfrentam em seus locais de trabalho parecem ter voltado a crescer.
Mais do que debater diferenças relacionadas à nacionalidade, língua, família, religião, educação, o livro reflete sobre o quanto a desigualdade instituída pelo conceito de classe tem influência sobre a cultura. A obra está organizada em quatro áreas temáticas que cobrem diversas questões absolutamente essenciais para o entendimento de um panorama cultural tão complexo quanto aquele em que está mergulhada nossa contemporaneidade: a institucionalização das categorias culturais; alta cultura e exclusão; recursos para a demarcação de fronteiras: o caso do gênero e da etnicidade; e a exclusão e a organização política.
Fronteiras simbólicas, alta cultura e exclusão
A primeira sessão do livro diz respeito à institucionalização dos repertórios culturais e às fronteiras simbólicas que os definem com ensaios assinados por Paul DiMaggio, Diana Crane, Joseph R. Gusfield e Nicola Beisel. Enquanto DiMaggio e Crane centram-se nos processos institucionais envolvidos na definição de fronteiras, Gusfield e Beisel discutem como os repertórios culturais e os contextos de interpretação disponíveis são mobilizados no processo de demarcação.
A segunda parte da coletânea traz contribuições de David Halle, Richard A. Peterson, Albert Simkus e Vera L. Zolberg e aborda os padrões de classe do consumo cultural, bem como as maneiras específicas com que as culturas alta e popular podem ser usadas na criação dos grupos de status.
Em seu estudo empírico de quatro comunidades da região da cidade de Nova York em relação à apreciação da arte abstrata, David Halle conclui que o consumo da arte não necessariamente gera fronteiras sociais, como foi postulado pela teoria do capital cultural, questionando assim abordagens que sugerem ser a cultura, primariamente, uma ferramenta de dominação e poder ou uma base para o domínio simbólico. Em contraste com Halle, Richard A. Peterson e Albert Simkus argumentam que o gosto artístico continua a significar status e mostram que em todas as classes nos Estados Unidos há uma hierarquia de práticas culturais. Já Vera L. Zolberg discute o fato de museus de arte atraírem somente profissionais, administradores e estudantes educados, e questiona se isto não seria resultado da natureza das coleções ou das políticas das instituições, que tendem a desvalorizar a ação educativa.
Gênero e etnicidade no processo de demarcação
Com estudos de Randall Collins, Cyhthia Fuchs Epstein e John R. Hall, a terceira sessão discute como as fronteiras são construídas e usadas por grupos cujas identidades estão baseadas em características atribuídas a eles, notadamente mulheres e membros de grupos étnicos minoritários.
Enquanto Randall Collins examina a divisão sexual do trabalho cultural para nos permitir compreender a produção de fronteiras simbólicas, Cynthia Fuchs Epstein argumenta contra o feminismo cultural, ressaltando que categorias dicotômicas desempenham papel importante na definição das mulheres como “outros”. Em seguida, John R. Hall levanta o tema das características comuns entre tipos de fronteiras em sua análise de situações de status, argumentando que precisamos reconhecer a existência de mercados heterogêneos, além de múltiplos tipos de capital cultural, e expondo uma crítica à noção de um mercado global de capital cultural.
A exclusão e a organização política
Na parte final, Jeffrey C. Alexander e Alan Wolfe discutem como fenômenos de exclusão se manifestam em sistemas sociais mais amplos e quais são suas consequências políticas. Alexander afirma que precisamos prestar atenção à dimensão simbólica da “sociedade civil”, e mostra que o “discurso civil” é binário e ocorre em três níveis (motivos, relações e instituições) para dividir o mundo entre “aqueles que merecem inclusão” e “aqueles que não a merecem”. A democracia anda de mãos dadas com a racionalidade, a abertura, a igualdade e a liberdade: esse é o “discurso da liberdade”, cujos princípios são considerados sagrados. Todo ataque contra qualquer desses princípios causa repressão e, algumas vezes, expulsão.
Sobre a Coleção Sesc Culturas
Lançada em 2014, a linha editorial Coleção Sesc Culturas tem o objetivo de publicar títulos voltados à divulgação de reflexões acerca das políticas, economias, mediações e gestões culturais. Com uma seleção de autores especializados no tema da sociologia e da cultura, a coleção reúne títulos que são referências para os estudos culturais.
Veja também:
:: Resenha | Vivências e práticas culturais na modernidade - Por Newton Cunha