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Em águas profundas

NO TEATRO OU NO CINEMA, HELENA IGNEZ DÁ VOZ AO PROTAGONISMO FEMININO E TRANSFORMA PROJETOS DE TRABALHO EM PROPOSTAS DE VIDA

 

Seja no palco ou atrás das câmeras, a atriz e diretora que atuou em clássicos do cinema brasileiro, como O Bandido da Luz Vermelha (Rogério Sganzerla,1968), O Padre e a Moça (Joaquim Pedro de Andrade, 1966) e ¿A Mulher de Todos (Rogério Sganzerla, 1969), dispensa o título de musa do cinema marginal. Isso porque ¿Helena Ignez brilha – e muito – por conta própria. Dirigiu Luz nas Trevas A Volta do Bandido da Luz Vermelha ¿(em parceria com Ícaro Martins, 2012), Ralé (2015) e, o mais recente, A Moça do Calendário, exibido na 50ª edição do ¿Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em setembro passado. O lançamento deste último longa-metragem veio, aliás, ¿em um momento auspicioso: Helena vem colhendo elogios com a atuação na peça Tchekhov É um Cogumelo, que esteve em cartaz até 8 de outubro no Sesc Consolação. Sobre esses e outros projetos, a atriz e cineasta baiana conversou com a Revista E.

 

Foto: Leo Lara | Universo Produção


Para ver e ouvir

É legal ser um exemplo. O que quero fazer hoje pelos meus filmes, pela minha presença e pela minha voz é dar força à mulher. Aos 78 anos, passei por coisas inacreditáveis. Não existia protagonismo feminismo, ainda mais [vindo de] uma menina como eu, que se casou aos 18 anos [com o cineasta Glauber Rocha]. Eu podia ter sido destruída por esse casamento e, ainda por cima, não o aceitei e me desquitei. Tudo foi muito difícil e minha força veio daí.

Muita gente se debruça sobre o cinema do Sganzerla [segundo marido da cineasta]. Ele me deu a oportunidade de fazer aqueles filmes, aquelas atuações consideradas as primeiras performances no cinema brasileiro. A Mulher de Todos (1969) inaugurou uma nova forma de atuação.

Ouvindo elogios sobre a minha voz, me disseram: “Você tem uma voz de 20 anos”. Achei um absurdo, porque minha voz traz a experiência de muitos anos... E, é claro, pode ter jovialidade, mas não é a voz de uma pessoa de 20 anos, porque ela traz experiência. Às vezes, [as pessoas] se aproximam da gente sem saber o motivo. Algumas acham que é por juventude, mas eu penso o contrário. Acho que é minha maturidade que as atrai.

Corpo e mente

A imersão em cada trabalho é grande, profunda. É uma coincidência que um projeto de trabalho seja um projeto de vida, porque tanto no cinema quanto no teatro eu me relaciono constantemente com grupos variados, os quais têm em comum a busca pela imersão em seus projetos, uma característica minha também. Não consigo fazer de outra maneira: é uma vida toda dedicada à arte.

Vivo um momento de homenagens a minha carreira, uma época de consagração em que posso escolher meus projetos com bastante delicadeza. Nisso se encaixou a peça Tchekhov É um Cogumelo [que esteve em cartaz no Sesc Consolação], que adorei fazer. Desde os ensaios, vivenciei um sentido muito grande da renovação [da vida] por meio do teatro. A peça foi criada para voz e corpo, com movimentos bastante encaixados e coreografados. Há um trabalho físico. Os ensaios foram maravilhosos e puxados... Eles também fazem parte desse processo de cura que é o teatro.

Longevidade preservada

Minha vida inteira, trabalhei com o movimento. Pratico Tai Chi Chuan há 30 anos. Gostaria de envelhecer com meus movimentos naturais, e normais, feitos com exatidão. A voz também é importante. Sempre cuidei dela. Sempre a exercitei mesmo fora do palco, porque falo muito. A voz é instrumento para repassar meu legado.
Apesar de ter ótima saúde, passei por uma operação delicada neste ano e tive uma excelente recuperação, a qual devo muito ao teatro e ao método de estar absorvida naquele momento [do palco], naquela outra vida e na criação [do espetáculo]. A força primeira que me fez aparecer no mundo, ainda muito jovem, foi a atuação: uma vivência impulsionada pelo corpo. E nada é mais representativo nesse processo do que o teatro.

 

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