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Guanabara Canibal expõe extermínio indígena na fundação do Rio de Janeiro

Crédito: Julio Ricardo
Crédito: Julio Ricardo

A peça Guanabara Canibal, que finalizou sua temporada no Sesc 24 de Maio no último dia 18, apresenta um olhar avesso à história oficial sobre a fundação do Rio de Janeiro. Diferente do que está no imaginário popular, o espetáculo demonstra que o aniversário da metrópole carioca, no dia 01 de março, não é uma data célebre, mas de violência contra os povos nativos. A formação da cidade se deu pelo genocídio do povo Tupinambá, da aldeia Karioka, durante a luta dos portugueses pelo domínio do Forte de Villegagnon, travada na Baía de Guanabara em 1560, até então dominada pelos franceses.

A obra tem como objetivo resgatar esse cenário ao confrontar o extermínio indígena com o ufanismo carioca. “O modo como nos relacionamos com a nossa memória coletiva e a nossa história é quase sempre predatório e submisso às versões oficiais”, saliaenta o autor Pedro Kosovski.

Guanabara Canibal começa com três homens, uma criança e uma mulher ouvindo um rádio documentário sobre a fundação do Rio de Janeiro. A locução teatraliza uma batalha épica com tom patriótico, sem mencionar quaisquer violações contra os povos nativos. O ambiente é escuro, com chão de terra batida e tomado por rostos tristes e melancólicos. A mulher logo interrompe o toca-discos e começa a contar à criança o lado não oficial do que estava sendo narrado. Pouco a pouco, os homens começam a incorporar vozes e encenar os conflitos entre invasores e indígenas, até culminar na consagração do canibalismo contra os inimigos, entendido pelos Tupinambás como um ritual espiritual que os conectava aos antepassados.

De acordo com o diretor Marco Nunes, esse foco no massacre da aldeia karioka é importante na formação cidadã na medida em que a educação brasileira, muitas vezes, ensina o aluno a se identificar com o homem branco colonizador. “Aprendi [na escola] que os índios foram um problema, que eles precisaram ser vencidos para que a cidade fosse fundada”, explica.

 

Nunes aponta, ainda, que Guanabara Canibal veio num momento especial do Brasil. Segundo ele, o país enfrenta problemas políticos e sociais que permitem que o povo identifique com mais clareza a divisão histórica entre as classes. “Os não-índios são as camadas superiores que dominam a nação há muito tempo. Todos somos indígenas e continuaremos sendo na visão do explorador”, relaciona.

O espetáculo conta com uma tela transparente onde são projetadas imagens e pequenos textos que contextualizam o público com o momento histórico encenado. Um diferencial da obra é a música ao vivo, que acompanha e dá andamento a toda a apresentação. Essa aposta, segundo o diretor, garante efeitos cênicos e emoções diferenciadas. “Captamos canções gravadas com os ouvidos, já as tocadas na hora atingem todas as partes do corpo, proporcionam à plateia sensações intensas e me dá possibilidades mais amplas de criar encenações”, elucida.

Histórico
Guanabara Canibal, lançada no ano passado, é a terceira peça da trilogia da Aquela Cia. de Teatro sobre aspectos sociais e urbanos da capital fluminense. A primeira foi Cara de Cavalo, em 2012, que conta a história de um homem acusado pelo assassinato de um policial carioca durante a ditadura. Em 2015, foi a vez de Caranguejo Overdrive. A obra conta a volta de um catador de caranguejos ao Rio de Janeiro, após ter participado da Guerra do Paraguai, e expõe a violência estatal higienista dos anos 1870 em prol das reformas urbanísticas da cidade.

Assim, a série de espetáculos é uma linha do tempo ao contrário. Começa no regime militar e termina no período colonial. “Essa organização das épocas é para conseguirmos entender os abusos do estado e as agressões das relações inter-humanas ao longo dos tempos”, afirma Nunes. Segundo ele, poucas pessoas conhecem a extrema violência praticada pelos governos, a Guerra do Paraguai e o massacre que fundou o Rio de Janeiro.
 

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