Cesária Évora no centro do mundo
Lançamento do Selo Sesc vai às ruas sob o melhor dos juízes: a praça da Sé e seus milhares de navegantes - quem resistiria à voz de Cabo Verde?
Ali na praça da sé, no coração de São Paulo, tem um monumento para o José de Anchieta, dito fundador da cidade (vamos ignorar a história da índia Bartira e do português João Ramalho). Anchieta nasceu nas Ilhas Canárias, um cantinho de terra próximo à costa africana, pertencente à Espanha. No caminho para as Índias, espanhóis e portugueses dominavam os mares e seus pedaços insulares. Maldito desvio de rota e vieram todos parar aqui no Brasil - antes, porém, à caminho das novas índias, Cabo Verde.
No pequeno arquipélago formado por 10 ilhas, Vasco da Gama faria sua penúltima parada antes de dobrar o cabo das tormentas e descortinar o Oceano Índico no mapa-múndi - coisa que, dizem, era o objetivo da expedição liderada por Pedro Álvares Cabral. Depois, Cabo Verde virou entreposto à rota Brasil-Portugal: dificilmente algo que partisse da metrópole para o colônia deixaria de passar por essas ilhas. É provável que se saiba muito sobre o Brasil naqueles lados. Mas, e aqui? Que sabemos de Cabo Verde?
Dizem que falam português, que tem um passado escravocrata e que Mindelo, uma de suas principais cidades, é chamada de "Brazilim", tamanha é a festa quando acontece o carnaval. Esta cidade deu ao mundo uma diva de pés descalços. Assim era conhecida Cesária Évora, a rainha da morna, por se apresentar aterrada ao palco, como se fosse um para raio para aquilo que vem de outro lugar e se materializa num instante feito música. Essa era a medida para Cesária - e Jacques Morelenbaum não nos deixa mentir.
"Mãe Carinhosa" é seu disco póstumo, um legado na forma de presente, com composições inéditas, gravadas entre 1997 e 2005 - apenas "Sentimento" aparecera noutro disco, Nhá Sentimento (2009) em outra versão. Neste disco entende-se a proximidade mestiça de Cabo Verde com o Brasil, de Cesária com Angela Maria (por quem a cabo-verdiana era apaixonada): reside ali, nos nossos ouvidos, corpos e musicalidade, uma qualidade que transcende a distância geográfica.
A morna se faz presente durante o disco todo, mas há outros ritmos, outras entonações que atestam a capacidade de Cesária ser íntima e passional, mesmo que você jamais tenha ouvido falar do seu nome, ou da sua voz. Como o pessoal que passava ali na praça da Sé, no coração de São Paulo, onde há a lembrança do padre das Canárias e navegantes se perdem num mar de gente vindo do trabalho, da casa, de outro continente que não a América do Sul, no dia 17 de abril: a voz da diva de Cabo Verde fez conexões com todos que se dispuseram ouvir um pouco da sua cantoria.
Se o depoimento espontâneo desses navegantes ainda não for suficiente para você se interessar por Cesária Évora, a Folha, o Estadão, o Valor, enfim, todo mundo escreveu sobre ela. Ainda não bastou? Caetano Veloso fez as honras na primeira aparição da cantora aqui no Brasil em 1994 - e no encarte desta edição do disco pelo Selo Sesc: você confere ambas aí embaixo, juntamente com trechos deste discaço.
O álbum pode ser adquirido na Loja Sesc, presente em todas as unidades do Sesc SP, e no site da livraria, clicando aqui!