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Micropolítica dos Vestíveis

Antes de sair costurando palavras, gostaria de desatar um nó: não sou nenhum especialista ou referência sobre o universo da moda. Nem sequer sei costurar, talvez como a maioria das pessoas. O que nunca me impediu de pregar um botão ou até mesmo criar pequenos objetos com linha e agulha.

Sou um pesquisador da área de Tecnologias e Artes e venho dedicando boa parte da minha curiosidade a conhecer um pouco sobre os muitos assuntos que compõem esta colcha de retalhos: a fabricação digital e o software livre, os hackerismos e o audiovisual, o design, a editoração, a animação, os games, as inovações na cidade, e até mesmo a inclusão e o letramento digital. A costura e os dispositivos tecnológicos vestíveis, também conhecidos como wearables, são parte integrante dessa trama.

E, então, nos vestimos. Não importa agora exatamente como, nem quando, isso começou a acontecer, mas acredito que o objetivo primeiro estava relacionado à proteção do corpo. Seja do frio ou do sol, ou das lutas pela sobrevivência, vestimos para nos proteger. O corpo em primeiro lugar.

Quando a proteção do corpo em relação às intempéries da natureza estava garantida, surgiram as necessidades de ampliar nossas sensibilidades e habilidades. Primeiro com os tacapes e lanças, que imitavam as presas robustas dos carnívoros interessados em nos destroçar. Depois, algum tipo de calçado, auxiliando nas caminhadas e corridas, evitando que um espinho ou pedra no meio do caminho pudesse atrapalhar a trajetória.

Com o passar do tempo, as necessidades foram ficando mais complexas e sofisticadas. Vieram as armaduras, os óculos, os espartilhos, os coletes, as perucas, os relógios, capacetes, chapéus e bonés, os guarda-chuvas, bolsas e mochilas. E, mais recentemente, os pequenos dispositivos inteligentes que passamos a carregar junto ao corpo com o objetivo de melhorar as nossas capacidades. São tecnologias artificiais como aparelhos de audição, marca-passos, celulares e walkmans e ipods, telefones e relógios inteligentes, óculos de realidade aumentada e até mesmo neurossensores.

Cada ser humano foi percebendo suas individualidades e as tecnologias que melhor lhes convinha. Nossos trajes podem representar nosso estado de espírito, nossa identidade e indicar traços de nossa origem, religiosidade e até mesmo nossa posição política. Seja através das cores, dos cortes, das camadas, dos tecidos e materiais ou até mesmo dos adereços. As tecnologias vestíveis podem ajudar a ampliar nossa memória, intensificar nossas habilidades e conexões com o outro. Por que vestir-se exatamente como outros se a vestimenta pode ajudar a apresentar sua personalidade? Por que não se valer desses dispositivos que podem melhorar sua qualidade de vida?

No entanto, apesar do acúmulo de roupas, adereços e outras tecnologias vestíveis apresentados ao longo deste texto, não pretendo aqui incentivar o consumismo. Esqueça o cartão de crédito. Não saia de casa buscando as liquidações do início de ano. Nem corra em busca dos lançamentos conectados das maiores indústrias tecnológicas.

Convido você, que me lê, a visitar e conhecer um dos muitos Espaços de Tecnologias e Artes, espalhados pelas unidades do Sesc em São Paulo. Esses laboratórios híbridos, em que os conceitos dos media labs, fab labs, hacker e tinker spaces e coworkings se encontram, se misturam e se difundem por meio de cursos e oficinas, possibilitam que você aprenda a fazer, entre outras coisas, suas próprias costuras e wearables. É um convite para transformar ideias em protótipos, de acordo com as necessidades do seu corpo e de sua forma de estar no mundo.

 

Rafael Munduruca é formado em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). É assistente na Gerência de Artes Visuais e Tecnologia do Sesc São Paulo.

 

 

 

 

 

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