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Além das nuvens

As informações que circulam
no ambiente digital pairam sobre
a nossa cabeça e sob nossos pés

Imagem: Pixabay

 

Em casa, no escritório, nas ruas ou na estação de metrô, respondemos a e-mails, enviamos fotos e combinamos uma sessão de cinema pelo celular. Atividades que se tornaram cada vez mais comuns com o avanço do acesso à internet. Entre 2005 e 2015, o número de lares conectados no Brasil saltou de 7,2 milhões para 39,3 milhões, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) neste ano. Mesmo diante desse expressivo cenário de conexões e compartilhamentos, pouco se sabe sobre como acontece essa transmissão de dados. Ou o que são e onde estão as famosas “nuvens” que armazenam desde fotos do seu bicho de estimação até os arquivos digitalizados da chegada do homem à Lua.

Diretor-presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR, Demi Getschko, cientista da computação considerado um dos pioneiros da internet no Brasil, alerta: “Obviamente, você não usa um buscador na internet de graça. Uma rede social custa zilhões de máquinas, cabos e banda conectada. Então, certamente, você faz parte da estrutura desse negócio e isso não deveria surpreender ninguém”. No entanto, todo o funcionamento desse cenário ainda nos deixa admirados.

Guardar arquivos, games ou aplicativos na nuvem é o mesmo que armazená-los no computador da sua casa, em um pendrive ou DVD. A grande diferença é que esse ambiente, sobre o qual falamos tanto, não é nada etéreo. Ele, inclusive, tem um endereço fixo. Quer dizer, o conteúdo que você armazena na nuvem, de forma gratuita ou paga, é abrigado por um servidor que, por sua vez, está localizado em um data center. E os data centers são prédios em diversos países, que protegem todas essas informações com segurança digital e física. 

Se hoje áudios, fotos e vídeos são guardados nas nuvens, seu compartilhamento se dá quase de maneira instantânea, graças, majoritariamente, a cabos submarinos. São eles os responsáveis pelas comunicações transoceânicas feitas no globo. Com uma capacidade de tráfego de dados mil vezes maior que a dos satélites, esses cabos saem dos continentes para serem enterrados a profundidades de até oito quilômetros. Ou seja, lá no fundo do mar nadam, em redes de fibra ótica, bate-papos pelo WhatsApp, fotos das suas últimas férias e o novo hit musical do verão.

 

Conhecer para pertencer

No Brasil, é da capital cearense, mais especificamente da Praia do Futuro, que desponta a maior parte dos cabos submarinos de fibra óptica. Dessa forma, parte de Fortaleza a conexão do país com as Américas do Norte e Central, Europa e África. Denominada South Atlantic Cables System (Sacs), a mais recente instalação de cabo submarino ocorreu no início de 2018, ligando o país a Angola.

Mas por que essas informações parecem estar tão longe do nosso dia a dia e ainda nos surpreender? Para os artistas e pesquisadores Cláudio Bueno e Ligia Nobre ainda ignoramos esse cenário porque, se fôssemos indagar sobre todas as questões do mundo, ficaríamos loucos, numa referência à obra A Vida do Espírito, da filósofa alemã Hannah Arendt.

“Mas há algumas delas que ganham tamanha proporção – como o uso de aparelhos celulares e demais dispositivos eletrônicos e digitais –, que reorganizam modos de vida, de trabalho e outras dimensões da nossa existência”, observa Cláudio. “Por isso é impossível não refletir sobre temas como: as toneladas de lixo eletrônico despejadas em Agbogbloshie, em Gana; a soberania dos dados brasileiros que trafegam fisicamente em territórios como os Estados Unidos; o uso de bens naturais como carvão, água e petróleo para a geração de energia e refrigeração de data centers etc.”, complementa Ligia.

Junto a Carol Tonetti e Vitor Cesar, Cláudio e Ligia compõem o Grupo Inteiro, que desde 2014 reúne profissionais de diferentes formações e práticas em arquitetura, design, arte, comunicação, aprendizagem e tecnologia. “O grupo tem se dedicado às noções de convivência como ‘campos de invisibilidade’ presentes nas relações e nos espaços, incluindo as tecnologias digitais”, explica Cláudio, que assina com Ligia a curadoria da exposição Campos de Invisibilidade (leia o boxe Fora do campo de visão), em que esse cenário é desvelado e discutido no âmbito das artes. “Precisamos considerar que as tecnologias possuem implicações físicas muito concretas. Precisamos aceitar, investigar e considerar que há mundos operando para além daquilo que podemos enxergar dentro de grandes capitais como São Paulo”, finaliza Ligia.

 

360 cabos de fibra ótica de aproximadamente 800 mil quilômetros cruzam os oceanos levando sinal de internet

Fonte: TeleGeography


O Brasil gerou um total de 1,5 milhão de toneladas de lixo eletrônico em 2016, tornando-se o segundo maior gerador desse tipo de resíduo no continente americano

Fonte: Global E-waste Monitor 2017, relatório internacional elaborado pela Universidade das Nações Unidas

 

 

 

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