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Três notas sobre baratas fumegantes

Baratas & cogumelo atômico

Como as grandes baratas estão sempre atentas às fumacinhas que sobem pelos ares, é claro que elas registraram, entre surpresas e amedrontadas, os cogumelos de fumaça que se formaram na Terra sobre as cidades japonesas onde foram lançadas, na Segunda Guerra Mundial, bombas atômicas.

Na escola, as baratinhas fumegantes costumam até hoje ver fotos e filmes daqueles velhos cogumelos atômicos, captados pelas câmeras de naves e observatórios espaciais de diferentes perspectivas.
“Então eles [os não baratas] também lançam fumacinhas?”, talvez se perguntem ingenuamente as baratinhas fumegantes, aturdidas com as imagens da Segunda Guerra Mundial na Terra.

Depois tudo é explicado a elas. Não se trata de “fumacinha”, dizem os mestres, mas de “fumaça espessa”, com chamas e destroços, o que é algo completamente diferente...

As baratinhas talvez se sintam sufocadas vendo aqueles rolos de fumaça se formando abruptamente...
Para evitar que se produzam rolos de fumaça, algo considerado extremamente indesejável, durante as visitas de terráqueos ao planeta ardente, os turistas que chegam da Terra estão proibidos de fumegar durante sua estada lá.

Poderiam virar – teme-se – uma tocha humana assustadora, igual a um homem bomba, algo de que se tem ouvido falar muito ultimamente, tanto aqui no planeta azul quanto no planeta ardente.
Ou poderiam provocar o temido cogumelo de fumaça, chamas e destroços, algo jamais experimentado naqueles lados...

Por isso, os humanos não podem sequer acender um incenso no seu quarto de hotel... Quem tentar fazê-lo será preso, julgado, condenado e deportado para a Terra.


Baratas & turismo

Se as grandes baratas fumegantes, ou ardentes, começassem a visitar a Terra como turistas (turistas viajam preferencialmente em grupo, como sabemos), causariam certamente muitos transtornos, sobretudo no Brasil, onde os alienígenas costumam ser sempre recebidos de braços abertos, com liberalismo até excessivo. A cordialidade brasileira é famosa em todo o cosmo.

Imaginemos as grandes baratas entrando juntas, por exemplo, num shopping center da moda; elas em pouco tempo tornariam a atmosfera do local irrespirável, graças à emissão contínua e abundante de cheiro bom no ar. Os shoppings são em geral perfumados, mas não em excesso; ora, com a presença de grupos significativos de grandes baratas (digamos, por alto, uns três mil turistas fumegantes...), emitindo sem parar fumaça colorida cheirosa nesses lugares fechados, teremos de admitir que o ar dentro deles ficaria imediatamente carregado demais para o ser humano normal.

É óbvio que os terráqueos poderiam excepcionalmente, nessas ocasiões, fechar o nariz com pregadores de roupa, mas, mesmo assim, o perfume acabaria sendo inalado por eles e muitos, se não todos, acabariam passando mal. Mesmo que optassem por colocar dois pregadores de roupa no nariz, ainda assim não estariam imunes aos efeitos deletérios de tanto cheiro bom...

Posso até vê-los desmaiados nas escadas rolantes, nos corredores...

Aos poucos, as vitrines ficariam quase invisíveis, em razão do excesso de fumaça acumulada dentro do shopping...

Por isso mesmo, quero crer, não se constroem no planeta ardente grandes shoppings centers... Não existem lá gigantescos conjuntos arquitetônicos como os que temos, por exemplo, em metrópoles como Nova York, Lima, São Paulo, Buenos Aires, onde pululam os shoppings centers...

No planeta ardente, as lojas são pequenas e muito arejadas... Às vezes, elas não têm sequer paredes e teto!
Não é de admirar que o planeta ardente seja considerado, por os todos seus habitantes, sem exceção, que são trilhões de pessoas, um lugar paradisíaco. As grandes baratas fumegantes sabem perfeitamente bem que não poderiam viver em nenhum outro lugar do cosmo com tanto conforto e segurança...


Baratas & churrasco

Certa vez uma grande barata do alto escalão do governo central visitou a Terra em missão oficial. Foi levada a um restaurante para, como disseram então, sentir o “clima”.

Deixada sozinha à mesa (ou seria sobre a mesa?) de um restaurante em Nova York, a enormíssima (como diria talvez Julio Cortázar) barata começou a ser imediatamente fotografada pelos outros fregueses da casa que ocupavam as mesas próximas.

Pensaram que a barata, deitada tranquilamente sobre o tampo da mesa, fosse uma iguaria fumegante. Jamais poderiam desconfiar que se tratava de uma autoridade cósmica que visitava Manhattan a convite do governo dos Estados Unidos.

– Que prato será esse? – se perguntavam. – Churrasco brasileiro? Argentino? Uruguaio? Como se chama isso? O aroma está ótimo!

Um gaúcho, que entendia muito de churrasco, coçou o queixo, aspirou o perfume e não chegou a conclusão alguma.

– Não é um novilho – comentou alguém.
– Nem uma vaca – disse outro.
– Nem um boi – disse um terceiro.
– Que sabor terá? – perguntou um freguês que apreciava carnes exóticas.

Felizmente o acompanhante terráqueo da grande barata voltou nesse instante do banheiro e se sentou à mesa. Pegou então uma das patinhas enluvadas da barata e deu-lhe um beijo, pois a barata era uma lady e merecia esse tipo de tratamento refinado.

– É um tipo de assado que se beija – disseram os fregueses do restaurante, todos com o rosto voltado para a mesa ocupada pela barata e seu acompanhante galante.

Naturalmente, o terráqueo não foi além desse primeiro beijo, e comportou-se depois com muita discrição, não abrindo a boca em nenhum momento.

O assado – todos sussurraram no restaurante – não é para beijar, é só para apreciar com
os olhos.

Muito provavelmente a grande barata ardente pensou que o restaurante era um tipo de spa, onde ela, ao permanecer deitada sobre a mesa, estava sendo submetida a um tratamento de saúde, a uma desintoxicação por meio do jejum absoluto.

O certo é que saiu realmente mais magra do restaurante, pois não ingeriu nada enquanto permaneceu deitada sobre a mesa.

 

Sérgio Medeiros nasceu em Bela Vista (MS) e hoje reside em Florianópolis (SC), onde leciona literatura na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). É poeta, dramaturgo e contista. Publicou, entre outros livros de poemas, A Idolatria Poética ou a Febre de Imagens, com o qual ganhou o Prêmio Biblioteca Nacional em 2017, e Trio Pagão (2018), ambos pela editora Iluminuras.

 

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