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Inútil paisagem?

Strike, ferramenta utilizada para produzir faísca para fogueiras - foto por Lúcio Érico/Sesc SP
Strike, ferramenta utilizada para produzir faísca para fogueiras - foto por Lúcio Érico/Sesc SP

Por Caco de Paula*

Em certos pontos do Noroeste paulista tudo o que se vê até onde a vista alcança são extensas plantações de cana. É uma das regiões do estado de São Paulo onde a floresta sofreu mais intensa fragmentação, com efeitos de pressão sobre ecossistemas e redução de biodiversidade. Os trechos de floresta preservada, cada vez mais raros, destoam do entorno como um oásis no deserto. É um pequeno paraíso desses que abriga a Escola de Bushcraft e Interpretação Ambiental, no município de Penápolis, dedicada a promover conhecimento para se viver na natureza. Junto a uma trilha pontuada por árvores como Jaracatiá, Angico, Sucupira, Aroeira-preta, Figueira e Copaíba fica rústica casa da sede, à beira do córrego Retiro, cujas águas vão dar no Rio Tietê por essas bandas caudaloso e limpo. São apenas três hectares, mas parece muito mais quando se caminha por ali observando os detalhes, percebendo as formas de vida e aprendendo com o casal que idealizou a escola. Ambos são biólogos. Ele, doutor em entomologia. Ela, em ecologia.

Os biólogos Cadu e Camila e uma de suas instalações inventivas: “A casa do escritor na oresta”  | Foto: Caco de Paula

Não é que o contato com a natureza seja transformador. A ausência desse contato é que é”, diz Camila Yumi Mandai. “Como espécie, nós passamos muito mais tempo ao longo de toda nossa história em ambientes como este do que em ambientes como as cidades”. Camila e seu marido, Carlos Eduardo Dias Sanhudo, o Cadu, decidiram deixar a vida acadêmica e os trabalhos de consultoria cientíca para realizar um projeto que já tem impacto nas vidas de muitas outras pessoas. O termo inglês bushcraft refere-se às habilidades da espécie humana úteis para a vida na natureza, como produzir fogo de maneira primitiva ou construir abrigos e ferramentas rudimentares. Sua prática tem a ver com a capacidade de interpretar o meio natural e, em essência, de reconhecer-se como parte desse ambiente. “Pode ser que você nunca precise fazer fogo batendo uma pedra na outra”, diz Cadu, lembrando que o objetivo de suas aulas não é substituir isqueiros e fósforos. “O importante é você perceber qual a sua sensação ao fazer fogo dessa maneira, uma habilidade que está ligada a um sentimento muito antigo”. Em menos de dois anos de funcionamento, a escola recebeu visitantes de seis países, além dos brasileiros que se inscrevem para suas vivências, em geral estudantes, professores e famílias.

Cadu e visitantes no córrego Retiro: vivências mateiras, atividades com caiaques e canoas | Foto: Alex Dias

As pessoas viram algo diferente acontecendo aqui e gostaram. Inclusive da paisagem, coisa para a qual muitas vezes os moradores não dão importância, pois o mato e o rio estiveram sempre ai´”, diz Cadu. De fato, as vivências oferecidas pela escola — em geral pagas, mas também acessíveis por modos de economia qualitativa ou solidária como informa seu site — tem ênfase em aguçar percepções e sentidos. Algumas condições do local ajudam nesse treino. Não há sinal de celular, nem luz elétrica. À noite, quando o pequeno grupo está em torno da fogueira, sem wi-fi, só resta às pessoas conversarem umas com as outras. Camila e Cadu exploram sensações e experiências pouco usuais, como construir uma casa à moda do povo africano mas sai ou transformar um antigo cupinzeiro em forno — e nele preparar pizzas. Dizem que se não for divertido não tem graça.

Consideram a educação ambiental importante mas propõem ir além das regras coletivas. “O avanço seria a interpretação ambiental. É o que levo para mim como indivíduo e que me permite mudar a mim mesmo antes de querer mudar o outro”, diz Cadu. Nas vivências da escola exploram-se, por exemplo, as paisagens sonoras. Observam-se os sons das folhas ao vento, dos pássaros, insetos, peixes e crustáceos com equipamentos de alta sensibilidade. Ouvem-se frequências que podem ser muito agradáveis e benéficas. Mas para que serve a paisagem, afinal? A mensagem geral da escola parece nos dizer que os sentimentos são biodiversos, como os modos de viver. E o que resta da paisagem ainda biodiversa está aí para nos lembrar de não deixarmos que a monocultura ocupe tudo, seja em nosso próprio espaço mental, seja até onde a vista alcança.

*Caco de Paula é jornalista e dedica-se à pesquisas e edições multimídia sobre educação, cultura, ambiente e sustentabilidade. Escreveu para algumas das principais publicações do país nos últimos 40 anos e dirigiu a revista National Geographic Brasil. Co-autor dos quadrinhos “Heróis do Clima”,criou a agência Auá Brasil e colabora com projetos e edições do Sesc SP.

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