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Os mitos verdes
Em artigos exclusivos, especialistas discutem as verdades e mentiras sobre a questão ecológica
Volker W. J. H. Kirchhoff
Ph.D. em Ciência Espacial, é chefe do laboratório de ozônio do INPE
A camada de ozônio é uma proteção natural que o nosso planeta possui ao seu redor e que impede a penetração exagerada de radiação danosa à nossa saúde. A camada de ozônio é formada pela natureza, mas o homem moderno tem interferido nesse processo fazendo com que diminua a sua espessura, diminuindo também o seu poder de proteção. A interferência do homem no meio ambiente tem sido explorada de ambos os lados, de acordo com a conveniência do momento. Assim, temos tido jornalistas que, na ânsia de publicar o sensacional, apregoam haver um buraco na camada de ozônio sobre o Brasil; outros, mais simplistas, dizem que não há problema algum com ela.
O que existe de verdade em tudo isso? A seguir, vamos enumerar uma série de verdades e de mitos.
Verdade - A camada de ozônio está de fato sendo destruída, o que preocupa devido ao seu papel essencial de proteção à vida, que pode estar sendo minado lentamente. Essa destruição lenta e gradual acontece em todo o planeta - em média geral, de 4% por década - e um grande buraco na camada de ozônio desenvolve-se anualmente na Antártida.
Mito - Alguns acreditam que o buraco na camada de ozônio existe em todos os lugares, isto é, sobre o Brasil, por exemplo. Isso não é verdade, pois o buraco é um fenômeno restrito às regiões da Antártida (isto é, no pólo Sul).
Verdade - A camada de ozônio protege contra a radiação ultravioleta, UV-B. Mas o indivíduo que se expõe ao sol deve obter proteção adicional.
Mito - Ficar ao sol entre 10 h e 14 h faz mal à saúde. Esta é uma meia verdade que a minha avó já dizia. Hoje, até especialistas ainda apregoam isso. No entanto, já existe conhecimento suficiente para aproveitar o sol em qualquer horário, basta saber usar o Índice de UV-B, divulgado pelo laboratório de ozônio do INPE.
Verdade - O excesso de sol (isto é, de radiação UV-B, que faz parte da radiação solar) pode, de fato, causar câncer de pele, além de outros males. Essa radiação interage com a pele humana de forma agressiva, e em excesso causa um tipo de câncer de pele que, diagnosticado precocemente, pode ser curado.
Mito - Passar uma mistura de Coca-cola e óleo, além de bronzear, protege a pele contra o sol. Esse é um procedimento muito perigoso e, portanto, não recomendado. De fato, o bronzeamento ocorre, mas causa um grande estresse à pele. É melhor usar sempre um protetor solar de fabricante idôneo.
Verdade - O tempo que o corpo humano pode ficar exposto ao sol é em geral muito pequeno, da ordem de alguns poucos minutos. A pele muito branca é a mais sensível; a negra resiste mais tempo. O fator de proteção solar (FPS), estampado nos frascos de protetores solares, é o fator multiplicador que permite aumentar o tempo de exposição da pele ao sol. Por exemplo, se a exposição natural é de 5 minutos (um valor normal para pele branca), um FPS de 10 permite que a pessoa fique ao sol 50 minutos, sem prejudicar a pele. Normalmente, recomenda-se um FPS de pelo menos 15.
Samuel Murgel Branco
é professor titular de Saneamento da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo
Desde os tempos de José Bonifácio de Andrada há uma preocupação com a proteção do rio Tietê, em São Paulo; desde 1920, sucedem-se os grandes projetos para a sua "despoluição". Reivindicação constante dos moradores da cidade - e das cidades situadas a jusante -, nem sempre tem sido considerada prioridade para os governos que vêem, na construção de pontes e viadutos, emprego mais rendoso em termos de dividendos políticos do que tratar esgotos para depois jogá-los fora.
Mas a tarefa não é tão simples. Já em 1960, a quantidade de despejos jogados no rio era suficiente para mantê-lo, nas épocas de estiagem, completamente sem oxigênio, malcheiroso e, naturalmente, sem peixes. Ora, as cargas de esgotos que ele recebe hoje são quase quatro vezes maiores, o que nos leva à imediata conclusão de que, se forem - como de fato estão sendo - construídas instalações de alto custo, capazes de remover 70% dessa carga poluidora, o rio voltará a uma situação semelhante àquela de 1960. Pior do que isso: se admitirmos a aplicação de um esforço suplementar, que chegue a 90% de remoção (o que certamente não custará apenas 20% a mais, mas o dobro do que já foi aplicado, para a obtenção de um tratamento "refinado", utilizando técnicas muito mais onerosas), restará, ainda, uma carga poluidora significativa, que cresceu muito nos últimos anos, representada pelo lixo de uma cidade maltratada e pelas ligações clandestinas de esgotos domésticos e industriais na rede de águas pluviais. A água das chuvas não é tratada - a não ser em cidades da Europa - e a carga adicional levada por ela ao Tietê pode ser estimada em algo equivalente ao esgoto de uma população adicional de 4 milhões de habitantes, ou seja, 22% da carga bruta de esgotos!
Esse constitui, pois, um dos maiores desafios às "vontades políticas" de nossos governantes estaduais, municipais e - dada a imponência da metrópole, que se situa entre as maiores do mundo - até mesmo federais ou internacionais! É evidente que o investimento feito, mesmo não corrigindo de imediato todos os problemas do rio, está se traduzindo em importantes resultados do ponto de vista sanitário, ecológico e de qualidade de vida das populações. Alguns desses resultados são: a redução do assoreamento do rio, com conseqüente diminuição do trabalho contínuo e oneroso de dragagem de sedimentos e alívio do problema de enchentes; a melhor qualidade das águas nas cidades situadas a jusante, como Pirapora, Salto, Itu e por aí afora, com vários pontos onde já se pode pescar. Finalmente, a grande melhoria da qualidade das águas da represa Billings, mesmo quando, nas cheias, as autoridades se vêem obrigadas a recalcar águas do Tietê para o seu interior.
Pelo menos nas épocas de chuva, não teremos mais o mau cheiro que caracteriza há anos a nossa metrópole. Não chegaremos, certamente, a pescar dourados em suas águas. Mas, quem sabe, alguns lambaris...
Claudio Darwin Alonso
é da Secretaria do Meio Ambiente do estado de São Paulo
O mito é um relato fabuloso de origem popular e não reflexivo, que mescla a fantasia com a realidade observada. No caso específico da poluição do ar, o mito tem origem na observação pessoal mal interpretada e é reforçado pelos meios de comunicação que tratam, muitas vezes, os problemas ambientais misturando o real com a fantasia.
As pessoas verificam as alterações na atmosfera pelos seus órgãos do sentido, mas as interpretações da origem do que foi percebido podem ser incorretas. O odor indica de forma inconfundível que o problema observado é poluição atmosférica. No caso da alteração visual, é comum haver confusão entre nebulosidade (névoa úmida constituída por água) e perda de visibilidade devido a fumaças. O esclarecimento deve ser feito com medições técnicas da qualidade do ar. A irritação dos olhos e da garganta, no geral, é conseqüência da poluição. Porém, em dias muito secos (umidade relativa do ar abaixo de 25%), essa "secura" causa sensação de ardor bastante similar à causada pela poluição. É nesses dias que muitas pessoas atribuem à poluição os efeitos causados pela baixa umidade do ar. Muito da mitologia da poluição do ar tem origem nas observações mal interpretadas, conseqüência de um precário sistema de esclarecimento das verdadeiras origens dos fenômenos percebidos.
Outro mito da poluição do ar é o de ser possível o seu controle completo, utilizando-se equipamentos adequados em todas as fontes emissoras. A questão se reduziria apenas à vontade política e ao investimento para que se efetuasse o controle. Isso é verdade para a maioria dos casos, mas não quando se fala da poeira, importante poluente atmosférico. Em grandes aglomerados urbanos, o transporte de pessoas e produtos exige um sistema viário de porte, deixando descoberta importante parcela do solo. A falta de cobertura vegetal faz com que a poeira depositada se levante pela ação dos ventos e do movimento de veículos, acarretando aumento da poluição. Dificilmente esse tipo de poluição pode ser controlado e as grandes cidades possuem, entre outros, mais um problema cuja origem está no seu grande porte.
A forma de divulgação de informações ajuda a criar mitos. O estado de São Paulo possui um sistema de medição da qualidade do ar e, desde a década de 1970, divulga diariamente os dados, o que não é feito em outros estados da federação. Isso tem levado parte da população a acreditar que problemas de contaminação do ar estão restritos a São Paulo (região metropolitana e Cubatão). Outras áreas do país, com atividade industrial e frota de veículos de grande porte, potencialmente também possuem problemas similares mas, por falta de divulgação da situação da poluição local, a população, desinformada, não pressiona os poderes locais para agirem em defesa de um ar mais puro e saudável. Caberia aos meios de comunicação, quando divulgarem nacionalmente a situação do ar de São Paulo, questionar a situação local. Isso permitiria que a população se preocupasse mais com os problemas locais e não acreditasse que o problema da poluição atmosférica é apenas de São Paulo.
Finalmente, a questão da poluição do ar deixa de ser mitologicamente atribuída apenas à atividade industrial. A população se conscientiza de que os veículos particulares também poluem, e bastante. Os problemas da poluição do ar deixam de ser algo a ser resolvido apenas pelos outros (as indústrias) e passam a ser algo que deve ser resolvido por todos, pelas indústrias e pelos cidadãos, principalmente aqueles que possuem veículos.
Mario Mantovani
é diretor da S.O.S. Mata Atlântica
A situação é alarmante. De tudo o que se fala de desmatamento no Brasil, essa é a maior. Primeiro porque a gente ainda vê isso no Brasil como forma de se apropriar da natureza como se fazia em 1500. Recurso natural disponível foi Deus que deu e a gente não tem que ter nenhum compromisso com sustentabilidade nem nada. O lance é predatório e extrativista. Uma das coisas que pode ser considerada mito nesta história é que a madeira da Amazônia não vem para o Brasil. Dizem que ela vai para fora e isso é uma grande mentira. Quase 90% da madeira retirada de lá vem para São Paulo, Rio de Janeiro e demais estados da região Sudeste. Isso porque as florestas daqui foram completamente destruídas, começou-se até a tirar um pouco de madeira da nossa fronteira com o Paraguai e a Argentina, mas o grande eixo é, na verdade, Rondônia e Acre.
Outro ponto importantíssimo desta discussão é a legislação do Brasil em relação ao desmatamento. Ela é, de certa forma, conflitante. Há um código florestal de 1965, época em que nem existia a figura do ambientalista. Esse código diz que toda propriedade tem de ter 20% de reserva legal de mata atlântica. Hoje, nós sabemos que só há 7% de cobertura florestal. Ou seja, aquela lei, que nem era feita por ambientalistas, nunca foi cumprida. E, hoje, você ouve muitos políticos falando que os ambientalistas preferem proteger a floresta a proteger as pessoas. O que é mentira. Essa discussão nem é cabida mais. Não há mais florestas, está tudo abaixo do que a legislação prevê. O que os ambientalistas estão fazendo hoje é tentar proteger o pouco que resta de florestas. Outro mito é que o ambientalista não seria afeito ao progresso. Num país onde as pessoas vivem, como se diz, vendendo o almoço para comprar a janta, quando você fala do ambientalista você está falando de uma pessoa que pensa na questão do coletivo, do direito difuso. A água é para todo mundo, o ar é para todo mundo e a árvore é para todo mundo. Nós somos inimigos daqueles que depredam o país com atitudes extrativistas, com a forma de um modelo antigo de crescimento. Além de tudo isso, é impossível negar que essa agressão ao meio ambiente começou a custar caro. Por exemplo: uma máquina para tirar terra de dentro do Rio Tietê por conta do mau uso do solo em São Paulo - coisa que a gente denuncia há muitos anos - custa muito caro para a sociedade. Uma enchente que pára a cidade derruba a economia. Por isso o movimento ambientalista ganhou visão e inimigos. Nós propomos um rompimento no paradigma de desenvolvimento. As mesmas pessoas que dizem que os ambientalistas não passam de uns sonhadores que impedem o progresso não promovem a inclusão social mesmo com todas as áreas que elas desmatam dizendo que isso é necessário ao progresso. Dos 93% de território desmatado na mata atlântica, apenas 40% são produtivos. E os outros 53%? Estão erodindo, indo embora, transformando-se em prejuízo para a sociedade.
Outro grande mito aparece, na verdade, em forma de pergunta. Por que nós que vivemos no Sudeste e Sul do país temos de nos preocupar com o que acontece na Amazônia? Primeiro porque ela talvez seja a nossa fronteira para um monte de coisas. Quando destruímos 93% de nossa biodiversidade o quanto não se perde em remédios que poderiam ser sintetizados a partir da floresta? Nossas universidades e institutos de pesquisa não conhecem absolutamente nada das espécies que viviam aqui. A Amazônia é, então, nossa poupança para o futuro. Imagine o que pode aparecer de remédios de lá? A floresta em pé vale mais que derrubada. Você pode obter produtos da floresta, pode extrair madeira de forma sustentável. Isso sem falar no turismo, a maior indústria do mundo. Além de tudo, a Amazônia tem uma dinâmica própria e não pode ser alvo do mesmo estilo de "desenvolvimento" que tiveram o litoral e mesmo o interior do país.
Mário Damineli
é sociólogo e assessor de planejamento do Sesc-SP
Há pouco mais de vinte anos, o químico inglês Lovelock formulou a "hipótese Gaia". Sua tese tenta dar resposta às questões levantadas pela constatação de que os planetas em que provavelmente não há seres vivos são muito semelhantes entre si, mantendo altas taxas de CO2 (95%) em suas atmosferas em permanente estado de equilíbrio químico. A atmosfera da Terra, no entanto, compõe-se basicamente de N (77%) e O (21%) e apresenta um equilíbrio homeostático, isto é, se recupera dos desequilíbrios por meio de processos de retro-alimentação.
Resumidamente: as formas de vida preliminares, que também foram possíveis em outros planetas, foram responsáveis por extrair dióxido de carbono da atmosfera e nela liberar oxigênio. Dessa forma, outros seres se desenvolveram, movidos a combustão aeróbica, em formas de vida cada vez mais complexas. Daí em diante, "as condições físicas e químicas da superfície da Terra, da atmosfera e dos oceanos tem sido, e continuam a ser, ajustadas ativamente para criar condições confortáveis para a presença de vida, pelos próprios seres vivos". Não foi apenas a vida que se adaptou às condições físico-químicas da Terra, mas a vida transformou a Terra num planeta com interconectividade total entre a atmosfera, a biosfera, a biota e os próprios elementos geológicos. Há uma grande complexidade de interações entre todos os seres vivos entre si e com os sistemas naturais da Terra, de tal modo que, no espaço cósmico, ela marcha como uma entidade vivente única. Sintetizando: Gaia é um planeta vivo porque nele "a temperatura, oxidação, estado, acidez e certos aspectos das rochas e das águas são mantidas constantes e essa homeostase é mantida por meio de processos intensos de retro-alimentação, operados automaticamente e inconscientemente pela biota".
A tese de Lovelock tem conseqüências interessantes para o pensamento ocidental, mas particularmente para o pensamento ecológico. No longo prazo, é possível pensar que, como um único ecossistema cósmico, a Terra não tem a sua duração de planeta vivo atrelada às ações particulares que os homens exercem em sua massa geológica e em sua atmosfera. Pelo contrário, como participante do conjunto dos seres vivos (biota), com suas ações o homem tem contribuído para a manutenção das condições da Terra como um planeta vivo. Apenas se a ação humana reduzir drasticamente a biodiversidade - responsável pela conversão de CO2 em O - sua existência de planeta vivente correrá perigo, já que essa é uma condição para manutenção de seus processos homeostáticos.
No curto prazo, cinco ou seis centenas de anos, porém, os problemas se avolumam, porque são sentidos por populações na forma de desastres ecológicos naturais ou produzidos pela ação humana, crises alimentares, desertificação, poluições diversas. Nesse caso o desenvolvimento sustentável, um conceito necessariamente histórico e limitado, desempenha papel importante na manutenção das condições ambientais da vida. Mas novamente é preciso evitar o alarmismo e se ater a uma visão mais geral: algumas tendências jogam ainda contra a noção de desenvolvimento sustentável, como o tratamento das questões ambientais por região, o uso intensivo de produtos químicos, o uso de elementos geológicos não renováveis e o desmatamento. Mas há indícios de tendências favoráveis: a provável estabilização da população mundial por volta de 2070 em 11 bilhões de habitantes, o uso da eletrônica e a diminuição de matéria na fabricação de produtos, o conhecimento das biotecnologias e as técnicas de manejo. O homem ainda é cúmplice de Gaia.