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Luz, câmera, corpo e ação

Há mais de 15 anos trabalhando com cinema, Ricardo Laganaro começou cedo, aos 19. Em 2013, como ele mesmo descreve, sofreu um “feliz acidente”: foi trabalhar no departamento de inovação na O2 filmes. Desde então, ele aprimora suas técnicas em filmes exibidos no formato de realidade virtual.

Em 2019, deu um passo mais ousado: ele lançou um filme com enredo, personagens, direção de luz e arte, feito para ser exibido com a interação da realidade virtual. Segundo Ricardo, a ideia foi adicionar interatividade à narrativa, não como um jogo, mas como uma ferramenta para estabelecer a sensação de presença.

“A Linha” veio para mostrar que o cinema está em plena transformação e que a realidade virtual pode estar à altura dos filmes tradicionais. Aclamado internacionalmente, o curta-metragem brasileiro foi vencedor do Prêmio VR Experience no Festival de Veneza e é um dos destaques da 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. O melhor de tudo é que, para assisti-lo, o público não paga nada.

Produções em realidade virtual integram a programação da Mostra pelo terceiro ano consecutivo. O CineSesc recebe as produções em VR (Virtual Reality), de 17 e 30 de outubro, das 15h30 às 20h30. As sessões acontecem de hora em hora, com grupos de até sete pessoas, e os ingressos são retirados na bilheteria, gratuitamente, uma hora antes de cada sessão.

Ricardo Laganaro conversou com o CineSesc sobre a produção do seu filme e como é sua relação com outras linguagens artísticas além do cinema.

 

O que o levou a migrar do cinema tradicional para o cinema em realidade virtual?

Trabalhar com realidade virtual foi um feliz acidente. Eu trabalhava na O2 filmes na época, no departamento de inovação dentro da casa. Em 2013, eu fui chamado pelo Fernando Meirelles para fazer um filme, no Museu do Amanhã. Era um conteúdo esférico, em que o público ficava dentro dessa bola. Era ¾ de uma esfera, com projeção até o chão, em 360º. Trabalhando neste projeto, eu comecei a estudar a narrativa imersiva e a realidade virtual como uma ferramenta de pré-visualização, para entender o que a gente ia projetar lá no DOMO. Aos poucos a tecnologia foi evoluindo, a gente foi entendendo que isso também era um mercado, e eu comecei a fazer filmes 360º. Acabei saindo da O2, virei um dos sócios da Árvore, um estúdio focado só em narrativa imersiva. Comecei a fazer essas experiências, até chegar no A Linha, que eu considero a primeira experiência interativa, que usa o espaço e o corpo dos espectadores, explorando mais o potencial desse novo formato.

Quais os desafios na produção de um filme em realidade virtual?

Um dos grandes desafios foi a mudança na mentalidade como criador audiovisual para trazer “o corpo de volta”. Por 15 anos, fiz filmes para tela plana. Eu nunca tinha parado para pensar no meu corpo e nem no corpo do espectador. Então, comecei a estudar o corpo e principalmente a dança contemporânea para entender a gramática dos movimentos e como isso pode ser usado de uma forma narrativa, que funcione junto com a história. Estudo também arquitetura, porque a gente fala muito de contar a história através do espaço e como usar os elementos do espaço de uma forma a favor da história. Temos que estudar outras artes; o teatro tem muito a ver com isso também. São artes que complementam o cinema, porque o cinema puro e simples nunca considera o corpo do espectador para fruir o filme que você está fazendo. Está sendo uma descoberta bem interessante.

Em quê A Linha se diferencia de outras produções do formato?

O filme tem uma narrativa muito forte, com história, com personagens, com arcos, com conflitos e transformações, que é o que estamos mais acostumados a ver na ficção do cinema. Além disso, tem o cuidado de produção, desenho de luz, de direção de arte. Todos os elementos de construção de um filme tradicional, a gente tentou usar aqui. A trilha sonora é muito importante para narrativa, ela é essencial para experiência. Muitas vezes, quando as pessoas fazem realidade virtual, vários desses aspectos ficam um pouco aquém do que a gente está acostumado quando a gente vê um filme. A gente adicionou a interatividade, não como um jogo, mas como ferramenta para estabelecer a sensação de presença. A Linha convida o público a entrar no nosso mundo, dá oportunidade para ele se sentir presente e participante, não como um jogador, mas como personagem.

Como você enxerga a experiência de uma narrativa em realidade virtual?

Acho que poucas formas de se fazer ficção contam com o corpo do espectador para fazer a história avançar. Isso é uma coisa bem única na realidade virtual e é um dos efeitos colaterais que eu acho mais bonito, a gente trazer o corpo para o centro da experiência intelectual. A gente tem essas telas e milhares de estímulos, cada vez mais a gente tem essa sensação que o corpo está num lugar e a mente/cérebro está em outro. Um comanda o outro. A realidade virtual ajuda a nos mostrar que somos uma coisa só, corpo, mente, que está tudo funcionando junto, e podemos ter experiências fortes intelectuais com o corpo inteiro, aprender com o corpo inteiro, se emocionar com o corpo inteiro e essa experiência busca um pouco disso.