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Criador de ilusões

Num espetáculo teatral, ator e tablado combinam-se com a cenografia para a construção de uma fantasia capaz de mexer com as emoções do público. Fascinado pela arquitetura cênica e esse universo de meticulosos cálculos, iluminação, acústica, entre outros elementos, o paulista José Carlos Serroni já leva quatro décadas neste ofício. Entre mais de 150 peças realizadas, em Extinção [em cartaz no Sesc Consolação até dia 20/5], ele cria a ilusão de fogo no palco durante a atuação de Denise Stoklos. Premiado cenógrafo, figurinista e arquiteto especializado em espaços teatrais, J.C. Serroni ainda passou pela televisão e pelo cinema. Foi idealizador e coordenador do Espaço Cenográfico, escola que formou mais de 300 aprendizes da área, e publicou livros como Cenografia Brasileira: Notas de um Cenógrafo (Edições Sesc SP, 2013), vencedor do Prêmio Jabuti 2014, na categoria Artes e Fotografia. Nesta conversa, ele fala sobre a paixão pela arte e os bastidores do teatro.

 

 

Nas lonas do circo

Na minha família não tinha ninguém ligado às artes, especialmente teatro. Nunca haviam ido ao teatro. E fiquei pensando de onde será que essa coisa surgiu [para mim]. Fui me dar conta de que na frente da minha casa, dos meus nove aos 12 anos, montavam-se circos. Coisa meio mambembe… E eu vivia lá com eles porque naquele circo-teatro apresentavam peças como O Céu Tem Que Esperar, Escrava Isaura… Eles desfilavam pela rua nos carros. Eu ajudava a costurar a lona, emprestava, escondido, móveis da minha mãe para a peça à noite. Acho que isso acabou criando uma relação muito emocional e forte e acabei gostando de teatro. Sou de São José do Rio Preto, onde vivi até os 19 anos. Lá conheci o teatro amador, que é uma grande referência para quem quer começar na área. Nunca tinha tido nenhum envolvimento com o teatro até meus 17. Comecei pela pintura na adolescência, participei de salões [de arte], e, aos 18, o Vendramini [José Eduardo Vendramini, dramaturgo e diretor] me convidou para pintar uns telões para a peça que estava montando. Fui lá com a cara e com a coragem: eram cinco telões de oito por quatro metros, que retratavam momentos da peça. Ainda acabei fazendo adereços, elementos de cenografia e até atuando no coro da peça. Foi a minha primeira, única e catastrófica atuação no teatro. Mas aquilo foi me envolvendo.

 

A hora da escolha

Não sabia nada de escolas ou de faculdades – a gente, aliás, tem pouquíssimas no Brasil. Eu queria fazer Cenografia. Me falaram para fazer Arquitetura. Em Rio Preto, acabei passando na faculdade de Matemática que era da Universidade de São Paulo (USP), assim que ela abriu. Fiquei apenas um ano e vi que não era aquilo. Mas tinha um grupo de teatro lá muito interessante e acabei me inteirando mais das coisas. Vim para a capital e entrei na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Nunca pensei em ser um arquiteto. Entrei por causa da cenografia. Na FAU começaram a acontecer belas coincidências na minha vida. No primeiro ano, tive aula com Flávio Império, um dos nossos maiores cenógrafos e grande inspirador do meu trabalho até hoje. Acabei fazendo, nesse período da faculdade de Arquitetura, trabalhos no Carnaval, em escolas de samba de Santos e de São Paulo. Também fui para o Rio de Janeiro com a Rosa Magalhães, na época. Acompanhei o trabalho dela lá e, quando eu estava no último ano da faculdade, o Flávio ia orientar meu TCC [Trabalho de Conclusão de Curso], mas acabou sendo dispensado da faculdade. Mandaram-no embora. Houve uma reviravolta dentro da faculdade, que estava formando tudo menos arquitetos e urbanistas. Então, eles fecharam o cerco e pessoas acabaram sendo dispensadas. Só para vocês terem uma ideia, na minha turma tinha o Guilherme Arantes, a Eva Furnari, os irmãos Caruso, Gal Opido… Tudo menos arquitetos e urbanistas.


Fora dos palcos

O Brasil tem pouquíssimas publicações nas áreas de cenografia, figurino e arquitetura teatral. Temos quase nada. Acabei fazendo o livro Cenografia Brasileira – Notas de um Cenógrafo (Edições Sesc, 2013), que ganhou o Prêmio Jabuti; já tinha feito Teatros – Uma Memória do Espaço Cênico do Brasil (Senac, 2002) e Figurinos – Uma Memória dos 50 Anos do Teatro do Sesi (Sesi, 2015). Agora estou preparando outro livro, dessa vez voltado para a cenotécnica. Também sou colaborador da revista Theater and Performance Design, publicação trimestral de artigos ligados à área técnica da cenografia, som, luz e arquitetura, e contribuo com a revista A[L]BERTO, da SP Escola de Teatro. Também criei o Espaço Cenográfico, que funcionou por 18 anos do lado do Teatro de Arena. Era um laboratório de pesquisa, cenografia, iluminação, arquitetura, mas acabei tendo que fechar em 2017 por falta de condições de manter o espaço. Muita gente boa saiu de lá, cenógrafos que hoje estão aí, como Charles Möeller, passaram por lá. Foram mais de 300 aprendizes de cenografia. Nossa biblioteca tinha cerca de cinco mil volumes. Ainda fazíamos o jornal Espaço Cenográfico News, que foi até o número 36.

 

O teatro hoje

É bem complexo. O que os grupos e novos diretores estão buscando é o teatro performativo, algo mais recente. Nele todas as linguagens se relacionam, se imbricam. E o teatro, cada vez mais, começa a querer sair de dentro do teatro para buscar locais alternativos, ocupações, ruas, apropriar-se de espaços. Mas um bom teatro sob o ponto de vista do edifício teatral depende da finalidade para que ele é projetado. Por exemplo, o teatro da palavra e do ator, normalmente, não pode ter dois ou três mil lugares. Ele não funciona adequadamente. No teatro para o ator cabem 400 a 500 lugares no máximo – brincamos que nele as fileiras acompanham as letras do alfabeto. Passou de 24 fileiras, a cena começa se a distanciar muito do público, além de ser necessário usar artifícios como amplificação do som. Já está provado que um olho humano não vê outro olho humano depois de vinte metros. E, no teatro, isso é importante, assim como um sussurro, uma respiração. Então, quando se fala de teatro da palavra, o ideal é que ele aconteça em espaços mais íntimos. O teatro precisa se comunicar com as pessoas e a encenação precisa sentir esse envolvimento.  

 

Foto: Leila Fugii

 

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