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Em busca da identidade

Nascer em um corpo estranho, com o qual você não se identifica. Essa é a condição para aquilo que a ciência chama de Transtorno de Identidade de Gênero. Essa é a realidade de uma pessoa transexual. Viver com esse estranhamento identitário impulsiona muitos a procurarem tratamentos e cirurgias que possam aproximar seu corpo à forma física adequada e sua vida ao gênero que de fato se sentem pertencer.

Além do sentimento de inadequação, a rejeição familiar, a discriminação e a exclusão social são circunstâncias inerentes à realidade dos transexuais. “Quando eu era pequeno tinha muita vontade de ter o cabelo comprido. Minha mãe sempre cortava. Aquilo me machucava de certa forma. E ainda doía mais porque ela me levava ao barbeiro.” A atriz Ingrid Leão descreve suas memórias com tristeza. Para ela, as pessoas não têm dimensão sobre o embate que acontece na mente de uma criança ao descobrir o mundo, e a mistura de sentimentos que resultam da dificuldade em reconhecer sua própria imagem. 

“Eu sabia que não iria ter seios, um quadril largo ou pernas torneadas. Sabia que minha voz não seria delicada, mas uma coisa eu sentia que poderia ser minha, o meu cabelo comprido, e sempre me tiravam isso”. Esse pensamento de Ingrid exemplifica o sofrimento psicológico de transexuais, que em geral, começa na infância. “Eu olhava meu corpo no espelho e tinha vergonha, não me identificava, eu não sabia o que eu era porque minha cabeça me dizia algo que meu corpo não falava”, explica.

É durante a adolescência que muitos e muitas transexuais iniciam a maior batalha de suas vidas, quando começam o tratamento hormonal, por vezes sem acompanhamento médico adequado, e travam uma luta contra a própria natureza. Nesse enredo, o clímax de suas histórias acontece com as intervenções cirúrgicas, de próteses de silicone à completa operação de redesignação sexual. “Fui tentar me transformar no que realmente queria ser”, comenta Ingrid quando colocou seios. “Nesse dia, pela primeira vez, olhei no espelho e me senti uma mulher. Foi nesse momento em que a Ingrid nasceu”, revela a atriz.

Aceitar-se é um ponto vital na narrativa de todo transexual, que ainda tem de enfrentar o preconceito e a violência de uma sociedade que os marginaliza. O Brasil, por exemplo, é o país que mais mata transexuais. Só em 2016, foram 347 mortes.

Ingrid, que hoje milita pela causa transexual, sente o peso da intolerância. “Meu corpo já é minha militância. Mato um leão por dia quando abro o portão de casa e me deparo com os olhares, piadas sem graça, assédios e palavras de baixo calão, isso tudo sofro só por estar andando na rua, calada”. A trajetória da atriz virou um documentário dirigido por Maick Hannder. “O filme surgiu da minha necessidade de falar sobre a autoimagem. Por tratar de questões sobre sexualidade e gênero ele acabou ganhando um contexto social, por representar minorias invisíveis. O que para um diretor significa uma responsabilidade a mais. Aprendi muito com todo o processo e fico muito grato pela Ingrid ter confiado em mim para contar sua história”, comenta Hannder. O filme foi vencedor do Prêmio Aquisição SescTV, como melhor filme, no festival Goiânia Mostra Curtas, em 2016.