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Uma cidade com espaços verdes promove saúde, socialização e bem-estar das crianças, que podem brincar em novos ambientes e se conectar com a natureza


Era uma vez um menino muito sapeca e esperto que tinha um amigo diferente no bairro onde morava: Miguinho, uma árvore baixinha. Esse menino se chamava Zezé e essa história foi publicada com o título de O Meu Pé de Laranja Lima há exatamente meio século. Escrito por José Mauro de Vasconcelos, esse livro – que já teve várias edições – acompanhou a infância de muitos adultos que hoje não conseguem explicar aos mais novos como uma criança pode ser amiga de uma árvore. É que a imaginação, que antes corria solta por jardins, tropeçava em pedregulhos ou subia em galhos, foi digitalizada. Cientes dessa mudança, pais, educadores, médicos e outros profissionais alertam: é preciso que essa nova geração, alheia à diversão e conhecimento fora de computadores e celulares, volte a pisar a terra e a brincar lá fora.

Pioneiro da pediatria integral no Brasil – união entre a medicina convencional e saberes tradicionais, como a acupuntura, a osteopatia e a homeopatia –, Daniel Becker reforça a importância dessa relação com o verde nas cidades. “A natureza afasta a criança do excesso de telas que está fazendo tanto mal, provocando tristeza, depressão e isolamento”, diz. Além disso, complementa o pediatra, “esse contato é um grande remédio contra os principais males da infância: obesidade, hiperatividade, alergias, distúrbios de sono, impulsividade.”

Anos antes da revolução digital, já se falava sobre a importância dessa conexão com a natureza na infância. O que impulsionou, na década de 1950, a criação das primeiras Escolas das Florestas na Dinamarca e em outros países nórdicos. Desde então, esse conceito se popularizou na Europa, Canadá e Estados Unidos: escolas em que o meio ambiente é, ao mesmo tempo, a sala de aula e o professor. Um espaço em que meninas e meninos aprenderão a solucionar problemas, gerenciar riscos, estimular a criatividade e trabalhar em equipe.

Mesmo fora do contexto educacional, “a natureza ainda promove um encontro entre crianças que estão brincando – seja na praia, no parque ou na praça – e que têm idades, origens, níveis sociais e histórias diferentes. Ou seja, essa conexão também é uma forma de desenvolver empatia, algo tão importante hoje no mundo dentro da diversidade humana e cultural das nossas cidades”, observa Becker.

 

 

Pés descalços

Pensando nesse retorno da criança a um ambiente de terra, folhas, formigas e outros protagonistas do jardim, a pedagoga Ana Carol Thomé, que também já trabalhou em Escolas das Florestas na Inglaterra, desenvolve propostas com pais, educadores e crianças em parceria com a socióloga e bióloga Rita Mendonça. Juntas, elas criaram, em 2013, a ação Ser Criança é Natural, em que propõem atividades em diversos municípios de São Paulo, como brincadeiras livres na natureza.

“Muitos pais nos escrevem dizendo que passaram a ir a parques e não levar brinquedos, ou não ir direto para o parquinho. As crianças vivem coletando gravetos, pedras, criando novas brincadeiras”, conta Ana Thomé. Por isso, outro agente importante nesse processo de reaproximação das crianças com a natureza é a própria família. “Falta uma sensibilização para que os adultos sintam essa necessidade. Acessar as memórias é um começo. Pensar nos espaços que fizeram parte da sua infância é uma maneira de elaborar possibilidades para que as crianças de hoje mantenham essa conexão”, aconselha.

Quando os pais também conseguem entender a importância desse vínculo com espaços verdes ao ar livre, além da saúde e do bem-estar dos filhos, outro importante laço se estreita. “Também recebemos mensagens [de pais] dizendo que, quando participam de nossas ações, as famílias sentem estar juntas ‘de verdade’”, acrescenta Ana Thomé.

Direito à natureza nas cidades

 

Seminário, oficinas, cursos e outras atividades ampliam debate sobre espaço urbano

Diante da necessidade de transformar a cidade num espaço em que, desde a infância, promova um contato diário com a natureza e o uso das áreas públicas, arquitetos, ambientalistas e educadores vêm desenvolvendo diversas ações e estratégias. Para refletir sobre esse cenário, o projeto Ideias e Ações para um Novo Tempo deste ano aborda o tema Crianças e Áreas Naturais e realiza, em junho, oficinas, cursos, vivências e outras atividades nas unidades do Sesc São Paulo da capital, interior e litoral.

“Num sentido mais amplo, queremos chamar a atenção para a relação entre criança e natureza e para o princípio de biofilia, que aponta para a existência de um vínculo inato e afetivo com as formas de vida e os elementos que compõem o meio ambiente”, destaca Virginia Chiaravalloti, assistente da Gerência de Educação para Sustentabilidade e Cidadania do Sesc São Paulo. “Também, refletir e valorizar modos de viver o urbano que garantam a existência de espaços mais acolhedores.”

Na programação, nos dias 6 e 7, haverá o Seminário Latino-Americano Criança e Natureza – Cidades mais Verdes, Infâncias Urbanas, no Sesc Interlagos, em parceria com o programa Criança e Natureza do Instituto Alana. Serão dois dias de debate sobre estudos teóricos e práticos a partir de experiências brasileiras, peruanas, chilenas e argentinas. Os programas institucionais do Sesc em São Paulo Educação para Sustentabilidade e Infâncias e Juventudes também serão integrados ao debate e à rede de trocas de saberes no âmbito latino-americano.

“A reconquista da cidade pelas crianças depende de um conjunto de ações coordenadas, no campo da segurança, do urbanismo, das políticas culturais, de esporte e lazer, de iniciativas comunitárias, sobretudo na escala dos bairros e da vizinhança. Estado e sociedade civil organizada devem trabalhar juntos e envolver escolas e pais”, esclarece o arquiteto e urbanista Pedro Fiori Arantes, membro do grupo de pesquisa Cidade, Participação e Educação do Instituto das Cidades da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que integrará o debate Cidade e Participação da Criança, no dia 6.

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“Garantir o brincar ao ar livre faz com que a criança absorva e defenda seu território, aproprie-se do entorno, fomente as relações com seus atores, encontre a oportunidade de diálogo com o diverso”, arremata Rosana Abrunhosa, assistente da Gerência de Estudos e Programas Sociais do Sesc. Confira a programação e saiba mais: sescsp.org.br/ideiaseacoes 

 

 

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