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SP para todos

Flaneur de carteirinha, o jornalista Raul Juste Lores escreve sobre arquitetura e urbanismo há duas décadas. Editor-chefe da revista Veja São Paulo e ex-repórter especial do jornal Folha de S.Paulo, ele lançou, em 2017, o livro São Paulo nas Alturas (Três Estrelas), em que compartilha uma análise sobre a revolução modernista da arquitetura e do mercado imobiliário nos anos 1950 e 1960. A ideia de Lores é propor ao leitor o exercício de olhar a cidade. Para isso, o livro ainda traz fotografias e um guia dos prédios emblemáticos de São Paulo. “Quando a gente projeta mal, ou não presta atenção na arquitetura e no urbanismo, nossa vida como um todo piora. Nesse livro, o que fiz foi ir atrás dos porquês e de quem fez esse esboço de uma São Paulo que podia ser melhor”, explica. Neste encontro, Lores avança no debate, dá bons exemplos urbanísticos e confessa otimismo para as próximas gerações.

 

Pelas ruas que andei

Perguntas me tiravam o sono: por que sempre que recebia um turista estrangeiro, parentes ou amigos, eu os levava, ou eles já me pediam para visitar o Ibirapuera, o Copan, o Conjunto Nacional, a Galeria do Rock, os prédios do Artucho Jurado, o Terraço Itália? É como se São Paulo tivesse parado de construir no início dos anos 1960. Todos esses prédios foram erguidos em uma única década, quando éramos um país muito mais pobre, atrasado, agrário. Literalmente, quando éramos pequenos e não tínhamos dinheiro, fizemos o Copan.

Quando viramos uma supermetrópole, com dinheiro, a gente construiu a Nova Faria Lima, a Berrini, o Parque Cidade Jardim, a “beleza” das marginais Pinheiros e Tietê, e muitos outros exemplos que nos atormentam no dia a dia. Até porque a arquitetura não é uma arte que permite que você mude a estação, feche o livro ou vá embora. A arquitetura persegue, goste você ou não, você acorda cercado por ela. Então, eu não queria falar só de beleza ou lastimar que São Paulo seja feia. Mas a gente paga um preço: quando a gente projeta mal ou não presta atenção na arquitetura e no urbanismo, nossa vida como um todo piora. Nesse livro [São Paulo nas Alturas], o que fiz foi ir atrás dos porquês e de quem fez esse esboço de uma São Paulo que podia ser melhor.

 

Prédios vivos

O Copan é uma tripinha, num terreno não muito grande, sem recuos. Ele ocupa todos os metros quadrados do terreno, são 1.160 apartamentos de diversos tamanhos: para quem pode pagar 29 metros quadrados ou 230 metros quadrados. O prédio tem uma galeria no térreo com 70 lojas, de videolocadora a restaurante. A vida ali é diferente. Passem por lá às dez e meia da noite e vejam que é surpreendente um prédio daquele tamanho e daquela idade estar vivo nesse horário. Agora, olhem o que a gente fez depois do Copan, como se ele nunca tivesse existido. A pesquisa do meu livro mostra, de alguma maneira, por que esses prédios tão antigos, essas “velharias” tiveram uma segunda, uma terceira, uma quarta vida e por que hoje se valorizam.

O Copan teve seus anos de cortiço, anos de crise, mas virou um endereço cool. O mesmo aconteceu com a Galeria Metrópole – o Artacho Jurado, que era o cúmulo da cafonice, hoje é disputado por publicitários, povo da moda e afins. Então, é um desafio que lanço pelo livro: de que a gente preste atenção nesse patrimônio construído.

 

 

Vida urbana

Uma sociedade com menos carros, casas privadas, mais gente morando de aluguel, em apartamentos pequenos, menos garagens, menos estacionamento, mais gente na rua, é uma cidade, de cara, mais segura.

Eu me sinto mais inseguro numa rua onde nada está aberto e tudo está escuro do que nos lugares onde as pessoas bebem cerveja na calçada. A cidade fica mais segura e é um círculo virtuoso: você começa a voltar para casa a pé quando você não tem medo, ou quando tem gente na calçada, daí minha crítica aos shoppings. Se o shopping suga a vida das pessoas para um lugar fechado, você está extraindo vida que poderia estar na rua, na praça. Mas sou otimista: acho que essa vida da família nuclear que morava no condomínio fechado, que ia da casa para o trabalho e que vivia em moradias iguais criou uma cidade muito mais monótona. Enquanto bairros com muitos problemas em São Paulo são vibrantes e são vivos.

 

Daqui pra frente

Quando a Paulista foi fechada [para os carros] aos domingos, havia essa ideia de que as pessoas não iriam, que isso iria prejudicar os hospitais, que ia ser uma bagunça etc. Mas, mesmo com as poucas oportunidades que a cidade dá, o convívio acontece. As pessoas são muito mais carentes do que a gente imagina de utilizar espaços públicos. Independentemente de em que prédio ou rua você mora, a cidade melhora muito quando a gente valoriza o que é bem-feito e quando a gente critica. Essa São Paulo para carro, shopping, condomínio fechado e afins terá um enorme desafio para conseguir manter o seu público, os seus moradores e os filhos de seus moradores. O caminho é bastante otimista e o paulistano está mostrando isso no seu dia a dia. No domingo na Paulista, nos parques, nos barzinhos e andando mais, com menos carros, pedalando mais. Arquitetura e urbanismo vão ser favorecidos por essa nova juventude que gosta de andar na rua. O São Paulo nas Alturas é um livro que fala dos anos 1950, mas acho que basta ler a obra para perceber que eu queria falar da São Paulo de hoje. Não é apenas uma nostalgia afetiva, mas é fazer a gente pensar na cidade de hoje e na cidade de amanhã, desde que a gente aprenda a construir e aprenda a pensar mais a importância do urbanismo e do espaço público.

 

 

 

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