Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

Protagonismo Cidadão

Cientista social, professor convidado do curso de Advocacy e Políticas Públicas na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e coordenador de mobilização da rede Minha Sampa, Ricardo Borges Martins pensa e respira ativismo online. Ele percebeu a potência da internet para influenciar a tomada de decisões políticas e de que maneira os meios digitais vêm mobilizando a sociedade civil, principalmente na última década. Para ter uma ideia, somente nos últimos três anos, a Minha Sampa já contabilizou mais de 200 mil apoiadores. Ricardo Borges também é um dos idealizadores da Virada Política, evento que reuniu, em novembro de 2017, coletivos e indivíduos para refletir sobre política. Nesta conversa, ele fala sobre ciberativismo, democracia direta, ações online e offline.

 

 

Ciberativismo

Trata-se de usar as ferramentas que a gente tem para conseguir incidir sobre a política. Trabalho na Minha Sampa, que faz parte do Nossas [organização apartidária e sem fins lucrativos], que funciona como um laboratório de ativismo. A Minha Sampa é uma organização que acompanha as políticas públicas do município; observa a mídia; está em contato com coletivos locais e produz campanhas em defesa de uma São Paulo mais inclusiva, democrática e sustentável. A mobilização mais conhecida da Minha Sampa é a da Paulista Aberta: resultado da nossa primeira campanha, no ano de 2014, em parceria com a organização SampaPé. Conseguimos pressionar a Prefeitura de São Paulo a emitir um decreto que, em 2015, criou o programa Ruas Abertas. O projeto, no qual se encaixa a Avenida Paulista, determina a abertura para pedestres de pelo menos uma rua [para lazer] por região da cidade.  Ou seja, visamos a políticas públicas para uma cidade mais inclusiva e democrática. A gente também se pergunta como usar a tecnologia para voltar a se encontrar. 

Viralizar é preciso

Há uma inteligência estratégica que decide quando apelar para a grande mídia e quando apostar em mídia própria. É preciso um desempenho extraordinário nas mídias alternativas para conseguir afetar esses tomadores de decisão. Do ponto de vista daquele que está no poder público, o que tradicionalmente importa é a grande imprensa, mas quando há uma mobilização forte nas redes sociais e nas ruas, você consegue influenciar muitas decisões políticas. Fizemos, por exemplo, uma mobilização nesse ano chamada “Não tire meu cobertor”. Gravamos um documentário que contava a história de como um decreto da Prefeitura estava alterando a maneira como a guarda civil metropolitana agia na retirada dos pertences de moradores de rua. Ele foi visto por mais de um milhão e meio de pessoas – exemplo de que as redes sociais podem influenciar uma decisão política – e pressionou a gestão a emitir uma portaria que regulamentasse os procedimentos de zeladoria urbana, proibindo expressamente a retirada de pertences.

Clique aqui

Temos uma ferramenta que se chama Bonde, um criador de sites com diversas ferramentas de mobilização. Nela posso criar uma petição – chamamos internamente de “panela de pressão” – e, quando você clica nela e inclui seu nome, ela direciona um e-mail para o tomador de decisão [vereador, deputado etc.]. Dessa forma, ele receberá milhares de emails de diferentes pessoas com uma demanda específica sobre determinada campanha. Ainda nessa mesma plataforma, temos o “telefonaço”. Esse sistema conecta o telefone do apoiador com o telefone do gabinete. Ou seja, em um dia, um vereador pode receber 50 telefonemas por causa de um projeto de lei, algo que ele, definitivamente, não está acostumado a vivenciar.

Bandeiras e ações

Antes de soltar uma mobilização, fazemos uma série de avaliações: Temos braço para tocar isso? Conseguimos mudar isso efetivamente? Mesmo não conseguindo mudar, vale nosso posicionamento diante do que foi colocado? Então, selecionamos nossas batalhas e, naquelas em que podemos vencer, somos pontuais. A não ser quando se trata de um problema gritante cuja mudança não vamos conseguir realizar, mas, ainda assim, chamamos a atenção para ele. Foi o caso da Cracolândia. Fizemos um vídeo que teve 600 mil visualizações – Overdose de Erros –, em que levantamos todas as políticas públicas feitas no mundo para resolver a questão do crack nos centros urbanos.

Democracia direta

Sou defensor da democracia direta. No Brasil, é mais fácil abrir um partido do que propor um projeto de lei como cidadão. Você precisa de quase o triplo de assinaturas para propor algo assim. Lembrando que o Brasil nunca teve um projeto de lei, votado na Câmara dos Deputados, que tenha vindo da população. Exigem-se, até hoje, assinaturas físicas, quando a gente está num mundo digital. Há um aplicativo chamado Mudamos, que coleta assinaturas para projetos de lei. Mais de 600 mil pessoas já fizeram o download desse app. A utopia da democracia direta é a de que conseguiremos, um dia, ser livres de deputados e vereadores. Infelizmente, não acho que isso seja possível porque a política exige representatividade e tempo para projetos e acordos.

Virada Política

A proposta da Virada é chamar pessoas da sociedade civil que trabalham com política e que inovam, a fim de darmos luz a essas iniciativas. Neste ano, o desafio específico foi conseguir criar um espaço de diálogo e tolerância para quem pensa diferente. Queremos fundar o diálogo como resistência, entendendo que a disputa que se dá hoje no Brasil não é entre direita e esquerda, mas sim entre aqueles que estão dispostos a conversar e aqueles que não estão dispostos a conversar. Ser de direita e de esquerda faz parte do jogo. O que não faz parte do jogo é apelar para aquilo que tem acontecido – e aí falo das fake news.

 

Foto: Leila Fugii

 

:: @sescrevistae | facebook, twitter, instagram