Sesc SP

postado em 05/03/2013

Do papel para as telas

palhaco

      


Roteiro do filme O palhaço, dirigido por Selton Mello, ajuda a compreender melhor o processo de trabalho no cinema

 

Como uma das artes narrativas mais populares ligadas à indústria cultural, o cinema atravessou triunfante o século XX e chegou ao século XXI, dando mostras de um inesgotável dinamismo. No caso específico do cinema brasileiro, novos cineastas vêm surgindo sistematicamente nos últimos anos, destacando-se ainda atores e atrizes que brilham nas telas e uma gama de profissionais que contribuem para o desenvolvimento artístico e técnico do setor. Dentre estes últimos, há que se saudar a nova safra de roteiristas brasileiros que, desenvolvendo enredos a partir de argumentos originais ou adaptados, são os grandes responsáveis por despertar o interesse dos espectadores pelas tramas de muitos filmes de sucesso. 

Um roteiro, cuja função principal é contar uma história, não é escrito da mesma maneira que um romance, embora não deixe de ter uma “forma literária”. No roteiro, o enredo é contado por meio de imagens, diálogos e descrições minuciosas das cenas. Trata-se de uma “bula” ou de uma “rota” determinada e “decupada”, dividida em diferentes estágios: planos, sequências e cenas, com as rubricas de cenários e diálogos.   

Segundo a Enciclopédia do cinema brasileiro, publicada pelas Edições Sesc SP, “o roteiro de um filme é uma peça corriqueira da indústria cinematográfica internacional, principalmente nos países com cinematografias desenvolvidas. No Brasil, em função de um modo próprio de produção cinematográfica, o trabalho dos roteiristas ainda não possui uma dimensão ampla”. Procurando reverter esse panorama e responder ainda ao crescente interesse do mercado editorial brasileiro por textos desse gênero, as Edições Sesc São Paulo e a Editora Ouro Sobre Azul uniram seus esforços para publicar em parceria o roteiro do filme O palhaço, assinado por Selton Mello e Marcelo Vindicatto e dirigido pelo primeiro.

Selton Mello nasceu em 1972 na cidade de Passos, em Minas Gerais, mas ainda bebê foi para São Paulo com seus pais. Aos oito anos de idade, iniciou sua carreira na televisão, cantando em programas de calouros e participando de comerciais. Logo depois, integrou o elenco da novela Dona Santa, da TV Bandeirantes. Em 1984, ele se mudou para o Rio de Janeiro por conta de um convite para participar da novela Corpo a corpo, seu primeiro trabalho na TV Globo, aos onze anos de idade. Depois disso virou dublador e músico, começando a fazer teatro. Mais adiante passou a dirigir, escrever, produzir e editar videoclipes e programas de TV. No cinema, participou de mais de trinta filmes como ator e dirigiu dois longas-metragens: Feliz Natal e O palhaço

Marcelo Vindicatto nasceu em 1966, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, cidade na qual passou a infância e a adolescência. Em 1980, mudou-se para o Rio de Janeiro onde se tornou cinéfilo, cantor de rock, roteirista de histórias em quadrinhos e ator de teatro. Posteriormente, virou roteirista profissional do programa Tarja Preta, do Canal Brasil, passando também pela Conspiração Filmes e pela TV Brasil. Escreveu os longas-metragens Feliz Natal, com Selton Mello, e Os penetras, de Andrucha Waddington. Atualmente, Marcelo dá aulas de roteiro na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. 

Escolhido para representar o Brasil na premiação do Oscar em 2013, em uma vaga na categoria de melhor filme estrangeiro, O palhaço alcançou a auspiciosa marca de mais de um milhão e quinhentos mil espectadores e acumulou um expressivo número de premiações. O filme foi indicado em quatorze categorias e venceu doze do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, incluindo as de roteiro original, para Selton Mello e Marcelo Vindicatto; ator coadjuvante, para Paulo José; ator e diretor para Selton Mello, além dos prêmios de melhor filme e fotografia do 38º Festival Sesc Melhores Filmes de 2011.

O argumento de O palhaço nasceu de uma crise de identidade que Selton Mello viveu como ator, quando ele, insatisfeito com o que vinha fazendo, achou que não deveria mais atuar. Em parceria com o amigo Marcelo Vindicatto, Selton criou, então, o jovem palhaço Benjamim, cujas aventuras emocionais são sempre acompanhadas pela trupe do Circo Esperança. O personagem foi assim batizado em homenagem a Benjamin de Oliveira (1870-1954), artista circense que talvez tenha sido o primeiro a acumular as funções de diretor e ator no cinema brasileiro, ao fazer Os guaranis, em 1908.

O desafio de ambos os roteiristas era tornar atraente um drama tão delicado, fazendo algo divertido, tocante, legível e simples, sem se tornar simplório. “Uma história que caminhasse pelo presente, pela memória e pela fantasia a um só tempo; queria realizar algo luminoso, que o espectador saísse da sala escura com o peito cheio de esperança”, afirma o ator.

Para a elaboração do roteiro, uma pesquisa do universo circense foi essencial, levando a trama a guardar algum sabor dos melodramas que eram apresentados pelos antigos circos do país, espetáculos esses também conhecidos pelo nome de circo-teatro. Mas a estrutura do roteiro de O palhaço não é fechada como a dos melodramas, adverte Selton: “Tenho enorme apreço pela imaginação alheia e, por isso, o filme tem uma estrutura narrativa clássica, mas ao mesmo tempo oferece lacunas proporcionando interpretações diversas, fornecendo informações nem sempre com diálogos, portanto, deixando espaço para o espectador agir. Isso foi algo delicado de se conseguir, foi uma orquestração bem difícil, mas da qual tenho grande orgulho em nosso roteiro”.

Ler o roteiro e assistir ao filme permitirá ao leitor/espectador acompanhar a passagem de uma linguagem a outra, conforme aponta o próprio diretor: “Fizemos questão de eternizar o roteiro como ele é, sem as alterações que aconteceram nos ensaios ou na montagem. Assim , o leitor mais atento vai perceber o que foi cortado, o que foi mudado de lugar na hora da finalização”.

Com a publicação do roteiro de O palhaço, tanto o leitor atento quanto o cinéfilo inveterado irão perceber que o riso no filme resulta não somente da qualidade do trabalho dos atores e da encenação como também da inteligência do texto.

 

Veja também:

:: Vídeo

 

:: Trecho do livro

 

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