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Oito dias na Quarta Parada

Foto: André Douek
Foto: André Douek

RAIO–X: André Douek. Nascido no Cairo (Egito), em 1954, veio para o Brasil ainda criança. Trabalhou como fotojornalista no jornal O Estado de S. Paulo (1985-1990), deu aula de fotografia em diversas instituições de ensino superior e foi chefe de seção técnica na Secretaria Municipal de Cultura (2006-2015). Desde 1996, organiza saídas fotográficas para documentar locais e eventos interessantes da cidade de São Paulo.

O presente ensaio foi realizado no pequeno triângulo delimitado pelas avenidas Alcântara Machado, Salim Farah Maluf e rua Siqueira Bueno, conhecido como Quarta Parada. Em oito dias de imersão pelo bairro, foi ganhando forma aos poucos. O diário de campo, abaixo, ilustra brevemente o desenrolar desse processo. Terça-feira, 22 de março. Sem fotografar, passo o dia percorrendo o bairro para conhecer o local e as pessoas, e também para que elas me conheçam. Chama a atenção a quantidade de estabelecimentos fechados, mesmo em horário comercial. Quarta-feira, 23 de março. Arrisco as primeiras imagens. No início da tarde, sou apresentado a dois sapateiros, pai e filho, que preferem não ser fotografados. A câmera os incomoda. O bairro ainda é estranho para mim; eu ainda sou estranho para o bairro. Quinta-feira, 24 de março. Sou apresentado à Tereza, costureira muito conhecida na região. É Quinta-feira Santa e Tereza vai à missa. Peço permissão para fotografar, mas só o padre pode responder. Caminhamos até a igreja, e a autorização é concedida. Às 17h, missa em latim. Às 20h, missa em português. Ao final das rezas, sou convidado para jantar na casa de seus amigos. Já passa da meia noite quando terminamos e penso em chamar um taxi, mas os anfitriões fazem questão de me acompanhar até em casa, a dez quilômetros dali. Sexta-feira, 25 de março. É Sexta feira Santa. Os moradores do bairro estão reunidos na Igreja para as comemorações: às 15h, Adoração da Cruz; às 19h, Procissão. Sábado, 26 de março. O sábado confere outro aspecto às ruas do bairro. Acompanho o percurso de Tereza à feira livre, perto de sua casa. Comemorações da semana santa continuam, às 20h, com a Vigília Pascal. Domingo, 27 de março. Tiro o dia para fazer uma primeira avaliação do material. Há muitas fotos, principalmente das ruas, calçadas e igreja. Mas uma questão sempre volta: por trás das dinâmicas sociais que produzem o espaço urbano, há pessoas. Quem são esses sujeitos? É preciso entrar nas lojas, bares e pequenos comércios que compõem o cenário do bairro. Segunda-feira, 28 de março. Algo mudou. Muita gente, agora, me reconhece quando passo em frente às suas casas ou estabelecimentos comerciais. Portas se abrem. Começo a fazer retratos. Um farmacêutico. Uma jornaleira. Uma doceira. Um casal de comerciantes de material de papelaria. Um vendedor de carros. Um ferreiro. Uma funcionária de bazar. Um casal dono de bar. Um cabelereiro. Um borracheiro. Um jornaleiro. Uma florista. Uma artista plástica. Um comerciante de produtos usados. Terça-feira, 29 de março. Após as festividades da Páscoa, Tereza retorna à máquina de costura. Faço o retrato em sua mesa de trabalho. Quarta-feira, 30 de março. Diante da porta espelhada, reconheço-me, também, como personagem deste ensaio. Nas fotografias deste ensaio, aparecem: Sr. Agostinho, da Borracharia; Sra. Francisca e Sr. Agostinho, do Bar; Sr. Francisco, das Ferragens; Sra. Masako e Sr. Shigueite, da Doceria; Sr. Alderico, da Sapataria; Sr. Odair, comerciante; e Sra. Tereza, costureira. Ao meu pedido “como você gostaria de ser fotografado?”, eles ofereceram a pose. A todos, o meu agradecimento.