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Água em perspectiva: distopia ou cidades fluviais?

 

Escassez, desperdício, poluição e alagamentos. Essas e outras mazelas relacionadas à água impõem a necessidade de reflexão profunda sobre o modo de vida humana no planeta. Com a Revolução Industrial diversas cidades se urbanizaram desordenadamente, rios foram transformados em canais de esgoto a céu aberto causando graves problemas à saúde pública.


Convertidos em galerias subterrâneas ou marginalizados por ruas e avenidas, espaços públicos foram entregues aos carros, símbolos da modernidade de outrora. Com a prioridade dada aos automóveis a mobilidade urbana se tornou, em algumas décadas, um dos principais problemas das grandes cidades do mundo.


Projeções indicam que, em 2025, metade da população mundial não terá água potável de qualidade. Apesar de ser um bem comum, primordial para realização da vida no planeta, o acesso a ele é extremamente desigual e afeta, sobretudo, as populações mais vulneráveis.


É fundamental que as questões ambientais sejam discutidas pela sociedade, de forma a esclarecer a necessidade de ação e resolução de problemas que afetam a vida de todos. Nesse sentido, o cinema e a televisão têm um papel importante na disseminação de informações que elevem o meio ambiente ao protagonismo dos debates e conversas cotidianas. Iniciativas como a Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental, que já se encontra na sua 6a edição, revelam uma produção sólida, com obras que oscilam entre prenúncios de um futuro distópico e alternativas, ecologicamente mais justas, de habitar, produzir e consumir.


A urbanização de São Paulo, por exemplo, não pode ser compreendida sem considerar a relação com seus rios, e seu futuro, também não. O média-metragem Entre Rios (2009) recupera aspectos marcantes da história da capital: a fundação da cidade, em 1554, no encontro dos rios Tamanduateí e Anhangabaú; a implantação, no século XIX, de ferrovias nas várzeas para dar suporte à exportação de café e à instalação de indústrias; e a construção de avenidas de fundo de vale, conforme idealizou Prestes Maia. Universalizar o acesso à rede de coleta e tratamento de esgoto, recuperar a qualidade das represas responsáveis pelo abastecimento, fomentar a navegação fluvial e qualificar os espaços públicos do entorno dos rios são ações fundamentais, trazidas pelo documentário, para fazer de São Paulo uma cidade mais saudável e mais humana.


Uma rede de ativistas tem realizado expedições em galerias subterrâneas com objetivo de revelar estas paisagens e territórios ocultos. O documentário Rios Perdidos (Lost rivers, 2012) registra cenas dessas investidas no Canadá e na Europa. Um dos símbolos recentes da mudança de paradigma em relação à presença da água nas cidades foi o destamponamento do rio Cheonggyecheon, em Seul, também retratado pelo filme. Uma via expressa elevada foi demolida dando lugar a um parque urbano. Projetos como esse só são bem-sucedidos com o engajamento da sociedade, nesse sentido, o audiovisual tem um importante papel para apresentar e difundir essas ações.


Outro aspecto central em relação à água é sobre seu domínio. Muitas cidades, como Paris, que tiveram a gestão dos recursos hídricos privatizados, retornaram ao modelo de gestão pública. O aumento da tarifa, sem que melhorias nos serviços fossem oferecidas e denúncias de corrupção foram alguns dos motivos. O filme Quem controla a água? (Water makes money, 2010) problematiza essa dimensão. Questiona-se o fato de os lucros, muitas vezes exorbitantes, não serem revertidos para ampliação e qualificação do sistema, mas sim distribuídos entre os acionistas.


De vota a São Paulo, a série Volume Vivo, dirigida por Caio Ferraz, retratou a pior crise hídrica vivida no estado, em 2014. O filme também suscita a reflexão sobre o modelo de gestão da água vigente. Considerar essas experiências existentes é fundamental para debater a agenda de desestatização de serviços e bens públicos que, nos dias de hoje, está em primeiro plano. O mito de que, independentemente do modelo, a gestão privada é mais eficiente e, portanto, melhor atende aos interesses públicos, precisa ser posto em cheque.


Para que as cidades do futuro sejam mais humanas é fundamental que sejam adotadas medidas estruturantes em relação às formas de ocupar e viver no espaço urbano. As águas, nas suas múltiplas funções, como abastecimento, geração de energia, navegação, lazer e irrigação, devem assumir um papel de protagonismo, para que os filmes no futuro passem a registrar imagens de cidades fluviais.