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Memórias em torno da (e do) "MESA"

Mesa (substantivo comum):

móvel composto de um tampo

horizontal, que geralmente

se destina a fins utilitários.

 

Foi na cozinha da casa onde cresci em Piracicaba, em torno da mesa, que criei uma relação mais íntima com o alimento. Minha mãe cozinhava todos os dias e só o cheiro da comida já me dava água na boca. Ela preparava arroz, feijão, carne e salada, mas as minhas memórias mais gostosas são do pão de queijo feito em casa, do cuscuz de milho, da rosca de batata, e do beiju e do pudim de tapioca preparados com as farinhas que trazíamos da Bahia. Eu, mesmo pequena, não me contentava em ficar só olhando.

Queria tocar os alimentos, colocá-los na boca, sentir o sabor e prepará-los com ela.

Depois, chegava o momento tão esperado: a hora de comer! A melhor hora do dia!

— Pra mesa!, “gritava” a minha mãe para avisar os cinco filhos e meu pai que o jantar estava pronto.

E lá, algo mágico acontecia. Ao redor da mesa, cada um de nós tinha uma história pra contar sobre a escola, os amigos ou o trabalho. Apesar de falarmos todos ao mesmo tempo, nós nos entendíamos. Ali a gente ria à toa, tirava sarro um do outro, brigava, falava dos problemas e chorava. Eram momentos de muito afeto, de muita intimidade e de crescimento! Por isso, não gosto da definição simplificada do dicionário para a palavra mesa. Parece-me algo frio, inanimado... incapaz de traduzir a potência de afetos que a comida maravilhosa da minha mãe trazia! O prato podia ser simples, mas o aroma e o sabor eram inebriantes, com certeza não só porque ela cozinhava bem, mas por tudo que acontecia à mesa.

O impacto desses momentos foi tão forte em mim que anos mais tarde escolhi cursar Nutrição. Fiz estágio no Sesc Pompeia e, em 1995, me tornei nutricionista lá. Dois anos depois, fui para o Sesc Carmo e percebi que mesa pode ser também um substantivo próprio. No programa Mesa Brasil Sesc, tenho o privilégio de trabalhar todos os dias para que muitas pessoas tenham acesso a uma alimentação mais completa e diversificada.

Mas, além de alimentação saudável, o Mesa proporciona inclusão, valorização, uma atmosfera humana de simpatia. Só quem já acompanhou o caminhão sabe realmente do que eu estou falando. Dentro do baú vão a cenoura, o tomate, a laranja e a banana. E também a pitaia, o edamame, que só descobri o que era depois da primeira doação, o cacau (fruta), a lula, o lagostim, o gelato, o jamón serrano e a latinha de milho tipo exportação escrita em ucraniano. Se não fossem as doações, talvez jamais esses alimentos seriam conhecidos pelas pessoas assistidas nas instituições sociais.

É emocionante acompanhar as crianças, sem cerimônia, abraçando as pernas do “tio da comida” e os idosos aproveitando aquele momento para um bate-papo alegre e descontraído com os “meninos do Mesa”. Como é gostoso dar e receber carinho!

Os motoristas e ajudantes sabem muito bem disso.

As cozinheiras, na expectativa de saber o que o Mesa trouxe, os esperam com um sorriso no rosto e um pedaço do bolo da cenoura que foi entregue na véspera.

Vejo essas cenas há 21 anos (sim, 21!), mas não me canso. Pelo contrário, eu me emociono todas as vezes. No Mesa, aprendi que é possível amar e ser amada por pessoas que nunca vi, e cujas histórias eu não conheço. Por mais paradoxal que pareça, diferentemente do que se imagina, no Mesa a gente mais recebe do que doa!

 

Luciana Cassiano Machado

Curvello Gonçalves

é nutricionista e assistente da Gerência de

Alimentação e Segurança Alimentar,

onde atua na coordenação do Mesa Brasil Sesc.

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