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Poeta, atriz e slammer, Luiza Romão solta a caneta e o verbo no Sesc Rio Preto

Em “Uma Mulher Não É Um Território”, o público é convidado a intervir numa imagem do livro
Em “Uma Mulher Não É Um Território”, o público é convidado a intervir numa imagem do livro "Sangria"

Poeta, atriz e slammer, Luiza Romão lançou em 2017 de forma independente o livro “Sangria”, obra que revisita a história do Brasil pela ótica de um útero, entendendo como surge o patriarcado no país. O projeto envolveu também uma webserie, com a participação de mulheres de diferentes áreas artísticas.

O Brasil é um país estruturalmente patriarcal. Tem suas raízes no estupro e na lógica mercadológica. No ‘Sangria’, busquei escavar essa genealogia, deflagrando as tantas violências que compõem nossa trajetória”, conta a artista.

Sangria

“Sangria” é formado por 28 poemas, ou seja, 28 dias, como um ciclo menstrual. Na obra, cada poema é acompanhado por uma imagem, resultado de uma parceria com o fotógrafo Sérgio Silva, que criou um ensaio fotográfico com partes do corpo da autora. A poeta costurou cada foto com diferentes materiais, no intuito de performar o silenciamento histórico das mulheres. O prefácio é de Heloisa Buarque de Hollanda.

Uma Mulher não é um Território

Luiza Romão é formada em Artes Cênicas pela Universidade de São Paulo (USP/SP), com habilitação em Direção Teatral, e pela Escola de Artes Dramáticas da Universidade de São Paulo (EAD/USP). É poeta e slammer, com participações em diversos slams (competições de poesia falada) e saraus. Publicou o livro “Coquetel Motolove” (2014) e “Sangria” (2017). Tem poemas publicados em várias coletâneas digitais e impressas. Foi campeã do Slam do 13 e do Slam da Guilhermina e vice-campeã nacional do Slam BR. Produziu mais de 20 vídeo-poemas, incluindo a série “Revide” e a série “Sangria”, que integra o projeto do livro homônimo.

Os slams e saraus foram e são minha casa: onde conheci o spoken word, comecei a escrever, arriscar umas performances”, pontua a poeta. Confira a entrevista na íntegra:

EOnline: Como é ser autora de poesia, um gênero literário que recebe pouca atenção do mercado editorial?
Luiza Romão: Sinceramente, nunca pensei muito nessa dimensão do "mercado editorial". A poesia me aconteceu na borda, fora do mainstream, em espaços de resistência. E com ela também o processo de publicação. Cada vez mais, você tem selos, pequenas editoras e até edições totalmente independentes surgindo. São propostas, tiragens, projetos gráficos fora do padrão, que não dependem mais do aval das graúdas pra existir. E estamos conseguindo formar um público, criar redes de troca e circulação. No meu caso, meus dois livros saíram pelo selo do Burro, que tem um editor super parceiro que é o Daniel Minchoni. Fizemos na guerrilha, com financiamento coletivo pela internet, e hoje, já consegui lançar por boa parte do Brasil - até por países vizinhos (Uruguai e Argentina). Se quero reconhecimento, sustentabilidade etc? Claro! Mas não dá pra ficar na dependência do mercado, não. É criar os meios de produzir e circular seu trabalho: autonomia poética!

    
EOnline: Sua poesia está fortemente relacionada à oralidade. Pode falar um pouco sobre a importância dos saraus e dos slams na sua escrita.
Luiza Romão: Os slams e saraus foram e são minha casa: onde conheci o spoken word, comecei a escrever, arriscar umas performances. Espaço de experimentação e afeto. Pertencimento e desafio. Não esperava "ser poeta", aconteceu conforme frequentava a cena. Por isso, sou tão grata a esses espaços de pulsação artística. Eles estão mudando a cara da poesia urbana, desencastelando o saber, é uma mudança de paradigma mesmo!

EOnline: Como surgiu o livro “Sangria” e o que você buscou com o projeto que envolveu 28 mulheres?
Luiza Romão: O Brasil é um país estruturalmente patriarcal. Tem suas raízes no estupro e na lógica mercadológica. No Sangria, busquei escavar essa genealogia, deflagrando as tantas violências que compõem nossa trajetória. É uma história que não se pode ser narrada sozinha. Em geral, a literatura é uma arte muito particular, do indivíduo consigo mesmo. Mas nesse caso, não dava. Precisava ser um projeto coletivo, plural, com uma multiplicidade de pontos de vistas. Daí surgiu a ideia do filme. Musicamos os poemas e pra cada texto, uma artista foi convidada para performar. No final, tínhamos manas de diferentes partes da cidade, cada uma com uma linguagem diferente. De arrepiar.

EOnline: Qual o papel da arte num momento de tantos retrocessos?
Luiza Romão: Rasgar os papéis todos. Fazer origami com eles. Rasurar. Picotar. Remontar. Quando tentamos funcionalizar a arte, matamos o que ela tem de mais incrível. Que é nos surpreender. Indicar outras possibilidades de mundo. Reinventar linguagens. Disputar narrativas. Num tempo como o nosso, em que a indústria cultural e a grande mídia pasteurizam a sensibilidade, a arte, pra mim, é esse sacode. É palavra em estado de lança.

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Através do estímulo da escrita e compartilhando suas referências, processos artísticos e o desdobramento das possibilidades formais da poesia oral e escrita, Luiza esteve à frente do curso “O Risco da Caneta - Oficina de Produção Poética”, realizado em três encontros sequenciais, em fevereiro de 2018, no Sesc Rio Preto.

A artista também protagonizou a intervenção “Uma Mulher Não É Um Território”, em que o público foi convidado a intervir numa fotografia do livro “Sangria”, costurando, colando e subvertendo-a. Durante a ação, a artista conversou sobre o corpo feminino, suas historicidades e opressões.

(Fotos: Sérgio Silva)

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