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‘O rock continua firme e forte!’

Foto: Divulgação
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O músico Milton Medusa escolheu o instrumento essencial do rock para dedicar-se dia e noite. Dedos e cordas se tornaram amigos inseparáveis, tal qual Iggy Pop e David Bowie, Eric Clapton e George Harrison, e por aí vai. A guitarra é o principal tema da entrevista que ele concedeu à equipe de comunicação do Sesc Birigui.

O líder do Medusa Trio, que acaba de lançar um disco em comemoração aos seus 10 anos de trajetória, falou ainda sobre as nuances de sua carreira, o interesse dos jovens pelo rock e as mudanças ocorridas no gênero ao longo dos anos, o cenário do rock’n’roll em Santos (sua cidade natal) e no mundo, entre outros assuntos. O músico e seu grupo estão entre as atrações do Pandemia Rock 2018, do Sesc Birigui.

Confira a entrevista:

Seu trio tem 10 anos de estrada. Fazendo uma autoavaliação e uma comparação, o que mudou e o que se mantêm em seu projeto, desde quando começou até agora?

Milton Medusa - O Medusa Trio não foi um projeto planejado, pois eu tinha uma banda de hard rock, V2, e já participava de festivais instrumentais. Tinha uma música própria instrumental lançada numa coletânea que me deu boa visibilidade, mas daí o SESC Santos me convidou para uma temporada de happy hour e foi aí que elaborei a primeira seleção de repertório para o trio. Incluí o que gostava de tocar dentro da proposta de ter blues, rock’n’roll, progressivo, pop e MPB, dentro da linguagem de um guitarrista roqueiro. Aos poucos, fui acrescentando mais músicas próprias calcadas no blues rock, somado ao repertório de Eric Clapton, The Beatles, The Rolling Stones, Jeff Beck, 14 Bis, Lô Borges e Rita Lee, entre outros, e isso mudou pouca coisa nesse tempo todo. Fizemos muitos shows a partir do pedido de contratantes, mas com o lançamento do nosso CD “Medusa Trio 10 Anos!” está sendo possível passar uma ideia mais clara da nossa personalidade musical, não se restringindo apenas ao blues rock do início de carreira, que na verdade já demonstrava uma fusão de estilos, como o fusion, progressivo, Clube da Esquina e hard rock, que se evidenciou nas músicas mais recentes. Não dá para definir que o disco é somente de rock ou blues, pois tem essa gama toda de influências. Posso dizer que uma mudança foi a natural evolução musical e entrosamento entre nós, mesmo com a troca de baixistas, pois somente eu e o Luis Pagoto, baterista, continuamos desde o início.

Nesta década que passou, como você avalia o percurso do rock, de forma geral, no Brasil e no mundo também? Você citaria alguma banda que ser revelou recentemente e que considera promissora?

M.M. - O rock continua firme e forte, graças a Deus! O que mudou foi a indústria fonográfica no formato tradicional, foi o fim de uma era, pois hoje o próprio artista se lança e o acesso ao material produzido é muitíssimo mais acessível. No Brasil, ainda agimos de forma provinciana, pois os artistas estrangeiros lotam estádios e casas noturnas, mas os nacionais ficam relegados a essa exposição maior, pois os empresários dão pouquíssima chance e o público não apoia devidamente, seja comparecendo ao show de uma banda autoral nova ou comprando seu merchandising. O crowdfunding (financiamento coletivo), que foi a forma como lançamos o nosso álbum, tem sido uma forma mais honesta na relação entre público e artista. O interessante é que bandas brasileiras de rock consagradas mantêm bom público e agenda, mas as novas, talvez por não terem esta referência de terem lançado discos e tal, conseguem poucos espaços. Acompanho bem o cenário roqueiro e gosto das bandas que tem membros veteranos somados a outros não tão conhecidos assim, como o The Dead Daisies, Last in Line e Sons of Apollo, que mantêm o rock clássico bem vivo!

Cite 10 discos que influenciam você e seu trio.

M.M. - Machine Head (Deep Purple)
Led Zeppelin II (Led Zeppelin)
Blow By Blow(Jeff Beck)
The Introduction (Steve Morse Band)
Live... in the Heart of the City (Whitesnake)
Wander Taffo(Wander Taffo)
Platina (Platina)
90125 (Yes)
Surfing With the Alien (Joe Satriani)
Moving Pictures (Rush)
Obs: foi difícil fazer esta lista com 10 discos apenas!

Cite 10 guitarristas essenciais entre suas referências (5 brasileiros e 5 gringos).

M.M. - Essa pergunta é sempre difícil, pois gosto de muitos guitarristas, mas sigo uma linhagem que despontou nas décadas de 1970 e 1980, todos roqueiros, com influências de erudito e blues, unindo técnica e feeling. Resumidamente, seriam estes:
Internacionais:
Ritchie Blackmore
Brian May
Neal Schon
Trevor Rabin
Eddie Van Halen
Nacionais:
Wander Taffo
Marcelo Sussekind
Robertinho de Recife
Faíska
Mozart Mello

As duas mais emblemáticas fabricantes do instrumento símbolo do rock, Gibson e Fender, vivenciam uma grave crise em seu império. Uma matéria publicada pelo Estadão no dia 13 de maio sobre o assunto levanta uma questão: o que pode estar por trás desta crise? Qual sua opinião sobre isso?

M.M. - Realmente, ficou todo mundo do meio musical em pânico, mas tem alguns assuntos que podem justificar esta situação. A Gibson quis diversificar seus investimentos, não se deu bem, mas a produção de guitarras não se alterou muito, pelo jeito. Os valores praticados por estas fábricas são altos, mas justificados pelo investimento e know-how que possuem há décadas. Acontece que, atualmente, a China centralizou toda a produção de guitarras e outros instrumentos e, devido a sua mão de obra barata, está ditando uma nova faixa de preços no mercado, embora a qualidade destes instrumentos seja bem questionável. Com isso, os luthiers ganharam espaço para quem gosta de instrumentos de alta qualidade. Por outro lado, a nova geração de adolescentes tem outros interesses, principalmente nos games e celulares e, se o ensino musical não for adotado de uma vez por todas no Brasil, provavelmente teremos ainda menos interessados em tocar guitarra e outros instrumentos. E ainda há o final de uma geração de artistas ícones surgidos nos anos 1960 e 1970, que não terão peças de reposição a curto prazo, pelo menos no que representam.

Em relação ao ensino da guitarra, você percebeu queda na procura por aulas de guitarra nos últimos anos? E a maioria dos alunos atualmente se interessa apenas por rock, ou há quem demonstre um certo apreço pelo blues ou pelo jazz, por exemplo?

M.M. - Sim, houve uma queda, principalmente nas aulas particulares. Na EM&T (Escola de Música e Tecnologia, em São Paulo), onde dou aulas há 15 anos e é muito conceituada, essa queda foi bem menor. Penso que a facilidade de encontrar quase tudo na internet gratuitamente e com a utilização de novas tecnologias seja um forte motivo, além da grave crise financeira do país. O fator cultural também influencia muito, pois se não há boa música rolando na mídia e nem ensino de música nas escolas, isso não desperta interesse no aprendizado musical, por não ter, consequentemente, uma geração de músicos que são ícones, como houve até o início deste século. Tudo bem, hoje você encontra o que quiser para ouvir na internet, mas o primeiro contato com a música é fundamental para esse despertar. O assunto é longo, mas é mais ou menos isso. Quanto aos estilos procurados, a guitarra é o símbolo do rock, claro, então, 90% dos alunos iniciam as aulas com esta referência, mas logo depois se interessam por blues e jazz, pelo menos pela linguagem, não a estética, pois estes estilos fazem parte do aprendizado básico. Em geral, o cara que gosta de rock curte blues, pois a ligação entre os dois estilos é muito próxima.

Que conselho você costuma dar aos seus alunos de guitarra, quando percebe que eles sonham em ser “músicos de verdade”, “viver de música” etc?

M.M. - Bem, a opinião do professor de música sempre é referencial e determinante na vida de um estudante, então, com a experiência de mais de 25 anos dando aulas, quando vejo um aluno chegando muito preocupado em ser profissional, eu o incentivo, mas digo o seguinte: primeiro aprenda bem o instrumento e ganhe experiência, depois a vida lhe dirá se você será profissional ou não, porque, mais do que querer, a pessoa precisa ter vocação para ser músico profissional e aguentar as oscilações inerentes a carreira. Não é como o cara simplesmente aprender uma profissão e arrumar um emprego, mas eu vejo a música como uma missão que Deus lhe deu para desenvolver o seu dom e isso é uma coisa que só percebemos ao longo da jornada, com a devida aproximação daqueles que são semelhantes, como aqueles que te influenciaram e hoje dividem o palco contigo, como no meu caso, por exemplo. Isso não tem preço!

Você é de Santos. Nascido, criado e hipnotizado pelo som da guitarra por lá. A cidade litorânea foi berço e/ou morada de figuras emblemáticas da arte paulista, como o dramaturgo Plínio Marcos, a escritora e militante política Pagu e o compositor erudito Almeida Prado. E no rock? Que figura sintetizaria de forma relevante, na sua opinião, o rock santista e por quê?

M.M. - A arte é bem forte por aqui, como citou, sem dúvida. Para mim, é a banda de heavy metal Santuário, de São Vicente, que atuou de 1982 a 1987, e está de volta para alguns shows e lançamentos. Eles participaram da emblemática coletânea SP Metal II, da Baratos Afins, em 1985, e tinham um visual e presença de palco únicos, pois se vestiam como bárbaros e havia explosões, por exemplo. Foi a primeira banda brasileira a excursionar fora do país, na Colômbia, em 1986, e foi o primeiro show heavy que assisti na minha vida, o que me marcou muito. O circuito de shows internacionais ainda estava engatinhando e os nossos heróis eram os desta geração pioneira, que inclusive está retratada no filme “Brasil Heavy Metal”.

E como você enxerga o cenário do rock na sua cidade? Quais são as principais características? Existe uma pluralidade dentro do gênero por aí ou é algo mais homogêneo?

M.M. - A baixada santista como um todo, tem uma cena grande e bem eclética, com muitos, mas muitos talentos, realmente. Não foi à toa que o Charlie Brown estourou no Brasil, misturando ska e hardcore, por exemplo, mas muito antes deles, já tínhamos bandas que são respeitadíssimas até internacionalmente, como o Vulcano, pai do black metal brasileiro, e o Blow Up, que está há mais de 50 anos na estrada, além de muitos instrumentistas conceituados. Por ter a praia como cenário, o reggae e ska são fortes aqui, assim como o hardcore, que podem ser associados a esportes como skate e surf; se bem que nos anos 1980, o surf era associado ao rock de arena e as propagandas de cigarro de então. Aqui o heavy metal e o hard rock são fortes, assim como o blues, numa proporção menor, e até o pop rock, que se mantém firme no circuito de bares e grandes shows. Existe uma tradição de as prefeituras daqui oferecem cursos gratuitos de música, principalmente de violão e coral, e este fato torna o público exigente, valorizando a boa produção local. Além disso, por ser uma cidade turística, Santos e as demais cidades da região são rotas obrigatórias para os grandes shows nacionais e às vezes internacionais, principalmente nas férias.

O Festival Pandemia acontece em Birigui e Araçatuba, duas cidades do interior paulista, muito próximas, mas cada uma com suas particularidades. Que importância você enxerga em eventos como este?

M.M. - Já participei algumas vezes como produtor deste importante festival realizado pelo SESC, que sempre incentiva muito a produção autoral, principalmente o rock cantado na língua portuguesa, estilo com o qual me identifico muito. Acho fundamental a realização e continuidade destes eventos, pelo intercâmbio que gera entre as bandas locais e artistas vindos da capital e de outras regiões. Birigui e Araçatuba são similares a São Vicente e Santos, cidades onde fui criado e nasci, respectivamente, pela distância entre elas, além do papel que exercem em suas regiões. Penso que um intercâmbio ainda melhor seria se as bandas daí pudessem se apresentarem nos lugares de origem dos artistas convidados de outras cidades, por exemplo. Estou muito feliz em participar com o Medusa Trio, dividindo a noite com o Ira!, mesclando o nosso som instrumental com o som clássico desta banda renomada.