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Histórias em quadrinhos e poesia visual: as linguagens de vanguarda são tema de curso no Sesc Bom Retiro

Por Daniel Bueno*

 

Nos últimos anos, a cena das histórias em quadrinhos no mundo vem apresentando uma considerável efervescência experimental, com exploração de abordagens metalinguísticas. Na Europa, determinadas correntes – atuantes em feiras de zines e publicações independentes - já receberam denominações como Quadrinhos Abstratos Formalistas Franceses. Atualmente, no Brasil, é possível constatar investigações variadas, mas é interessante perceber que nossa história da HQ parece não ter consciência de uma parcela inovadora da produção dos anos 60 e 70, constituída por quadrinhos vanguardistas com particularidades únicas, elaboradas em movimentos de poesia experimental. O Poema/Processo, por exemplo, foi um movimento artístico criado dentro do contexto do concretismo entre 1967 e 1972, e que apresentou, em diversos trabalhos, conexões com os quadrinhos.

O modo como vários dos poemas do movimento sugerem continuidades e situações sequenciais com elementos gráficos, muitos deles provenientes da mass media, acaba por gerar autênticas HQs experimentais. Uma obra emblemática é 12 x 9 (ilustrada ao lado), em que o poeta Álvaro de Sá explora uma estrutura fixa com nove quadrinhos por página e insere figuras abstratas e elementos gráficos da história – como os balões de fala - como personagens. É um comics que permanece atual, e que tem afinidades com a produção contemporânea. Nada mais pertinente, portanto, do que resgatar esses trabalhos sequenciais e promover comparações com o que vem sendo feito, de modo a enriquecer o debate sobre as possibilidades da linguagem dos quadrinhos. O curso Poesia Visual e História em Quadrinhos pretende também buscar inspiração nessas referências e desenvolver trabalhos práticos, com a criação de HQs curtas feitas com colagem.

Um exemplo de obra atual metalinguística é Sol (2016) do francês Alexis Beauclair, uma homenagem ao artista conceitual Sol Lewitt. Recorrendo às múltiplas linhas – verticais, horizontais, diagonais - de uma das estampas de Lewittt, adaptadas à estrutura da página e leitura linear dos quadrinhos, Alexis sugere acontecimentos e convida o leitor a decifrar as regras envolvidas, ou simplesmente sentir os movimentos e sensações óticas. Ele e outros artistas como Sammy Stein e Bettina Henni cuidam da antologia Lagon, que traz impressas em risografia uma grande variedade de quadrinhos experimentais. As HQs dessa vertente – muitas vezes minimalistas, de estilo geométrico e com pouca ou nenhuma narrativa – centram seus atributos na demonstração de um “processo”.

No Brasil, podemos citar nomes como Grazi Fonseca, Luis Aranguri, Luciano Drehmer e outros. Já a artista plástica Rivane Neuenschwander criou a série Zé Carioca, suprimindo o conteúdo imagético e discursivo das HQs do personagem  de modo a problematizar  os tons políticos dessa criação usada por Walt Disney como estratégia para melhorar as relações entre Estados Unidos e a América Latina nos anos 40. Outro artista que explorou Zé Carioca e a linguagem dos quadrinhos é Fernando Lindote, em revistinhas de quadrinhos que apresentam elementos nacionais em traço livre e despojado.

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* Daniel Bueno é artista gráfico e quadrinista de São Paulo, se formou em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo em 2001. Seu trabalho envolve contornos geométricos, colagem, texturas, pesquisa de grafismos e de narrativas. Bueno tem contribuído para mais de cinquenta revistas, jornais como a Folha de S. Paulo, e diversas editoras de livros. Levou vários prêmios no Brasil e outros países, como dois Bronzes no anuário da 3x3 (EUA) e quatro HQ Mix (Brasil). Em 2011 o livro "A janela de esquina do meu primo", ilustrado por Bueno, recebeu Menção Honrosa na Feira do Livro Infantil de Bolonha (Itália) e foi selecionado para o Ilustrarte (Portugal, 2012). Daniel é também o ilustrador de três livros que receberam o Prêmio Jabuti: "Um Garoto chamado Rorbeto", "O Melhor time do mundo" e "A janela de esquina do meu primo". Integra o coletivo Charivari, que lançou doze edições e realiza oficinas criativas. Em 2007 concluiu sua dissertação de mestrado sobre Saul Steinberg na Universidade de São Paulo. Escreve para revistas como Bravo! e Quatro cinco um. É professor da EBAC - Escola Britânica de Artes Criativas desde 2016.