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Brisa literária


Antonio Prata no Sesc Pompeia | Foto: Leila Fugii.

Chove granizo em São Paulo, quando um lampejo literário atravessa a rua e dobra a esquina. Neste exato momento, o escritor Antonio Prata abre o guarda-chuva e saca do bolso o celular. No aparato tecnológico – substituto do guardanapo e do bloco de notas –, ele registra o mote da próxima crônica a ser publicada pelo jornal Folha de S.Paulo. Ou, talvez, lhe sirva para o roteiro de alguma novela ou série de televisão. Assim, de maneira despretensiosa, é que surgem as ideias para o trabalho do autor de Meio Intelectual, Meio de Esquerda (Editora 34, 2010), Nu, de Botas (Companhia das Letras, 2013) e A Menina que Morava no Chuveiro (Ubu, 2019), entre outras obras literárias e séries para a TV. Cronista na essência, Prata transforma o cotidiano de milhares de distraídos leitores com bom humor. “A crônica é uma espécie de recreio do jornal, em que o leitor está lendo sobre absurdos, mas dá uma respirada. É uma brisa no jornal”, defende. 
 

Mirada crônica

A crônica é um gênero de entretenimento. O romancista, o poeta e o contista não precisam e é bom que não precisem entreter o leitor. O cronista é um cara que aparece no século 19, com a imprensa, e a crônica surge para amaciar o jornal. Uma espécie de recreio do jornal, em que o leitor está lendo sobre absurdos, dá uma respirada. É uma brisa no jornal. Então, tenho essa consciência de que meu papel ali é de entreter o leitor. Entretenimento é visto, geralmente, com preconceito. Como se o entretenimento fosse inimigo da reflexão e da profundidade. Eu discordo. Você pode entreter pelo humor, pela comédia, pelo lirismo. Nosso maior cronista, Rubem Braga, não é um cronista que tinha o humor como sua principal característica. Ele era, principalmente, lírico. Muitas vezes, a crônica dele é triste e nos deixa tristes, mas a tristeza pode ser, de certa forma, uma maneira de entretenimento. Uma certa melancolia é uma maneira de saborear a vida e encará-la. Tenho isso em vista quando escrevo crônicas: chegar até meu público e tentar falar alguma coisa que seja prazerosa.
 

Era uma vez...

Certamente foi culpa deles [da família]. É como responder: “Como você virou quem você é?”. Eu sei coisas que me facilitaram. Não só meu pai [Mario Prata] é escritor, mas minha mãe [Marta Góes] e meu padrasto são escritores. Tinha muitos livros em casa. E a literatura, a gente sabe: crianças começam a ler vendo adultos lendo. Isto é estatístico. Estudei em escolas que valorizavam muito a literatura – até a quinta série a gente tinha uma aula de estória. Tinha uma professora que se sentava, duas ou três vezes por semana, para contar um livro. Às vezes histórias enormes, romances, histórias complexas... Um livro de 200 páginas levava dois meses de leitura e a gente ficava boquiaberto: 30 crianças em silêncio, ouvindo. Em outra escola, tinha concurso de declamação de poesia, a gente lia Drummond, Manuel Bandeira, Augusto dos Anjos, um monte de coisa e declamava. Parece meio boboca isso de declamar poesia como competição, mas a competição não interessava muito, era a brincadeira de juntar um grupo, ensaiar e ir ao palco.

 

Meu interesse na literatura é este:

a literatura como chave para entender

o mundo e chave para explicar o mundo

 

Profissão: escritor

Uma coisa que facilitou foi o fato de saber que a literatura era uma profissão. Sempre estranhei a pergunta: “Quando você descobriu que era escritor?”, como se ser escritor fosse um desvio numa carreira, como se fosse uma saída de armário profissional. Como se eu fosse um engenheiro, médico, um cara de terno que estava lá carimbando, infeliz da vida, fazendo planilhas Excel... E, um dia, eu tivesse tido essa descoberta, rasgado o terno e saído feliz por um campo florido gritando: “Vou criar, vou criar”. Eu já sabia que era possível ser escritor e pagar as contas. Ouvia aquele barulho da máquina de escrever sempre que botava a cabeça no travesseiro para dormir. E tinha roupa, comida na mesa, escola. Via que era possível esse caminho.
 

Fios da história

Me chamaram para escrever crônicas na revista Capricho, quando eu tinha 20 anos. A Capricho era a revista que a minha irmã menor lia. Era como trabalhar para o inimigo. Fui escrever lá, meio a contragosto, coisa boba de menino, e aprendi a escrever crônica ali, escrevendo para meninas adolescentes. Por causa disso, virei cronista. No meio do caminho, Adriana Falcão (escritora e roteirista) me ligou, me chamando para fazer um roteiro. Achei ótimo, nunca tinha feito um roteiro. Ela achou que eu tinha feito um curso quando eu morei por um ano em Barcelona. Quando ela soube, não tinha mais o que fazer e botou outro roteirista para trabalhar comigo, o André Laurentino, que me ensinou pra caramba. Daí, fui estudar, fiz cursos. O roteiro é antípoda da crônica: você não tem narrador, o texto precisa de história. Não dá para fazer um filme em que nada acontece. Já a crônica é uma forma de você contar o incontável: sacar uma entrelinha numa atitude minúscula. Acho bacana trabalhar esses dois pontos tão distantes. 
 

Caixa de ferramentas

Crônica é uma lupa que você bota sobre um assunto. É o remexer no assunto que vai trazendo a graça, a beleza… Que vai trazendo sua compreensão. Qualquer assunto é interessante. Tem outra coisa que é a linguagem. Você trabalha a linguagem e vai apurando. Começa a perceber que têm palavras mais adequadas para dizer o que você quer dizer.

As palavras são como parafusos, porcas e chaves de fenda. No caso da crônica, a palavra errada vem da pressa e você vai descobrir se é a chave Philips ou a chave tetra que vai abrir aquele significado. Essas chaves são as palavras. Meu interesse na literatura é este: a literatura como chave para entender o mundo e chave para explicar o mundo.

 

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