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Andorinhas, Xingu e o Agronegócio.

A presença de algumas espécies de insetos, plantas e pássaros podem ser considerados indicadores de qualidade ambiental. É partir dessa abordagem que o filme “Para onde foram as Andorinhas?” retrata a vida de comunidades do Xingu e como a exploração descontrolada do agronegócio está prejudicando o ambiente e as pessoas da região. 

Conversamos com Mari Corrêa, cineasta, fundadora do Instituto Catitu e diretora do filme. Veja abaixo.


Fale um pouco sobre a sua carreira.

Mari Corrêa: Iniciei meu trabalho audiovisual com comunidades indígenas em 1992, no Parque Indígena do Xingu, onde dirigi meu primeiro filme “Xingu, o Corpo e os Espíritos, premiado no festival criado por Jean Rouch – o “Bilan du Film Ethnographique”.

Naquele momento eu sonhava em desenvolver com os índios do Xingu o mesmo tipo de trabalho que eu fazia nos Ateliers Varan, na França, onde eu tinha me formado e, desde então, participava como instrutora. A descoberta da linguagem cinematográfica, de forma intimista e artesanal, foi uma experiência intensa, uma verdadeira imersão no filme documentário, que produziu uma mudança radical na minha forma de ver e querer fazer filmes. O conceito e o método de aprendizagem dos Ateliers Varan colocaram-me diante de um leque de questões éticas, políticas e filosóficas que iam muito além do manuseio do equipamento. Lá eu descobri que fazer filmes é pôr-se em risco, é estar aberta ao real e ao imprevisível, se despindo de ideias preconcebidas. 

A experiência de participar como instrutora de uma oficina Varan com jovens Kanak, povo tradicional da Nova Caledônia, num contexto de forte discriminação  e preconceito histórico, foi fundamental para as minhas escolhas futuras. O processo de realização dos filmes conseguiu erguer a autoestima das pessoas envolvidas e abriu um canal de diálogo entre gerações, estimulando o interesse dos jovens kanak por sua própria cultura e aproximando-os dos mais velhos, detentores dos saberes tradicionais. Vi que aquela metodologia poderia ser adaptada ao contexto dos índios que conhecia no Brasil, que também viviam realidades e problemas semelhantes.

Como vocês chegaram a esse tema para o filme? Você pode nos contar um pouco do processo da ideia até a produção e finalização do filme?

Mari Corrêa: Foi a convite do Paulo Junqueira, coordenador do Programa Xingu do ISA, que assumi a direção do filme. A proposta era levar as vozes xinguanas sobre os efeitos nefastos das mudanças climáticas no Xingu para a Conferência do Clima, que aconteceria em Paris no final de 2015. O que me seduziu foi a ideia de captar a percepção dos índios, especialmente dos anciões, sobre as mudanças que vem ocorrendo nos seus modos de vida. Não se tratou portanto de fazer um filme “informativo”, com especialistas externos, gráficos e números. Na verdade, os grandes especialistas são eles, porque conhecem cada palmo do ambiente em que vivem. Conhecem os hábitos e comportamentos de cada animal, de cada planta, o regime das águas, os indicadores da natureza que regem o tempo e o modo de plantar, colher, caçar, pescar, realizar rituais, em suma, seus modos de viver.

Escolhemos quatro pessoas de diferentes etnias, kawaiweté, waurá e yudja, para serem os portas vozes do que está acontecendo ali. E o que está acontecendo é gravíssimo pois ameaça o futuro das novas gerações. Apesar de trabalhar no Xingu há 23 anos, eu não tinha percebido a que ponto a coisa é preocupante. Vi, ao longo desse tempo, crescer o desmatamento promovido pela agricultura em larga escala no entorno do Parque e os incêndios florestais,  vi também o crescimento dos municípios e senti o aumento do calor. Mas só recentemente vi algumas comunidades comprarem polvilho para seus bejús na cidade, pois suas roças não conseguiram produzir mandioca suficiente para alimentar a população.  Durante as filmagens foi muito impactante ver nas roças as plantas morrendo logo depois de brotar, o desaparecimentos de bichos como as borboletas e o surgimento de pragas.  Eu quis fazer um filme com a narrativa deles, que transmitisse o que sentem e como me fizeram sentir. E eu me senti triste por um bom tempo.

Por que o nome “Para onde foram as andorinhas”?

Mari Corrêa: Tudo está fora do tempo certo, observam eles. O rio está seco quando deveria estar cheio, os ipês não florescem, não se ouve mais as cigarras cantarem avisando a época de plantar, as andorinhas não aparecem no céu anunciando o tempo das chuvas. O título é uma frase extraída de uma fala do Tuim que fica em aberto. Para onde elas foram? E para onde irão os 16 povos indígenas que ali vivem se acabarem as florestas com sua incrível biodiversidade? O que acontecerá se não fizermos nada achando que o problema é só deles?

Quanto tempo vocês levaram para produzir o filme?

Mari Corrêa: Começamos as filmagens em agosto de 2015, com uma equipe de apenas três pessoas,  assessorada pela equipe do ISA que trabalha com esse tema. Foi uma ótima parceria, todos com bastante experiência de Xingu e muito envolvidos com o tema. Em setembro voltamos a filmar porque estavam acontecendo vários incêndios florestais. Acompanhamos os índios, mulheres e homens, combatendo o fogo durante dias. 

Depois convidamos três indígenas para  traduzir os depoimentos nas línguas faladas pelos waurá, kawaiweté e yudja. A trilha sonora foi composta por um músico muito talentoso, o Yuri Queiroga, executada pela banda Rivotrill. A edição começou na sede do Instituto Catitu em São Paulo com o Paulo Junqueira. Trabalhamos juntos no roteiro e fizemos algumas sessões para discutir o filme com o André Vilas Boas e o Márcio Santili, dirigentes do ISA, que estão na origem  do projeto. Terminei a edição em Paris, no final de novembro, na véspera da COP. 

Durante o período de realização do filme, quais foram os elementos que mais impressionaram em relação à situação atual de conservação ambiental e a convivência dos povos indígenas com a natureza?

Mari Corrêa: O Mato Grosso é campeão nacional em desmatamento e o Brasil campeão mundial no uso de agrotóxicos. Nesse contexto, o Parque Indígena do Xingu se tornou um oásis de floresta em meio a um desmatamento gigantesco e está sofrendo as consequências do modelo depredatório de agronegócio existente no Brasil. Está confirmado que onde há terra indígena demarcada as florestas estão de pé. Os povos indígenas sabem usar a terra e os recursos naturais sem destruí-los e, no entanto, hoje são eles os mais vulneráveis aos impactos decorrentes das mudanças climáticas, produzidos fora do seu domínio e fora do seu controle.

Para as pessoas que ainda não assistiram ao filme o que elas podem esperar? Para aquelas que já assistiram o que vale a pena propor como forma de ampliar o debate?

Mari Corrêa: Acho que o filme, pela sua narrativa simples e direta, nos toca profundamente. Não podemos ficar insensíveis diante do que vemos e ouvimos dos anciões que temem pelo futuro de seus filhos e netos. Espero que todos sintam o que relatou Fernando Meirelles ao ver o filme: "'Para onde foram as andorinhas?'" é lindo, triste e necessário. O tom do filme torna ainda mais devastadora a realidade, como deveria ser".

Produzimos o filme com a clara intensão de fazê-lo chegar a um público o mais abrangente e diverso possível. Além de estar circulando em festivais e mostras que permitem que seja visto por pessoas de diferentes lugares e horizontes, acabamos de disponibilizá-lo online, gratuitamente. É importante também que o tema chegue às escolas e à televisão. Estamos buscando a melhor forma de fazer isso. Toda colaboração será bem-vinda.

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Os projetos e filmes do Instituto Catitu podem ser vistos  no site institutocatitu.org.br e o canal no Vimeo.

 

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