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Nasce um leitor


Contação de histórias | Foto: Leila Fugii.

Quem apostou que novas tecnologias seriam fator determinante para um mundo com menos leitores errou feio. Na verdade, elas se mostram como portas de entrada para a curiosidade por enredos e narrativas – de super-heróis a seres fantásticos. E o fato é que vídeos, sites, aplicativos, jogos e tablets ainda não substituíram um dos mais antigos companheiros da humanidade: o livro. Isso pode ser provado pelo crescimento de clubes de leitura que atravessam o país entregando de casa em casa títulos selecionados por uma curadoria para cada faixa etária da infância. Ou mesmo por uma nova arquitetura que se desenha em bibliotecas e livrarias, propondo maior proximidade entre o acervo e os pequenos leitores.

Estimular a leitura de livros a partir da infância traz inúmeros benefícios à saúde. Tanto que a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) criou a campanha “Receite um livro”, em que pediatras foram mobilizados, de 2015 a 2017, a estimular a leitura parental para as crianças de zero a seis anos. “Quanto mais estímulos adequados de leitura esse cérebro recebe, mais fortes e duradouras tornam-se as conexões neurais relacionadas com as áreas da linguagem expressiva e receptiva, escrita e comunicação. Isso resulta em aquisição precoce de linguagem falada, melhor compreensão, mais facilidade na alfabetização e melhores resultados em nível de inteligência a longo prazo”, sublinha a médica Luciana Rodrigues Silva, presidente da SBP, no site da instituição.

No entanto, se essa primeira relação com o livro, seja em casa, seja na escola, for impossibilitada por espaços inacessíveis aos pequenos ou povoada pela crença de que livro é “coisa de adulto”, já na infância o indivíduo perde o interesse pelas narrativas impressas. “Pensando, sobretudo, nessas novas gerações 4.0 e 5.0, como pedagogos e especialistas em educação vêm chamando gerações da percepção pelo mundo digital, se eu não posso pegar, amassar, cheirar o livro, ou seja, quando não há a experiência do corpo com esse objeto, coloca-se a leitura num lugar abstrato”, analisa o educador, pesquisador e contador de histórias Giuliano Tierno de Siqueira.

“É aí que a gente vai se descolando desse prazer do texto, da imagem, do livro. Quanto mais cedo eu entender esta como uma experiência prazerosa, mais benefícios terei”, complementa Giuliano, que também é um dos fundadores do espaço A Casa Tombada, na capital paulista, onde são realizados encontros e cursos como O Livro para a Infância – Processos de Criação, Circulação e Mediação Contemporâneos.

 


Biblioteca do Sesc Jundiaí | Foto: Alexandre Nunis.

Compreensão de mundo

Ler ainda é o “despertar de uma consciência, de um conhecimento de si, do outro, do planeta”, reforça o educador. Aspecto que, na casa do escritor Antonio Prata (leia a seção Encontros nesta edição), mostra frutos. Filho de pais escritores, foi um menino que não só foi estimulado pelo hábito da leitura ao ver pai e mãe lendo na sala ou no quarto, como também mergulhou nesse universo.

Hoje, Prata observa o mesmo com seus filhos, que, não só têm acesso a títulos da biblioteca familiar como também foram inscritos em clubes de leitura que enviam, mensalmente, um novo título. Ao recebê-los, o escritor observa que a literatura infantil de hoje retrata muito mais a diversidade social, cultural e econômica da sociedade brasileira.

Entram em cena temas como desigualdades sociais e de gênero. “Por acaso, eu li um livro chamado Da Minha Janela (escrito por Otávio Júnior e ilustrado por Vanina Starkoff, Companhia das Letrinhas), e o autor descreve, aos poucos, um universo que logo vi que era uma favela do Rio de Janeiro. Esse livro gerou um superdebate em casa. Expliquei para minha filha de cinco anos o que era uma favela e por que aquelas crianças eram pobres”, recorda Prata.

Em momentos como esse, a leitura ainda abre espaço para conversas e trocas entre pais e filhos. E essa leitura de mundo se soma durante a mediação da leitura do livro: outra ferramenta que estimula o hábito na infância. E que ainda convida a criança a ocupar um espaço seguro para fazer perguntas.

 


Biblioteca do Sesc Jundiaí | Foto: Matheus José Maria

Era uma vez

A mediadora Luisa Setton, pós-graduada em Livros, Crianças e Jovens pelo Instituto Superior de Educação Vera Cruz, explica que a mediação de leitura é, antes de qualquer coisa, um encontro. “Uma ação em que o mediador (pais, professor, avós, tios) apresenta o livro para a criança, lendo o texto (quando há) e mostrando as ilustrações e o próprio livro, como objeto”, conta.

Não é preciso que o mediador faça alterações em sua voz de acordo com os personagens nem que faça uma leitura dramática. “A tarefa do mediador é de apresentar o livro e criar possibilidades para que a criança se relacione com ele pelo que ele mesmo já traz, sem necessitar de outros elementos”, acrescenta Luisa, que, em parceria com a arte educadora Juliana Biscalquin, realizará neste mês, no Sesc Itaquera, o bate-papo Vamos Ler Juntos?, sobre mediação de leitura para pais e filhos.

Para que esse espaço seja de encontro, Luisa observa ainda a relevância da disponibilidade para a escuta. Dessa forma, o mediador poderá construir com a criança (ou com um grupo delas) os significados que a narrativa do livro propõe. Nesse aspecto, também é importante trazer perguntas que possam estimular a percepção das crianças em relação ao livro e às próprias vivências delas, bem como suas leituras de mundo.

“Para mim, a mediação de leitura proporciona vínculos e afetos. É uma ação preciosa, que, por estar pautada no encontro e na presença, é sempre única e acontece de formas diferentes de acordo com o livro, o mediador e as crianças, que são também únicos”, arremata a especialista.

 


Biblioteca Sesc Avenida Paulista | Foto: Pedro Abude. 

LUGAR DE DESCOBERTAS

DISPOSIÇÃO DE LIVROS E ESPAÇOS AMPLOS NAS BIBLIOTECAS

PROMOVEM AUTONOMIA DOS PEQUENOS LEITORES

Ursos, estrelas e seres fantásticos moram em prateleiras e mesas ao alcance das mãos de assíduos frequentadores das bibliotecas do Sesc Bom Retiro, Avenida Paulista e Guarulhos.

Três exemplos de unidades do Sesc São Paulo que adaptaram a organização e disponibilidade do acervo literário tendo os pequenos leitores como protagonistas. São eles que irão escolher qual história saltará das páginas para habitar sua imaginação.

Espaços onde é possível tirar o calçado, ler em confortáveis “colmeias” ou, simplesmente, sentado no chão. Afinal, ter nas estantes bons títulos é tão importante quanto aproximá-los do seu público-alvo. Para a psicóloga Patrícia Leite Cunha, que faz parte do instituto A Cor da Letra – Centro de Estudos em Leitura, Literatura e Juventude, em São Paulo, desde sua fundação, ainda que clubes de leitura, pais ou bibliotecários sugiram títulos para os pequeninos, “as crianças são como exploradores” e deveriam ter, também, a opção de escolher seus livros.

No Sesc Bom Retiro, unidade em que as crianças fazem muitos empréstimos, a bibliotecária Ana Paula Cechinel constata a importância dessa autonomia. Lá, meninos e meninas escolhem seu livro e tornam-se responsáveis por ele ao levá-lo para casa. “São atuantes em todo o processo para o cadastro pessoal de empréstimos, inclusive quando concordam com o combinado de devolução das obras e assinam com letras divertidas, desenhos ou rabiscos, o recibo de empréstimo”, diz.

O resultado é um público leitor infantil que também desenvolve um cuidado especial por esse local repleto de romances e aventuras. “Acredito no encontro da arquitetura com o afeto. Para mim, a biblioteca precisa ser expressiva nessa completude. E isso tudo deve sugerir que suas crianças experimentem livros, atenção ou qualquer outra forma do conviver”, complementa Ana Paula.

 


Biblioteca do Sesc Bom Retiro | Foto: Paulo Dias.

HISTÓRIAS PARA A VIDA TODA

CONTAÇÕES, MEDIAÇÕES E BATE-PAPOS ESTIMULAM O GOSTO PELA LEITURA

Fazer do livro um grande e divertido encontro é outra forma de apresentar ou disseminar o mundo literário na infância. Atividades como contação de histórias, mediações e bate-papos multiplicam esses pequenos leitores.
 

Confira destaques da programação de julho:


iStock.

BELENZINHO

Super heróis, com a Muda

Mediação de histórias de heróis e heroínas representados na literatura infantil criando relações com os heróis e heroínas da vida real. Mediação da Muda, produtora cultural que atua há mais de dez anos concebendo e produzindo projetos de literatura, música, cinema, arte urbana, teatro, fotografia, museologia e ecologia (de 5 a 28/7).
 


Divulgação.

CAMPO LIMPO

O Capetinha do Espaço ou O Menino de Mercúrio, com Ateliê Teatro

O Capetinha do Espaço é a história do menino que mora em Mercúrio. Seu nome é Írmin. Pequeninho, novidadeiro e perguntadeiro. Um dia ele se encontra com um dos amigos da planeturma e propõe um desafio. Contação de histórias realizada pelo Ateliê Teatro (dia 9/7).
 


Foto: Cauê Alves.

PARQUE DOM PEDRO

Elas fazem sonhar, com Girasonhos

O grupo Girasonhos conta histórias de autoras que são referência na literatura infantil brasileira. Obras como Bom Dia Todas as Cores, de Ruth Rocha, Menina Bonita do Laço de Fita, de Ana Maria Machado, e Operação de Tio Onofre, de Tatiana Belinky (dia 13/7).
 


Foto: Jackeline Nigri. 

SANTO AMARO

O Gigante Egoísta, com Prana Teatro

O grupo Prana Teatro narra, com animação de bonecos, objetos e violino ao vivo, a história de um gigante egoísta que, para impedir a entrada das crianças em seu belo jardim, constrói um muro muito alto. Uma livre adaptação de um conto de Oscar Wilde que fala de amizade e altruísmo (Dia 9/7).

 

ITAQUERA

Vamos ler juntos? mediação de leitura para pais e filhos, com Luisa Setton e Juliana Biscalquin

Por meio de um bate-papo e ações práticas, os participantes são convidados a desenvolver habilidades de mediação de leitura de livros-imagem e narrativas visuais para as crianças (dia 7/7).
 


Chibbas Photography.

OSASCO

Histórias para crianças corajosas - Especial rock

A contadora de histórias Júlia Dugaich apresenta narrativas para encorajar qualquer criança a enfrentar grandes aventuras. Compostas de elementos que envolvem suspense, aventura, terror e muitas risadas, as fábulas são contadas ao som de guitarra e bateria, que formam uma trilha sonora radical, trazendo clássicos do rock e heavy metal (de 6 a 27/7).

 


Foto: Micaela Wernik.

VILA MARIANA

Cirandinha, com Anna Zêpa, Maria Giulia Pinheiro e convidados

Um jogo que mistura a palavra literária à presença de artistas que personificam a leitura, dando corpo e voz aos escritores. Nesta atividade serão homenageados Manoel de Barros, Maria Clara Machado, Cecília Meirelles, Paulo Leminski, Mario Quintana, Clarice Lispector e Carolina Maria de Jesus. Ao fim do jogo, alguém da plateia é premiado com o livro de um autor contemporâneo (dias 14 e 21/7).
 

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