Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

O futuro é feito à mão


Foto: Leila Fugii. 

Por décadas foi propagada a ideia de que o avanço da indústria e da tecnologia seria responsável pelo fim do artesanato. No entanto, de acordo com a pesquisadora Adélia Borges, os prognósticos de desaparecimento não se confirmaram. “Há vários indícios, ao contrário, de que o lugar do artesanato na sociedade contemporânea vem se expandindo”, escreveu Adélia em Design + Artesanato: O Caminho Brasileiro (Terceiro Nome, 2011). Pelo menos é o que indicam os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): no Brasil há mais de 8,5 milhões de artesãos. Um grupo que movimenta, aproximadamente, 50 bilhões de reais por ano. Autodidatas ou aprendizes em cursos e oficinas que dominam a arte de usar as mãos para transformar matérias-primas em objetos únicos com histórias e identidade.

São mulheres e homens de norte a sul do país que empregam saberes manuais em cerâmicas, bordados, móveis, roupas e muitas outras peças. Protagonistas em um cenário que caminha na contramão de itens fabricados em larga escala, deslocados de uma cultura local e alheios a preocupações com a sustentabilidade.

Para Adélia Borges, um dos principais nomes do país à frente de investigações e publicações acerca do trabalho artesanal brasileiro, o crescimento do nicho do feito à mão é mundial. “Talvez porque haja certo ‘cansaço’ de objetos de massa, descartáveis, sem significado”, observa. “Também porque queremos nos sentir pertencentes a um território, e o objeto feito à mão traz uma história. Então, ao contrário de um encolhimento desse setor, o que vemos é um aumento desse segmento tanto em países latino-americanos e africanos, onde o feito à mão ainda é muito importante, como em países do hemisfério norte, onde os protagonistas desta área receberam o nome de makers (fazedores) e propaga-se o DIY (Do It Yourself, ou Faça Você Mesmo).”

A pesquisadora explica ainda que o segmento desperta o interesse de novos públicos. “São jovens e não os mais velhos que estão disseminando essa cultura”, destaca.

 


 

Manual e autoral

Tendo em vista a força dessa economia movida a várias mãos, o Sesc Bertioga criou em 2018 um projeto voltado para a comunidade de artesãos locais. Ao longo do ano passado, a unidade realizou um Laboratório de Criação Artesanal, em que encontros e workshops proporcionaram o desenvolvimento de produtos em sintonia com a cultura da cidade.

Durante um semestre, 20 artesãos foram orientados, com foco em criação autoral. Depois dessa etapa de aprimoramento, a ação final do projeto foi a criação do Bazar dos Artesãos de Bertioga. Com 25 representantes locais (selecionados por chamada pública), o bazar aproxima artesãos do público, todas as quintas-feiras até o final do mês de julho, no Sesc Bertioga.

“Os cursos de artes focados no processo de criação trazem não só o desenvolvimento técnico, mas criativo também. Ou seja, o indivíduo rompe o ensino tradicional que torna o artesão um mero reprodutor, para passar a ser um criador. Assim, suas obras tornam-se únicas, com personalidade e autoria. Agregando, no final, valor aos seus produtos”, detalha o técnico de programação em artes visuais do Sesc Bertioga Guilherme Leite Cunha, idealizador do projeto. O resultado desta ação é exposto em barracas móveis no pátio da unidade. Peças que hoje têm como referência a biodiversidade litorânea, a cultura e a história da cidade.

Como as lagostas, peixes, tartarugas e bonecas de pano vestidas de maiô costuradas por Ivone de Castro Batista, 66 anos. Artesã há 15 anos, Dona Ivone, como é conhecida, ainda dá aulas e expõe em outras feiras de Bertioga. Mas foi a partir das oficinas no Sesc que ela deu um novo sentido às suas criações. “Aprendi a criar uma identidade para meu trabalho. Antes, tudo que aparecia e era popular na internet, eu fazia. Repetia muita coisa e estava desmotivada. As oficinas me deram um ânimo maior. Agora só tenho vontade de fazer coisas voltadas para a Mata Atlântica, para o fundo do mar… E acho que valorizam, cada dia mais, meu trabalho”, revela.

Da mesma forma, as irmãs e artesãs Rosângela, 50, e Rosemeri Camilo, 51, descobriram que poderiam fazer algo diferente e único depois do Laboratório de Criação Artesanal. Rosemeri passou a estampar flores e folhas da região, enquanto Rosângela começou a bordar saí-azul, tucano-de-bico-verde, tiê-sangue e outros pássaros da fauna local em bolsas de algodão cru.

A inspiração de Rosângela para a fauna e flora de Bertioga veio depois das aulas da oficina, somadas à influência da filha bióloga. “Comprei um livro de pássaros das Edições Sesc que minha filha me recomendou. Era um mais lindo que o outro. Foram bordados em bolsas que viraram a coleção Uirá, pássaro em tupi-guarani. No segundo semestre, vou continuar no mesmo tema e quero fazer o sabiá-laranjeira. Hoje eu vejo que as peças de patchwork que eu vendia não eram a única coisa que eu sabia fazer. Eu passei a criar”, afirma.

Esses são exemplos que demonstram, segundo a pesquisadora Adélia Borges, que o futuro é feito à mão. “Várias pessoas comungam dessa ideia e eu sou uma delas. Trabalho como pesquisadora, palestrante e também como ativista, porque esse segmento contempla as dimensões econômica, social, cultural e ambiental de um país. São atividades economicamente vantajosas porque o trabalho artesanal é ambientalmente correto por usar materiais locais; por permitir o empoderamento de seus realizadores; e por promover uma apropriação da cultura local, da própria história e identidade”, arremata a pesquisadora, que também esteve presente na programação do FestA!
 

Aprender e aprimorar

Cursos, oficinas e outras ações valorizam saberes e fazeres manuais

A relação entre o trabalho artesanal e o design é cada vez mais próxima. Considerando essa premissa, o Sesc São Paulo recebeu, em março, importantes protagonistas que investigam e atuam na cena do artesanato. Durante dez dias, unidades da capital, do interior e no litoral receberam a terceira edição do FestA! – Festival de Aprender. Entre os convidados, a designer Ana de Prado, diretora de criação do projeto Manos del Uruguay, que completa 50 anos, e segue como um dos mais importantes projetos latino-americanos que articulam design e criação artesanal, além de importantes nomes do Brasil, como Josiane Masson, diretora da ArteSol, organização sem fins lucrativos que atua há quase duas décadas na valorização e promoção do artesanato tradicional brasileiro.

Da mesma forma, na programação anual do Sesc, cursos e oficinas de desenvolvimento artístico em artes visuais são oferecidos regularmente nas unidades a fim de “promover a experimentação artística tanto para aqueles que estão tendo um contato inicial com determinada técnica ou linguagem, quanto para aqueles que estão buscando um aprofundamento”, destaca Renata Figueiró, assistente para a área de cursos e oficinas da Gerência de Artes Visuais e Tecnologia.

“Ao estimular a prática de atividades manuais, conhecemos algumas das possibilidades desencadeadas por esta ação, como a ampliação do repertório de experiências sensíveis dos participantes, o favorecimento do convívio e da coletividade, o resgate de práticas tradicionais em correlação ao contemporâneo e a valorização de diferentes formas de fazer, pensar, agir e construir coisas”, complementa.

 

Neste mês, estão abertas ao público as inscrições para as Oficinas de Criatividade do Sesc Pompeia. Confira alguns destaques:

SESC POMPEIA

Cerâmica Orgânica

A partir de 9/4, às terças-feira

Neste curso, a ceramista Ivone Shirahata, que foi aprendiz do Mestre Lelé, ensina técnicas de modelagem manual para a confecção de objetos cerâmicos de alta temperatura inspirados na natureza, por meio do processo de observação e estudo de formas orgânicas. O programa também ensina a reciclar e reaproveitar argila, bem como a utilizar esmaltes feitos com cinzas de folhas e galhos.

Desenho e Xilogravura

A partir de 18/4, às quintas-feiras

Com o artista plástico e educador Augusto Sampaio, os primeiros cinco encontros serão destinados à experimentação de ferramentas, de suportes e de procedimentos para a elaboração de desenhos a partir da observação. Nos demais encontros, serão realizadas experimentações de gravação em relevo em diferentes superfícies (madeira maciça, pranchas de compensado, MDF e linóleo) e, na sequência, as matrizes serão impressas em papel.

Joalheria Experimental

A partir de 10/4, às quartas-feiras

Ministrado pela arquiteta e artesã Miriam Pappalardo, o curso se vale de diferentes procedimentos, técnicas e materiais, além de apresentar trabalhos de artistas joalheiros de diferentes partes do mundo. Um dos objetivos é estimular uma atitude investigativa e experimental nos alunos, para que busquem o desenvolvimento de uma linguagem pessoal.

Projetos Experimentais em Arte Têxtil

A partir de 12/4, às sextas-feiras

Ministrado pela tricoteira Cristiane Bertoluci, mestre em Têxtil e Moda pela Universidade de São Paulo (USP), e pela artista têxtil Sarah Lopes, o curso explora o fio e as técnicas têxteis por meio da experimentação para a criação de projetos artísticos, como obras de arte, trabalhos em série, instalações e intervenções urbanas.

Em aulas teóricas e práticas, serão ensinados e aprofundados conhecimentos nas técnicas manuais do tricô, crochê, bordado, tear e macramê, visando ao desenvolvimento de um trabalho têxtil autoral.

 

revistae | instagram