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Sessões Selo Sesc postado em 06/04/2020

Sessões Selo Sesc #6: Rakta + Deafkids

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No terceiro episódio da ótima série Punk, somos apresentados a bandas como The Germs, Bad Brains, Black Flag, D.O.A. e outras que lançaram fogo sobre a raiva e a alienação nos subúrbios dos Estados Unidos, provocando uma forma incendiária de punk tão extremo que eles chamaram de hardcore. Esse estilo que, por sua vez, inspirou uma nova cultura de faça-você-mesmo, abrangeu cidades e bandas em todo o continente e passou-se a ser, mesmo que indiretamente, definido como um gênero, mais rápido e agressivo, influenciando várias gerações que chegaram pela frente, seja musicalmente ou não.

Até aqui, estamos falando do final do anos 70 e do começo dos anos 80, nessa época o “punk“ havia cruzado os quatro continentes e tanto os Ramones já tinham conhecido a terra da rainha, como os Sex Pistols já tinham se metido num ônibus rumo a costa leste americana para uma turnê.

Mas por que pra falar desse disco estamos desenterrando a tão resgatada e polêmica história do punk? Bom, a partir do parágrafo anterior, pode ser dizer que, antes disso, a essência do gênero estava lá muito bem representada. Porém, foi com o tempo que o movimento posteriormente se refletiu na música, moda e atitude e passou por profundas transformações até chegar a este patamar, principalmente ao descamar uma postura menos reativa a sociedade, para entender-se como participante nesse processo revolucionário. O punk, além de um estilo musical, é essencialmente um estilo de vida e um modo de encará-la, como explica a pesquisadora Elisa Rezende:

“Dentre as décadas de 1970 e 1980 os Punks questionaram os excessos da sociedade, manifestando nas roupas seus pensamentos e ideologias. O visual desta subcultura, expressava individualidade, agressividade e rebeldia, mas principalmente a liberdade de expressão e do “poder ser”, ignorando as frequentes críticas sociais quanto ao comportamento. Como uma vertente dessa subcultura, surgiu o “punk niilista”, caracterizado pelo sarcasmo, identificado inicialmente pelo slogan “No Future” da música “God Save the Queen” dos Sex Pistols. O niilismo consiste de uma filosofia radical, que defende a visão cética quanto à princípios políticos, religiosos e sociais. No punk, o niilismo era expressado pelo aspecto autodestrutivo. Mas o que o traz de volta?”

Não sabemos, mas uma lição que tiramos de tudo isso é o olhar que apresentamos para a fusão que você vai encontrar na sexta edição do Sessões Selo Sesc, com o encontro entre as bandas Rakta (São Paulo) e Deafkids (Rio de Janeiro). Com ambas carreiras emergentes fora do Brasil, circulando por festivais e turnês em EUA e Estados Unidos, os trios formados por Paula Rebellato, Carla Boregas e Mauricio Takara (Rakta) e Douglas Leal, Mariano de Melo e Lucas (Deafkids) colecionam rótulos que vão do reducionista pós-punk ao metal experimental dentre uma miríade de formações, parcerias, colaborações e discos lançados ao longo de suas trajetórias. E se o que está em jogo aqui é definir o que você vai escutar, de certo será uma experiência sonora e que deve ser vivida ao vivo. Sim, além de ouvir o registro, é imprescindível comungar dessa experiência com ouvidos e olhos fixos no palco.

Em entrevista ao jornal The Guardian, Mariano, baterista do Deafkids, ao ser questionado sobre os anacronismos políticos do punk em meio a ascensão da extrema-direita no mundo foi categórico: “Não estamos interessados em cultivar o niilismo ... em cultivar crises", diz ele, explicando que a filosofia de Deafkids não está enraizada na oposição. "Estamos mais interessados em pensar em outras maneiras de dizer sim, outras coisas e outras práticas a abraçar e outras ideias a espalhar."

As formas que encontraram para fazer isso, na prática, é trazer de volta justamente a comunalidade, um espaço onde residem as relações mais profundas que a música tem com o corpo. E se as bandas não são capazes de curar as feridas causadas pelo capitalismo, elas usam da liberdade artística para poder aliviar parte da ansiedade e angústia que surgem na sociedade através de suas performances. Carla, baixista do Rakta, afirma que através dessas performances a banda cria “zonas temporárias da realidade” com o público, uma espécie de ilha de som em um mar de opressão, onde “as pessoas acabam encontrando um pouco de conforto e se sentem acolhidas e integradas.”

Ainda que os rótulos permaneçam em primeiras impressões, não há muito espaço para raciocinar sobre o que você vai escutar, o que vale aqui um pouco é o instinto. A construção de paisagens sonoras, frutos da manipulação de efeitos, com a voz, em looping, com a percussão reagindo ao ritmo (que muitos podem afirmar de maneira displicente ser tribal ou mesmo jogar um “afro-latino-indiano” ali), a dimensão de instrumentos eletrônicos, timbres… Todas essas experiências acumuladas trouxeram um dinamismo que as bandas só conseguiram assim, juntas, no palco. Eles bebendo desse movimento constante lá no palco e a gente aqui, no corre, batendo a foto e registrando esse momento intangível antes que ele escape pelas mãos. Essa talvez seja a grande sacada. 

E vale ainda um alento, se o “punk”, seja lá como ele ainda se apresente, ainda traz esse vigor de rebeldia e ao mesmo tempo seja capaz de construir laços que outras cenas não conseguiram construir, que esse disco sirva ao menos para explodir a cabeça de quem escute.

Ouça Sessões Selo Sesc #6: Rakta + Deakids nas plataformas digitais.

Gravado em 2 de julho de 2019 no Sesc Pompeia por Audiomobile

Técnico de PA: Pedro Silva
Produção: Mateus Mondini (Nada Nada Discos)
Roadie: Juninho
Captação - Audiomobile: André Sangiacomo, Fernando Ferrari e Lucas Silva
Mixado e Masterizado por Renato Copolli no AudioFreaks!
Edição, Mixagem e masterização: Renato Coppoli
Assessoria de Imprensa: Guilherme Zambonini
Produção gráfica: Alexandre Calderero
Produção executiva: Raul Lorenzeti
Imagens: Renan Abreu, Alexandre Calderero, Rafaela Zavisch e Flavio Vogtmannsberger
Edição e finalização: Renan Abreu