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Nós comemos aquilo que somos

Foto: Dani Sandrini
Foto: Dani Sandrini

Na frase famosa, Hipócrates diz que nós somos aquilo que comemos. Do ponto de vista físico, químico e biológico, a compreensão é direta: é dos alimentos que tiramos as moléculas que depois se reorganizam formando nosso corpo. Mas o ato de comer é mais do que isso. Envolve relações sociais e questões culturais, econômicas e religiosas. 

Ao longo dos anos, a afirmação acabou recebendo um tom mais moralizador e fiscalizador. Hoje, o que comemos, como comemos e o quanto comemos são, para muitos, definidores de algo que vai muito além da boa alimentação. Acabam sendo relacionados a cuidar-se bem ou mal, a ter ou não ter limites, a ser ou não ser disciplinado, perseverante, regrado, correto. Transformou-se em culpa e objeto de julgamento do comportamento dos outros e de nós mesmos. 

Ao mesmo tempo, com a evolução da indústria e as transformações da sociedade, a comida foi perdendo suas formas clássicas. Agora muitas vezes o combustível do ser humano está ou embalado em pacotes padronizados ou disfarçado em coletâneas de nutrientes. 

“O problema com a comida moderna é que você não sabe o que está comendo. Agora, se você é o que você come, e não sabe o que está comendo, o que vai acontecer a você?”, questiona Claude Fischler, sociólogo francês que estuda a dimensão antropológica da alimentação humana, assim como sobre as relações do homem com seu corpo.

Nesse contexto, em que a comida é reduzida a partículas chamadas nutrientes, perde-se a ampla dimensão do que é o comer. A cozinha, afinal, é mais do que moléculas, elementos químicos e reações de transformação. É o hábito, o comportamento, a cultura que envolve uma refeição

Ao visitar um lugar novo, uma das primeiras coisas que pensamos é em comer o que é mais típico de lá. Do mesmo jeito, é da comida do nosso lugar, daquela que estamos acostumados, que sentimos mais falta quando estamos longe de casa. Se a comida é a característica de um grupo, nós também comemos aquilo que somos. Que acreditamos, de que gostamos.  

Talvez seja por isso que, no processo de evolução, o ato de comer tenha se tornado uma das nossas fontes de satisfação: já que precisamos comer, respirar e dormir, nada melhor que um incentivo extra e delicioso como o prazer

Quando eliminamos o prazer e ficamos apenas na função fisiológica e nutritiva do comer, podemos desenvolver o que Claude Fischler chamou de “gastro-anomia”. “As pessoas se sentem desconfortáveis e cheias de medos e conflitos sobre o que deveriam comer e como deveriam comer; isso de algum modo é uma forma de gastro-anomia. É evidente que o excesso de informações contraditórias sobre esse tema gerou ansiedade e a sensação de incompetência do comedor, fato fácil de ser percebido em inúmeras pesquisas realizadas sobre essa questão”, disse em entrevista à antropóloga brasileira Miriam Goldenberg, em 2011.

O Experimenta! Comida, saúde e cultura, chega a sua terceira edição neste mês de outubro de 2019 com um convite para que você olhe para a comida em todas as suas dimensões, busque nutrir não só seu corpo como sua alma e alimentar o prazer de dividir refeições e conhecimento. 

Acompanhe a programação em sescsp.org.br/experimenta