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Longevidade à vista

"Como você se imagina nos próximos 40 anos?”, questiona um dos mais renomados especialistas em envelhecimento no mundo, o médico brasileiro Alexandre Kalache. Formado em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutor em Saúde Pública pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, o especialista faz essa provocação a todo interlocutor. Afinal de contas, refletir sobre quanto tempo viveremos, do que vamos adoecer ou como alcançaremos longevidade parece algo precipitado para quem ainda é jovem. Por isso mesmo – e após morar 34 anos fora do país, onde deu aulas nas universidades de Oxford e Londres, e dirigiu por 14 anos o Programa Global de Envelhecimento e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS) –, Kalache instiga o público a uma reflexão. Presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil, no Rio de Janeiro, Kalache abraça o tempo e fala sobre a arte de envelhecer com saúde.

 

 

Quatro capitais

Temos que assumir um compromisso para que possamos acumular os quatro capitais que ajudam o bom envelhecimento: Capital Vital (cuidar da saúde); Capital de Conhecimento (aprender para você e para os outros); Capital Social (ser leve ao longo da vida e manter boas relações); e Capital Financeiro (fazer um pé-de-meia para esse envelhecimento). Ainda precisa haver um propósito de vida: saber por que você acordou; que diferença você faz. Saber que responsabilidade você tem, seja ela dentro de casa ou na sociedade, vai ajudá-lo a envelhecer bem. Outra coisa que vemos a partir de estudos é a importância para a saúde de viver num lugar onde se possa confiar nos outros. A revolução da longevidade também implica o desenvolvimento de uma cultura do cuidado do outro e de si.

Elas vivem mais?

A vantagem das mulheres é que em geral elas têm um capital social muito maior. Do ponto de vista biológico, a mulher também envelhece melhor. Ela tem hormônios que a protegem de doenças cardiovasculares que matam precocemente. Tudo isso explica, em grande parte, a diferença de expectativa de vida entre mulheres e homens. Porém, as mulheres vivem com mais doenças crônicas, que criam perda de independência, sobretudo problemas como osteoporose. Há 20 anos, fizemos um estudo mostrando que as mulheres mais dependentes e deprimidas eram viúvas que, por falta de opção, terminavam morando com a filha e compartilhando o quarto com a neta. Ou seja, ela está cercada de gente, mas está isolada. Além disso, ela tem o ônus de ser a cuidadora dos filhos, dos pais, dos sogros e, muitas vezes, do marido. E esse cuidado deve ser compartilhado. Ao contrário do que dizem: “homem não chora, não vai a médico...”, os homens precisam aprender a se cuidar.

Gerontolescência

Passaram-se 50 anos desde maio de 1968. Eu estava desafiando a ditadura como muitos outros. Fomos contaminados pelos movimentos culturais da França, dos Estados Unidos. No Brasil, não tivemos um baby boom – nossa taxa de natalidade nos anos 1950, 1960 e 1970 continuaram altas, mas não houve um baby boom como na Europa. Então, por sermos muitos e com mais saúde, informação e mais dinheiro no bolso, sobrava tempo para ousar e se rebelar. A única coisa que a gente queria em 1968 era mudar o mundo. Essa geração que participou de 1968 não vai envelhecer como seus pais ou avós. A gente vai envelhecer diferente. Pergunte se vou arrastar chinelo para ler o jornal na varanda. Não vou. Já sou mais velho que meus avós quando eles morreram, e eles morreram bem velhinhos. Mas eu não sou velhinho, sou um gerontolescente. Assim como a gente criou a adolescência, a gente criou outra transição – da idade adulta para a velhice. Com uma diferença: a adolescência dura cinco ou dez anos, e a gerontolescência pode ir dos 55 aos 80. Ou seja, muito mais tempo para se reinventar, descobrir novos interesses, namorar e fazer uma porção de coisas que não se podia fazer e que agora é possível por obter mais tempo e, talvez, mais recursos.

 


Foto: Leila Fugii.

Nossos direitos

Não quero que você me trate bem por “ser velhinho”. Quero que você me trate bem porque tenho direitos. Mas essa consciência de direitos só veio em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Estarei em Nova York, nas Nações Unidas, como ativista e embaixador do HelpAge International [influente organização da sociedade civil para o envelhecimento no mundo, atuante em mais de 75 países]. Lá eu grito, porque nós queremos uma convenção específica dos direitos das pessoas idosas. E, desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, convenções específicas das mulheres, das crianças, das minorias e de outros grupos acontecem. Mas não existe, por discriminação, uma convenção específica do grupo que mais cresce no mundo hoje, que é o grupo dos idosos.

Preparar, já!

Envelhecer é bom e estamos interessados em envelhecer bem. A saúde não é só aquela do contexto médico-paciente, mas do contexto de onde você vive, onde trabalha, como se locomove, por onde anda, quem visita, como se socializa. Isso é saúde. E quando ela falha é que vem a doença, e os profissionais de saúde ainda estão muito mais treinados para tentar curar do que para cuidar, muitas vezes, de doenças que não se curam. Por isso, é preciso se preparar bem para a velhice. E nós podemos fazer isso a qualquer momento: se estou com sobrepeso, se fumo, bebo demais, se estou inativo... Eu tenho um mantra: “Quanto mais cedo se faz a mudança, melhor. Nunca é tarde demais, por isso comece já”. Você vai ter lucro, ainda que não tão grande quanto aquela pessoa que começou [a se cuidar] mais cedo, mas vai ter.
 


Foto: Leila Fugii.

 

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