Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

A Voz dos Andes

Autodidata e de infância pobre, a compositora Violeta  Parra  foi responsável por fazer a cultura popular chilena ganhar o mundo nos anos 1950

 

Foto: Divulgação


Produção visual e lírica se unificam no legado de Violeta del Carmen Parra Sandoval, compositora e folclorista chilena nascida em 1917, filha de família numerosa e irmã de Nicanor Parra, poeta que morreu em janeiro deste ano. Entre as instruções deixadas pelo autor para o funeral, estava o pedido de que as músicas da irmã fossem cantadas durante sua despedida.

Tanto Nicanor quanto Violeta são símbolos para o Chile, revolucionários com sua arte. Se o poeta se expressava na palavra – era conhecido como antipoeta, um contraste a Pablo Neruda –, Violeta agregava música, cerâmica e bordado. Criadora de muitas facetas, começou a aprender canto aos dez anos. A mãe também lhe ensinou as canções. Da infância se construiu a grande folclorista chilena, a primeira artista hispano-americana a ter uma mostra individual no Museu do Louvre, em Paris, no ano de 1964.

Antes disso, em 1958, Violeta criou o Museu de Arte Folclórica Chilena (Museo Nacional del Arte Folklórico Chileno, Universidad de Concepción). Numa época sem o poder das visualizações e likes dos meios digitais, Violeta fez a cultura chilena viajar. Sua composição Gracias a la Vida (1966) foi cantada pelos argentinos Mercedes Sosa e Fito Páez, pela americana Joan Baez, pelos brasileiros Elis Regina e Milton Nascimento.
Para o jornalista e professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP) Ricardo Alexino Ferreira, a artista ressignificou o conceito de cultura nos anos 1950. “Sua grande característica foi sair mundo afora divulgando a cultura chilena”, diz. Radicou-se em Paris e Genebra com seus filhos, netas e companheiro Gilbert Favre – clarinetista suíço –, uma década depois. Viajou para Inglaterra, Argentina, União Soviética, Itália e Polônia. Em Paris, emplacou exposições, gravou LPs e publicou um livro de poesia.

“O seu foco foi sempre a busca da produção e linguagem populares. Talvez, seja uma das primeiras militantes das artes a ampliar o conceito de cultura local para entender a cultura universal”, afirma Ferreira. “Muito antes do teórico McLuhan [o filósofo Marshall McLuhan é o criador da máxima “O meio é a mensagem”] falar da transformação da própria aldeia em algo global, ela já chamava a atenção para isso, buscando a identidade e, ao mesmo tempo, a unificação cultural da América Latina.”

A voz da liberdade

A partir de Violeta, o papel da mulher também ganha novos significados. A folclorista não viveu a crueldade da ditadura chilena (durante o governo Augusto Pinochet, de 1973 a 1990), pois se suicidou aos 49 anos, em 1967. Contudo, sua música se transformou em hino de liberdade, um canto de peito aberto contra a arbitrariedade dos regimes autoritários latino-americanos. “Nos anos 1960, no movimento da contracultura nos Estados Unidos, a música de Violeta Parra ganhou os americanos revolucionários, sendo interpretada e admirada por artistas”, complementa Ferreira.

De origem camponesa, Violeta aprendeu atividades manuais em casa. Na época o artesanato era ensinado não como hobby, mas como uma necessidade da vida diária. “Ela teve a possibilidade de desenvolver a criatividade porque era algo normal e cultural naquele tempo, e que estava diretamente relacionado ao papel desempenhado pela mulher; nós vivemos um momento em que esse tipo de formação já não faz mais parte do nosso estilo de vida”, contextualiza a escritora, fotógrafa documental e pesquisadora musical Bruna Ramos da Fonte.

A criatividade seguiu marcha e a acompanhou durante a vida adulta, revelando-se em suas composições, bordados e pinturas. “Ela não restringiu os seus conhecimentos ao papel tradicional da mulher na estrutura familiar da época – quando a mulher era criada para ser esposa, mãe e dona de casa –, mas sim utilizou o seu conhecimento artesanal para expressar-se artisticamente”, destaca a pesquisadora.

Foto: Divulgação

Relações íntimas

Violeta gravou seu primeiro disco com a irmã Hilda, em 1948, ano no qual se separou de Luis Cereceda, após dez anos de convivência e dois filhos. Cereceda era ativista político e a levou a se envolver em movimentos políticos e fortalecer seus laços com esses movimentos. O segundo casamento foi com Luis Arce, com quem teve mais dois filhos. Em 1960, ao completar 43 anos, conhece Gilbert Favre, seu último companheiro.
Bancando posturas e aliando seus valores pessoais às criações artísticas, Violeta usou suas experiências e sonhos para incentivar as pessoas a acreditarem no poder da revolução. Bruna Ramos ainda reforça que Violeta conseguiu retratar, por meio da arte, cenas da vida diária e sentimentos universais que dialogam com as pessoas de uma forma muito direta e verdadeira. “Penso que é essa verdade que sustenta a sua arte, é o elemento responsável por manter a sua obra, mesmo 51 anos após a sua morte”, completa.


Cem anos de Violeta

SHOW E CURSO CELEBRAM
CENTENÁRIO DA COMPOSITORA CHILENA
 

No dia 21 de fevereiro, Míriam Miráh (foto) se apresentou no Sesc 24 de Maio em homenagem ao centenário de Violeta Parra, com participação especial de Maetê Gonçalves, integrante do Grupo Tarancón. Já no Centro de Pesquisa e Formação acontece a série de encontros

O Diálogo Artístico de Violeta Parra (até 13 de março), mediados por Bruna Ramos da Fonte, pesquisadora musical que, em 2013, conheceu a neta da compositora, Cristina. “Ela me convidou para passar algum tempo na casa onde viveu Violeta, em Santiago, para que eu pudesse pesquisar mais a fundo a sua obra e a música de protesto chilena. Foi a partir dessa experiência que desenvolvi o trabalho que apresento nos encontros”, relata. Acompanhe as atividades do mês de março no Em Cartaz.

 

@sescrevistae | facebook, twitter, instagram