Sesc SP

postado em 18/03/2015

Eduardo Coutinho, 7 de Outubro

Carlos Nader e Eduardo Coutinho durante as filmagens do documentário
Carlos Nader e Eduardo Coutinho durante as filmagens do documentário

"Ser ouvido é ser legitimado em sua mediocridade"

Provavelmente, nunca se ouviu tanto a voz de Eduardo Coutinho como no filme de Carlos Nader, "Eduardo Coutinho, 7 de outubro". Na posição de entrevistado, o cineasta dá pistas para construção de um personagem além da prática que o consagrou: trata-se de uma pessoa generosa num ofício que, costumeiramente, busca legitimação através de uma voz própria transposta noutros dispositivos (um roteiro, uma atuação). Coutinho sabia ouvir - são dele as aspas que abrem este texto.
 

 

7 de outubro é o espaço de um dia, tempo disponível para Nader inverter os papéis com Coutinho, numa entrevista cuja captação de imagem e som é feita pela equipe que acompanhou Coutinho em diversos projetos - está ali, exposto, à frente da câmera de Jacques Cheuiche, tendo sua voz captada por Valeria Ferro. Nader, no entanto, não abriu mão de uma outra câmera, um outro ponto de vista ao filmar o mestre. O contraplano está ali, mostrando toda a equipe, como se validasse a proximidade do encontro e o calor do depoimento de Coutinho.

Por sua vez, o entrevistado também embarca em deliciosas contradições, como "odeio a profundidade, essa coisa dos alemães... eu gosto do lixo!" para depois enxergar Walter Benjamin e sua "queda adâmica da linguagem" ao se deparar com as imagens de um velho filmado por ele em "O Fim e o Princípio". Está claro que Coutinho entendia que "a linguagem humana encontra-se na situação limite de ter que expressar aquilo que não se dá, totalmente, à expressão", como pontuou o filósofo alemão. Para além disso, entendia que o "infinito exercício expressivo" sob o qual tencionamos a linguagem, constitui a essência espiritual do homem. Seus filmes, seu jeito de filmar, sua fala neste filme de Carlos Nader corroboram isso.

O próprio Nader se aproxima de Coutinho - além da devoção - neste sentido: para ele, seus filmes "privilegiam a experiência, não no sentido de uma experiência de linguagem, como se a linguagem fosse algo apartado de você mesmo - a linguagem é o que constitui a gente. A gente é linguagem". Em seu "Homem Comum", vencedor do "É Tudo Verdade" de 2014, Nader acompanhou o caminhoneiro Nilson de Paula por 20 anos. Em dado momento, diz "Nilsão, nós, eu e você, precisamos desse filme pra sobreviver... Poderia ser só mais uma entrevista, mas não é".

A discrepância com o "método" de Coutinho - que dizia "ou acontece em 30 minutos ou não vai acontecer em 3 horas" e "não entrevisto pessoas que me são próximas" - está escancarada na fala de Nader. Entretanto, Coutinho dizia que nunca quis fazer filmes por temas, mas sim porque acreditava que só ele queria fazer determinado filme no mundo. Mais, só ele poderia fazer tal filme no mundo. A necessidade da experiência parece, de certa forma, unir ambos cineastas.

Esta era a primeira fase de um projeto maior sobre o documentarista, interrompido com sua morte, em 2 de fevereiro de 2014.  O diretor regional do Sesc São Paulo, Danilo Santos de Miranda, afirmou: “Pedimos que Carlos Nader dirigisse um documentário para homenagear um programa no qual o Sesc foi pioneiro no Brasil: o Trabalho Social com Idosos que, em 2013, completou 50 anos. Nader, com uma câmera a postos e uma excelente ideia, pensou em fazer um documentário sobre o maior documentarista do Brasil, Coutinho. Com 80 anos, ele era o melhor exemplo de uma velhice arguta, sem ser pessimista ou censor de novas tendências. Assim, o Sesc produziu um dos últimos trabalhos relacionados àquele que também expôs na tela a relação cotidiana dos brasileiros com a história do Brasil e com suas histórias pessoais".
 

 

"Últimas conversas", derradeira obra da carreira de Coutinho, montado postumamente pela mesma Jordana Berg que assina a montagem deste "7 de Outubro", faz a abertura do "É Tudo Verdade" de 2015. O filme traz o cineasta ouvindo jovens estudantes cariocas. Uma aproximação de gerações construída à justa-distância, como apontava o mestre - "O fato de você não ser próximo, nem socialmente, nem de idade, cria uma condição de sedução. Você pode ser o pai, o padre e, no meu caso, até o avô!". A importância dessa noção de sedução conduz ao alargamento do termo "erótico", utilizado pelo próprio cineasta para definir seus filmes. Tratavam-se de trocas: um sujeito que quer dizer, outro que se interessa por ouvir, entendendo que o corpo fala, e que as trocas se dão neste território.

Carlos Nader seguiu esta trilha e mostrou um senhor de gestos largos, corpo franzino e voz "cheia de cascalhos" de maneira próxima, de um jeito propício à troca, à escuta. Um belo filme. Gigante figura.

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