Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

O dono do Jardim

Foto: Arquivo Fundação Aron Birmann.
Foto: Arquivo Fundação Aron Birmann.

Registro dos anos 1990 de Roberto Burle Marx em plena atividade, durante uma visita à área em processo de restauro para o parque que receberia seu nome em São paulo.
 

AO RENOVAR O PAISAGISMO, EM SINTONIA COM A ARQUITETURA MODERNA, BURLE MARX VALORIZOU A VEGETAÇÃO TROPICAL E SE TRANSFORMOU NUM DEFENSOR PIONEIRO DO MEIO AMBIENTE

Se você criasse seu próprio jardim, como seria? A ideia parece sonho de criança, mas para o paisagista Roberto Burle Marx foi a vocação de uma vida inteira, durante a qual dedicou-se a projetos inovadores e celebrados. Sua vertente humanista conciliou o ofício com outros interesses: desenho, pintura, escultura, tapeçaria. Houve ainda tempo para um livro informal de receitas que tinha inventado, como menciona Carolina Corôa – arquiteta, urbanista e administradora do Parque Burle Marx, localizado na capital paulista. “Uma pessoa que é genial faz muito bem várias coisas, domina muitas áreas, e ele tinha esse perfil, aliado à militância pelo meio ambiente com textos escritos e publicados sobre o tema”, comenta.

A pluralidade se expande pelas regiões onde morou. Nasceu em São Paulo, em 1909, viveu parte da infância no Rio de Janeiro e em 1928 a família passou dois anos em Berlim. O circuito cultural da cidade alemã era inspirador. Estudou canto. Virou habitué de teatros, óperas, museus, vertentes artísticas e realizadores. Frequentou o ateliê do pintor Degner Klemn, deixando-se levar pela paisagem artística e a construção arquitetônica e botânica de uma Berlim sempre moderna. O paisagista chegou a dizer que o tempo em ares berlinenses havia sido fundamental para sua formação. A curiosidade por tudo que estava ao redor foi seu combustível vital. 

Imagem de Roberto Burle Marx cedida pelo Instituto Burle Mrax, criado em 2018 com o intuito de reverberar a importância da obra do arquiteto e paisagista. Foto: Escritório de Paisagismo Burle Marx.

 

Terra estrangeira?

O contato com a natureza brasileira começou de longe, já que as visitas ao Jardim Botânico de Berlim o transportaram à flora tropical. Foi lá que floresceu o interesse pelas espécies botânicas de seu país de origem. O retorno propiciou o encontro com botânicos. O mais marcante deles foi Ducke, especialista nascido na Croácia e morador da Amazônia por 50 anos, que não admitia outra nacionalidade além de brasileiro. Entre territórios, é simbólico que Burle Marx transite com sua obra, amizades e influências, e tenha destaque internacional. É o caso da exposição Brazilian Modern: The Living Art of Roberto Burle Marx, a maior dedicada ao paisagista e a maior já organizada pelo Jardim Botânico de Nova York, nos Estados Unidos, que ficou em cartaz até 29 de setembro deste ano.


Mata Atlântica, litografia de Burle Marx, 1991. Foto: SRBM/Iphan/MinC.

Mãos na terra

A formação acadêmica se deu na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, entre 1930 e 1934. No meio do curso (1932), desenvolveu seu primeiro jardim, um projeto residencial atendendo ao convite do arquiteto Lúcio Costa. Os dois haviam sido vizinhos quando crianças, embora a diferença de idade fosse grande: Costa era oito anos mais velho que Burle Marx.

Tendo na natureza sua matriz de inspiração, cercado por artes e cores, seus desenhos e pinturas refletem essa influência. Nessa trajetória, demonstrou ímpeto de fomentar uma nova consciência em relação ao meio ambiente e à preservação dos recursos naturais. Essa visão integrada estimulou a formação dos profissionais da área, como explica Guilherme Mazza, pesquisador e autor do livro Modernidade Verde: Jardins de Burle Marx (Senac, 2009). Mazza diz que o trabalho em história do paisagismo se constrói gradualmente em hipóteses, as quais ganham corpo ou não, dependendo da documentação obtida na consulta aos arquivos.

Ele teve acesso aos arquivos pessoais de Burle Marx, abrigados no escritório do paisagista, no bairro de Laranjeiras, no Rio. Nesse trabalho teve acesso a particularidades, como a ligação profissional entre Burle Marx e o embaixador Vladimir Murtinho, que culminou na realização de vários projetos para o Palácio Itamaraty, em Brasília. “E também as desavenças entre o paisagista e Juscelino Kubitschek, que travaram durante bom tempo a participação de Burle Marx na capital federal”, conta Mazza.


Burle Marx foi tema da maior exposição já realizada no Jardim Botânico de Nova York, encerrada em setembro. Foto: Leandro Viana. 

Mosaico Brasil

Burle Marx também viveu em Recife entre 1934 e 1937, período em que foi diretor de parques e jardins na cidade. Transitava entre Pernambuco e o Rio de Janeiro, onde teve aulas com o pintor Candido Portinari e com o escritor Mário de Andrade, no Instituto de Artes da Universidade do Distrito Federal.

Em 1949, organizou uma coleção botânica em um sítio de sua propriedade, em Campo Grande, no Rio de Janeiro. O objetivo era preencher os 800 mil metros quadrados com espécies vegetais coletadas em expedições pelo Brasil para abrigar a diversidade e a beleza da vegetação nativa. O sítio leva o nome do paisagista, que morreu em 1994, aos 84 anos, e é um centro de pesquisa, difusão e preservação do seu legado.

Administradora do parque paulista, que como o carioca segue na divulgação do legado de Burle Marx, Carolina exemplifica a natureza dinâmica do paisagismo: nele, as plantas crescem, o projeto sofre interferências ambientais e antropomórficas, necessitando de uma equipe responsável pela manutenção para que a ideia central não se descaracterize. No parque, a equipe trabalha para que as instruções de Burle Marx sejam seguidas à risca. De acordo com a especialista, uma ideia posta em prática pelo paisagista era a comparação entre a flor e os jardins. A primeira é dona de uma simetria e características próprias. O segundo já é uma natureza organizada pelo homem e para o homem.

“Ele foi o paisagista análogo do modernismo, pensava uma nova arquitetura brasileira, com nosso clima, nossa temperatura e nosso bioma”, define Carolina. Lembrando que, antes dele, valorizava-se em demasia o padrão europeu. “Burle Marx propôs uma ação renovada e criativa no paisagismo”, finaliza.

 

Roteiro multicor

SIGA O LEGADO DEIXADO PELO PAISAGISTA EM SÃO PAULO

No meio do caminho tinha... uma obra de Burle Marx. Algumas delas são de acesso privado, como o jardim suspenso do Banco Safra, na Avenida Paulista, ou o jardim que cerca o Edifício Prudência, em Higienópolis. Contudo, há vários locais abertos ao público que abrigam projetos do paisagista. Conheça alguns que merecem visita:  

 


Foto: Arquivo Fundação Aron Birmann/Nette Cabral.

Parque Burle Marx

São quase quatro mil metros quadrados de área verde que no fim de semana chega a receber 3 mil pessoas. O parque é visto por Carolina Corôa – arquiteta, urbanista e administradora do local – como um representante expressivo da obra de Burle Marx, por conter a síntese de seu paisagismo: gramado xadrez com dois tipos de grama para dar o efeito 3D, uso da água e espécies da Mata Atlântica. Em 1991, os jardins foram requalificados pelo próprio Burle Marx para integrar o parque, que foi inaugurado em 1995, um ano após a morte do paisagista. Localizado na Av. Dona Helena Pereira de Moraes, 200, Vila Andrade, o parque funciona diariamente, das 7h às 19h.
 


Foto: Pepe Guimarães.

Fundação Ema Klabin

A fundação se tornou centro cultural em 1978. Antes, seu endereço era estritamente residencial, abrigando a casa da colecionadora de arte Ema Klabin. Mas o jardim, esse sim, ganha atenção por ter sido planejado por Burle Marx em 1956. O projeto original foi alterado com o passar do tempo, devido à substituição de algumas plantas, motivada por modificações inerentes ao dinamismo do paisagismo e interação entre as espécies vegetais. A fundação ocupa o nº 43 da Rua Portugal, Jardim Europa, e éaberta ao público de quarta a domingo, das 14h às 17h.

Jardim da Fiesp

O mosaico em concreto de mais de 500 metros quadrados feito em parceria com o arquiteto e paisagista Haruyoshi Ono toma o acesso da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) pela entrada da Alameda Santos, 1336, Jardim Paulista, aparecendo até a parte interna do prédio, com vista para o café, que funciona de quarta a domingo, das 8h às 22h.

Capela Cristo Operário

Conjunto dominicano que abriga, de dentro para fora, produções artísticas. A capela foi construída em 1950 e seu jardim foi projetado por Burle Marx. Na parte interna, o afresco do altar e vitrais atribuídos a Alfredo Volpi dividem o espaço com murais de Yolanda Mohalyi, pintura de Giuliana Segre Giorgi, esculturas de Bruno Giorgi e Moussia Pinto Alves, luminárias e pia batismal de Elisabeth Nobiling e o vitral da sacristia desenhado por Geraldo de Barros. A capela está localizada na Rua Vergueiro, 7290, no alto do Ipiranga. Informações: (11) 3881-8805.

 


Foto: Luisa Zucchi.

MuBe

O Museu Brasileiro de Escultura e Ecologia nasceu no fim dos anos 1980 com a doação do espaço pela prefeitura à Sociedade de Amigos dos Museus. A ideia era a construção de um centro cultural que reunisse escultura e ecologia, resultando no MuBe, cujo projeto paisagístico leva a assinatura de Burle Marx, convidado pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha. Em 2018, a remontagem do mosaico de pedras no primeiro estudo para o jardim fez parte da exposição Burle Marx: Arte, Paisagem e Botânica, organizada pelo museu. A visitação ao espaço, localizado na Rua Alemanha, 221, no Jardim Europa, é gratuita de terça a domingo, das 10h às 18h.
 


Foto: Matheus José Maria.

Bravo!

CORTINA CONCEBIDA POR BURLE MARX PARA O PALCO DO TEATRO ANCHIETA É UM ESPETÁCULO À PARTE

Em 1967, o pano de boca de cena com a composição de cores e formas concebida por Burle Marx descortinou o palco do Teatro Anchieta, na unidade Consolação, pela primeira vez. No ano seguinte, esse tecido com nuances de vermelho, verde, preto, azul e outros tons revelou o espetáculo A Mulher de Todos Nós, com Fernanda Montenegro, Ítalo Rossi, Sérgio Britto, Gledy Marise e Perry Salles.  

Nas décadas seguintes, o teatro passou por reformas e a cortina, que faz parte do Acervo Sesc de Arte Brasileira – a coleção permanente da instituição –, acabou ficando distante dos olhos do público. No dia 5 de julho de 2018, após passar por um processo de higienização e reparo, a obra retornou ao seu local de direito. Histórias sobre o palco do Consolação fazem parte do livro Teatro Sesc Anchieta: Um Ícone Paulistano (Edições Sesc São Paulo, 2017).

 

revistae | instagram