Audiotour: tenho um convite pra te fazer…

30/05/2020

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Relato escrito por Ronaldo Domingues, editor web do Sesc Campo Limpo, após escutar o Audiotour: sobre isso que eu queria te falar

O grande barato de viajar é que nenhuma viagem é igual a outra. Não importa a quantos lugares você já foi ou a distância em quilômetros que tenha percorrido; se foi uma longa peregrinação ou um passeio até a cidade vizinha num trajeto explorado em um só dia. Você pode voltar dez vezes ao mesmo lugar, mas sempre vai surgir aquela situação inusitada, uma imagem inesquecível ou um momento de encanto que trazem aquele sabor especial e único. São os detalhes que nos fazem pessoas singulares e assim também são as viagens com suas infinitas possibilidades.

Quando me chamaram para esta experiência, me senti como um dos personagem de Jostein Gaarder, que vive sua vida simples e de repente algum acontecimento dá um start, criando um movimento. De uma hora pra outra, estava recebendo mensagens de texto, telefonemas e e-mails com algumas instruções e sugestões. Era um convite. Não foi com essas palavras, mas faço uso da licença poética para escrever a forma como meus ouvidos preferiram ouvir: “Ronaldo, tenho um convite pra te fazer… Tá a fim de viajar?” / “Mas é uma viagem diferente. Eu já fiz essa trilha e você vai ter que fazer esse caminho sozinho.” /  “Espero que seja divertido pra você!”

Tomado pelo desafio e curiosidade, aceitei a proposta e embarquei nessa jornada. Mas antes de contar o que se passou a partir daí, tenho algo a confessar – e assim o faço para estabelecer desde já, uma relação de cumplicidade com você que está lendo este texto. Confesso que não iniciei o percurso logo que recebi este audiotour. Não por desinteresse, muito pelo contrário, mas a verdade é que acredito que viajar tem toda uma preparação e eu não queria perder o impacto da primeira impressão, aquele olhar estrangeiro, sabe? Queria ser surpreendido e que fosse realmente encantador, como acontece quando encontramos algo inspirador, apreciado pela primeira vez.

Foi a decisão mais acertada. A espera foi alimentando meu desejo, criando expectativas, gerando dúvidas, incertezas e o frio na barriga só aumentava, assim como acontece no momento em que estamos fazendo as malas, prontos para nos lançarmos ao desconhecido. O que eu encontraria naquele áudio? Para quais lugares aquela viagem poderia me levar?. Minha intuição não estava errada e sugiro que se você tiver interesse por trilhar esse caminho, faça o mesmo: prepare o terreno, deixe a ansiedade te dominar, recheie sua bagagem com dúvidas e bons pensamentos, escolha um momento tranquilo, e – muito importante! – assim como deve ser em toda viagem: esteja aberto/ aberta para sentir a experiência. É  uma viagem solitária, mas você vai perceber que não é a primeira vez que faz isso.

Enquanto enchia a mochila com questionamentos, minha alma já partia para uma viagem no tempo, pro início dos anos 2000. Thais, Marcelo, Juliano e Ronaldo se encontravam para a despedida de Thais, que partiria para sua própria jornada de autoconhecimento em outro país. Foi um encontro despretensioso, para tocar violão e gravar uma fita cassete para guardarmos como lembrança da nossa amizade, marcada por bons momentos dividindo artes e vagas filosofias sobre a nossa existência. Num determinado instante, tocamos uma música que a Thais havia nos apresentado, composta por seu amigo Fernando, um garoto que devo ter visto apenas uma vez. 

Peguei meu violão, empoeirado pela falta de uso, e comecei a tocar essa mesma música. Agora, parando pra pensar, esse ritual inconsciente é uma constante antes das viagens. Talvez exista uma conexão entre música e a minha ansiedade pré viagem (ou isso é pra disfarçar a árdua tarefa de fazer as malas… Que seja!). Aos poucos as lembranças daquela ocasião pipocaram na minha mente, os acordes simples e a letra saltaram, como se estivessem saindo de uma caixinha guardada no fundo da memória. E foi com o trecho dessa música na cabeça que iniciei o audiotour. (Fernando, peço licença para reproduzir um pedaço de sua composição.) A letra dizia :

“Basta fechar os olhos e começar a viver
Com o poder da mente nós fazemos acontecer
Eu posso criar asas, eu consigo voar
Viajar o mundo inteiro sem sair do lugar.”

“Viajar sem sair do lugar”. Seria coincidência?! Estou tentando me desvencilhar dessa palavra, mas toda a minha existência até aqui tem sido obra do acaso ou melhor, desse magnetismo que nos prende à Terra.

Recebi o audiotour em espanhol e ~ coincidentemente ~ a barreira do idioma me transportou para uma viagem que fiz aqui pelos nossos vizinhos, na América do Sul. Consigo ouvir claramente a voz da garota anunciando a venda de passagens na rua, enquanto eu aguardava o ônibus dentro da improvisada agência em Uyuni. Ela variava a entonação como uma cantora de ópera, dizendo: “La Páááz … La Pââz”. Essa lembrança não sai da minha cabeça, pois assim como agora, foi um momento de incerteza, provocado por um desvio no planejamento da viagem (ah! a neve é linda, mas às vezes ela fecha fronteiras…).

A noite fria se anunciava, o medo e a dúvida me dominavam e eu tive que tomar uma decisão rapidamente. Optei pelo mistério, seguindo em direção a um lugar que não estava no planejamento e não tinha aparecido em nenhuma das minhas pesquisas. Podia ter dado muito errado! Essa angústia foi compartilhada com um cachorro de rua que entrou na agência. Eu estava sentado, ele se aproximou, encostou a pata e apoiou a cabeça sobre minha perna. Sempre me arrepio ao lembrar daquele olhar, como se ele me dissesse “Fique tranquilo. Vai dar tudo certo!”. Desejei o mesmo a ele, acariciando sua cabeça ( espero que ele tenha entendido).

Aquele movimento trouxe uma calma, que só foi quebrada quando o ônibus chegou, deixando evidente que se tratava de um equipamento com várias décadas de uso, e que já deveria ter sido aposentado. Mas foi nesse momento que conheci o verdadeiro sentido da frase “se perder é se achar”. Foi dentro daquele ônibus, de qualidade duvidosa, rodando por uma estrada sem iluminação, numa noite fria que, através da fresta da janela, eu pude contemplar o céu estrelado mais bonito que já vi em toda a minha vida. E ali encontrei algumas respostas que não tinha encontrado durante toda a viagem.

Situações como essas me fazem questionar “O que a gente procura quando vai viajar?” Às vezes vamos tão longe para encontrar respostas que sempre estiveram dentro de nós. O caminho tem esse poder: nos obriga a refletir sobre quem realmente somos. A experiência com o audiotour talvez tenha sido a mais longa e difícil das travessias que já fiz. Foi importante reencontrar com minhas memórias, recordar experiências, me ver refletido tal como sou, sem nenhum prisma pra me enganar, contemplando a minha própria história que se mistura com a do lugar que me abriga, marcado pelas rachaduras e marcas do tempo que são únicas e ninguém será capaz de compreender. 

Os momentos vão passando pelos nossos olhos, a vida escapa por entre os dedos e não nos damos conta do quanto a gente viveu. Tantas histórias foram escritas e quantas estão prontas para serem vividas! A vida é um filme de viagem, de vitórias e derrotas gloriosas… É um road movie que acelera, pausa e nos provoca a observar qual é esse lugar em que nos encontramos. 

A você que me acompanhou até aqui por essa jornada e se motivou a seguir o mesmo trajeto, desejo que o faça com tranquilidade e sem amarras. Nesse momento de isolamento, em que nos deparamos com a sensação de aprisionamento, essa experiência é um convite à liberdade, pois nada é capaz de prender uma mente livre. 

Aproveite a viagem!

audiotour: sobre isso que eu queria te falar faz parte da programação Semana Virtual de Turismo para Todos, Solidário e Sustentável, iniciativa da ISTO/OITS, que abrange uma série de atividades que convidam a pensar o momento atual do turismo no mundo. 

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