Margens de 22: Presenças Populares

24/10/2022

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A fruta só dá no seu tempo.

Yalorixá Stella de Oxóssi

Entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922, o Teatro Municipal de São Paulo sediou a Semana de Arte Moderna. A programação cultural ofertada na ocasião era diferente de tudo o que havia sido até então apresentado naquele espaço. No saguão do teatro aconteceu uma exposição de artes plásticas que, juntamente com o restante da programação, que incluía música e literatura, incomodou o público visitante. Estavam ali reunidas obras que se propunham a romper com os padrões estéticos vigentes à época e inaugurar uma arte genuinamente brasileira.

Apesar de moderna, a Semana de 22 não exibiu peças de teatro, obras fotográficas e cinematográficas e não abarcou a música popular – linguagens artísticas que ficaram às margens do evento. Mais do que isso, hoje podemos afirmar que ali estava representada apenas uma parte do ambiente urbano e cultural que culminou naquilo que hoje conhecemos como modernidade. Do lado de fora do Municipal, mulheres, homens, crianças, trabalhadores urbanos, famílias, cordões carnavalescos e irmandades se ocupavam, naquele momento, de viver de modo digno numa cidade em plena transformação. O evento refletia, de certa forma, o ambiente de desigualdades e segregação que se seguiu à abolição da escravidão em São Paulo.

Essa dupla marginalização – a das linguagens artísticas e tecnológicas e a do público, alheio ao que ali se passava – inspira a exposição Margens de 22: presenças populares. Nela, acionamos materiais históricos e obras atuais de forma a reconstruir, de maneira mais ampla e inclusiva, o ambiente urbano e cultural que culminou naquilo que hoje conhecemos como modernidade. Não é à toa que a exposição destaca as presenças. Desejamos privilegiar, na noção de margem, o sentido de dar lugar, de criar espaço. Em outras palavras, a exposição aposta em dar a ver a presença popular e suas manifestações.

Margens de 22: presenças populares oferece imagens documentais e artísticas cujo tema é, direta ou indiretamente, a população negra em suas relações com o espaço construído e com outras comunidades urbanas. Destaca, além disso, a multiplicidade de autores negros que individual ou coletivamente nos legaram imagens, textos e músicas que dão conta da diversidade de percepções e vivências que compõem a vida coletiva na capital paulista.

No ano em que se celebra o centenário Semana de 22, revisitá-la nos permite ver, com otimismo, um presente culturalmente mais diverso que o passado – o que nos convida a projetar futuros mais abundantes. Esperamos com esta exposição dar margem a falatórios, visibilidades e consciências sobre quem fomos, quem somos e para onde vamos.

Por Alexandre Araujo Bispo, Joice Berth e Tadeu Kaçula, curadores da exposição Margens de 22: presenças populares.

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