Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

Te vendo um cachorro

Cristina Fongaro Peres (1)

Te vendo um cachorro

Idioma: Português
Editora: Companhia das Letras, 2015
Assunto: Romance
Autor: Juan Pablo Villalobos. Nasceu em 1973, no México, e atualmente vive em Barcelona. Depois dos aclamados Festa no covil e Se vivêssemos em um lugar normal, Te vendo um cachorro completa sua trilogia sobre o México.

A vida no México, como aqui, não é mole! Como conciliar necessidades de subsistência e de existência? Como lidar com “o outro, esse desconhecido”? O que fazer com revoltas, solidão e desejos? Há de se encontrar maneiras de viver consigo e com o outro – se é inevitável, que seja no mínimo interessante! O cenário principal de Te vendo um cachorro, romance de Juan Pablo Villalobos, é um edifício que se assemelha a uma moradia social de idosos, localizado num bairro qualquer da Cidade do México. Saberes acumulados, gostos diferentes, a emergência da vida e a iminência da morte, valores algo sólidos, algo insólitos estão presentes nesse contexto.

A narrativa desenvolve-se como um trançado entre passado, presente e futuro a partir da ótica de Téo, homem de 78 anos que passa a integrar essa comunidade de anciãos.De algum modo o escritor joga com isso e constrói  a história do protagonista, ao lado e outras personagens, valorizando suas memórias, seus dilemas e seus anseios. A estrutura do ser é apresentada como resultado do enlace dos tempos. Assim, Téo poderia ter sido pintor, escritor, professor de literatura, ativista político ou crítico de qualquer arte “maior”. Quando jovem seguiu a vocação do pai, contrariou a mãe e buscou a melhor escola de arte, tendo esbarrado em gente como o pintor mexicano Diego Rivera, para quem sua musa adolescente posava. Não foi às vias de fato com ela, nem com sua formação artística. Acabou por herdar de seu tio uma banca de tacos num ponto ótimo da cidade e seguiu, entre uma crise familiar e outra, negociando cachorros como matéria-prima para o recheio do prato mais popular do país.Como lidar com as conquistas e com os fracassos na velhice? Como as memórias de conquistas e fracassos podem alimentar ou assombrar o tempo presente e o tempo futuro? À medida que a narrativa vai se ampliando e outras personagens surgem, questões como sexualidade, ideologias, ética vão sendo postas como temas comuns a todos, dramas que acompanham cada indivíduo ao longo da vida, sem distinção de idade, mas com singularidades. E é com muito humor que a história se desenrola e toca em assuntos delicados, como rupturas e finitude. Eles são explorados de forma hilária a partir de dois elementos presentes todo o tempo: os cachorros e as cervejas. Os cachorros, em geral, estão envolvidos em tragicomédias, como o caso da morte do primeiro cão de sua mãe. Em seu cadáver ela encontra, enrolada em suas vísceras, a prova que faltava para mandar o marido embora: uma meia de náilon da amante. O corpo do bicho logo é negociado numa banca de tacos. As cervejas, companheiras obrigatórias e fiéis, levam-no a calcular sua finitude: quanto pode gastar mensalmente com cervejas (além de destilados, alguns livros e necessidades básicas) para garantir que sua reserva financeira dure mais ou menos oito anos? Cálculo furado diariamente, por beber demais e perder a conta. E aí outra encruzilhada: qual escolha fazer frente aos prazeres, às manias, às rotinas, quando o tempo futuro é tão menor que o tempo da memória? Os prazeres, as manias e a intensidade das relações vão se revelando ao longo do romance, à medida que as personagens são apresentadas. É o caso da amizade com o jovem revolucionário e também amigo, que utiliza seus conhecimentos de guerrilha para ajudar o velho protagonista em suas aventuras cotidianas. Ou cada um dos vizinhos anciãos e suas características peculiares, fiéis participantes da tertúlia, atividade cultural de maior prestígio entre os condôminos. Mas o destaque fica para a coordenadora da tertúlia, também síndica do prédio, a quem Téo diariamente atormenta com suas investidas “imorais” (seja lá o que isso queira dizer) e por quem se sente atraído. Ela, de perfil tirânico, não desiste da ideia de que ele é um escritor e que escreve um romance. Ao longo surge um jogo amoroso um tanto hostil, que os move e que alimenta uma guerra diária, dando um bom tempero à leitura. Juan Pablo Villalobos fala de público e privado, brinca com o imponderável nesses dois campos e surpreende pela habilidade com que traz tragédias e comédias cotidianas, alternando revolta e conformismo para falar de um México muito similar ao Brasil e de pessoas comuns e encantadoras, quase reais.

 

(1) Assistente técnica da Gerência de Educação para Sustentabilidade e Cidadania