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Melissa Aldana: o presente do sax tenor

Foto: Julay Barretti
Foto: Julay Barretti

Por Inés Terra*

“Hola, cómo están?”, pergunta a saxofonista e compositora Melissa Aldana (Chile) e abre o show apresentando os músicos. Nesse início, Aldana apresenta duas músicas da sua autoria: “Elsewhere” e “Overthere”. A primeira foi dedicada para Devanilson José Furlan, técnico de programação do Sesc Pompeia falecido na semana passada.

Há uma ferocidade no jazz que enfeitiça. Trata-se de uma revelação de quem toca, um desejo entranhado de emitir a frase seguinte, que já circula pelo sangue, mesmo antes de ser tocada. Melissa Aldana manifesta esse desejo o tempo todo no palco, tocando os graves nos calcanhares e os agudos nas pontas dos pés, e transitando entre eles com flexibilidade, na passagem pelas escalas e aproximações tipicamente jazzísticas, expondo uma variedade de tensões e relaxamentos e dominando as possibilidades do próprio instrumento.

O quarteto da artista reúne um grupo de jovens músicos muito engajados com o estilo e com o trabalho de Aldana. O baterista Tommy Crane e o contrabaixista Pablo Menares formam uma dupla consistente que se destaca pelo swing na conversa entre eles e na indagação melódica e rítmica desenvolvida em cada uma das músicas apresentadas. Crane conduz as levadas e as transições entre os solos, evidenciando o gosto por acompanhar também as melodias do saxofone e do piano, nota por nota. O pianista Sam Harris transparece o seu lado solista desde o começo, nas suas tensões e modulações. As músicas de Aldana apresentam harmonias e bases rítmicas convidativas para a improvisação ao estilo bebop, e para a criação de arranjos na formação de quarteto acústico, alternando o protagonismo entre o trio e a compositora.

La Madrina é uma composição de Aldana realizada em homenagem à obra de Frida Kahlo e o terceiro movimento da uma suíte da compositora. Personagem na obra de Frida, La Madrina era uma aparição recorrente na sua vida, uma espécie de fantasma que previa os acontecimentos e ao mesmo tempo a encorajava nos momentos mais difíceis. A saxofonista improvisa com emoção e profundidade durante a suíte. O som que ela tira do sax combina a aspereza das cidades e a calma de quem sabe do passo do tempo. No final da música há um acúmulo de tensão harmônica e rítmica; Aldana repete uma frase mudando sempre o lugar de chegada, enquanto a bateria sola vigorosa junto ao piano.

Encarnando um pouco o Art Tatum, o Cecil Taylor e o Bill Evans, Sam Harris cativa pelos seus solos e comentários, sempre apresentando novas ideias, desafiando a harmonia inicial de todas as músicas, e ao mesmo tempo sabendo acompanhar com elegância.

Na composição “Aceptación”, o baixo encabeça a música com um riff determinado que prepara o ambiente para os solos que se desenvolvem alternando os chorus da música entre os instrumentos.

Melissa Aldana acaba o show com uma versão lindíssima da balada “Spring can really hang you up the most” (Landesman/Wolf). A saxofonista realiza um solo como introdução, e ao conectar o solo com a balada para a entrada do trio, sustenta um som grave e intenso que alimenta a expectativa do que está por vir. Aldana revela influências de saxofonistas como Sonny Rollins e Dexter Gordon, e ao mesmo tempo apresenta trejeitos da sua própria voz, a partir de fraseados com vibratos calorosos, pequenas quedas nos finais de frase, e a diversidade de ataques de sons mais graves, evidenciando o sopro e a vontade de continuar. 

Inés Terra é musicista e pesquisadora formada em música popular na Universidade Estadual de Campinas. É mestranda em processos de criação musical na ECA (USP) e atua como performer vocal em espaços e circuitos ligados à música contemporânea.