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Foto: Adriana Vichi
Foto: Adriana Vichi

COFUNDADOR E EDITOR-CHEFE DE JORNAL DIGITAL COMENTA OS NOVOS CAMINHOS DA IMPRENSA NUM AMBIENTE DE EXCESSO DE INFORMAÇÃO

Quando Conrado Corsalette chegou à capital paulista, nos anos 1990, seu primeiro emprego foi como office boy de uma agência de assessoria de imprensa. Ele era o responsável pelo fax. “Na minha primeira promoção, virei chefe dos passadores de fax da São Silvestre”, brinca, referindo-se à ferramenta de transmissão de dados que se tornou obsoleta após a revolução da internet. De lá para cá, Corsalette também se reinventou. Teve contato e aprendeu com diferentes suportes tecnológicos, com outros caminhos para apuração e difusão de notícias. Com passagem pelos periódicos Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo, como repórter e editor, desde 2015 ele é o editor-chefe do Nexo Jornal, do qual também é cofundador ao lado da cientista social Paula Miraglia e da engenheira Renata Rizzi. Um jornal digital que não se baliza por furos de reportagem ou declarações em primeira mão, mas pela análise da notícia. “Partimos do pressuposto de que vivemos uma polifonia tremenda, são excessos de informação. Portanto, é essencial ter alguém não só para fazer curadoria, mas para acrescentar camadas às informações e qualificar o debate público.”

Outros modelos

O Nexo surge a partir de motivações básicas. A primeira parece a mais demagógica, mas é essencial para se levantar da cama: o idealismo em relação ao papel da imprensa mediante o que estava acontecendo no Brasil e no mundo. Em 2015, a gente achava que era possível fazer algo a partir da criação de um veículo que qualificasse o debate público. Esse é um pilar da motivação. A Paula é o vetor da criação do Nexo. Tanto que, quando ela trouxe o assunto para mim na época em que eu era editor de política do Estadão, falamos sobre o que a gente poderia fazer de fato para colaborar com o jornalismo. Todo mundo disse: “É loucura abrir um jornal”. Não é loucura porque houve muita ciência, muitos dados e processamento de informação para chegar à conclusão de que era viável criar um jornal. Tais como: observar a parte comercial e ver a decadência do modelo de financiamento da imprensa por meio da publicidade. A gente sabia que isso não era um caminho, então, vimos a possibilidade de viver de assinatura. Existem outros exemplos assim no mundo.
 

É urgente que a gente passe
por uma educação midiática
 

Para uma história, uma plataforma

Entendemos como clareza escrever bem, mas também seguir o princípio de que uma história não precisa ser apenas contada em texto. A revolução digital dá a possibilidade de escolher a melhor forma para contar uma história – vídeo, gráfico, gif, texto. Ao lidar com uma pauta, você pode constatar que ela tem vocação para vídeo, gráfico ou gif. Temos um exemplo na redação: quando a gente tentou escrever um texto sobre a votação do impeachment da Dilma – isso foi no começo do jornal.

Até que um dos desenvolvedores da tecnologia criou um gif muito mais competente do que um texto. Agora, o podcast é o novo “tomate seco” do jornalismo. E ele é muito útil porque consegue se encaixar em outras atividades que você realiza. Não é rádio, é um arquivo streaming para o qual você olha e pensa: “Isso aqui tem 20 minutos, o mesmo tempo que passo na esteira da academia. Vou ouvir. Já esse aqui, ele tem 10 minutos, o tempo de lavar a louça. Vou ouvir”. O índice de pessoas que escutam até o fim um podcast é de 80% a 90%. Ou seja, este é outro meio de contar histórias.
 

Assista aos vídeos deste Encontro:

 

Redação plural

Pensando na formação da redação, no modelo industrial das grandes redações e no modelo pós-industrial, mudam duas coisas: o papel do jornalismo e a maneira como o jornalista trabalha. Tem uma frase do autor de Sapiens (2011), Yuval Noah Harari, que disse numa entrevista: “Antes o poder era obter informação num mundo de escassez de informação. Agora o poder está em selecionar informação num mundo de excesso de informação”. Acho interessante essa observação e acho que o papel da imprensa passa por aí também. Mesmo os grandes jornais que lidam com a commodity da notícia perceberam que precisam dar um passo além: investir no conhecimento mais do que na difusão de informação. Trabalhar o assunto de maneira a qualificá-lo para o debate público. Por isso, no Nexo não temos exclusivamente jornalistas, mas engenheiros, desenvolvedores de tecnologia, oceanógrafos, advogados… Pessoas com múltiplas formações. As redações eram muito compartimentadas, ou seja, você podia ser só um ótimo redator porque tinha alguém que apurava muito bem. Então, temos que nos reinventar como jornalistas.

Educação midiática

Antes, uma pessoa, ou uma família, poderia viver apenas com um jornal [para estar bem informada]: escolhia-se o que ler entre as editorias e talvez se guardasse uma delas para ler depois. A relação com o jornal era monogâmica. Hoje não é mais assim. As pessoas leem algo no Nexo, no New York Times, na Folha… Talvez assinem algum deles assim como consomem um streaming de música e de vídeo. Não há mais fidelidade a um só veículo de imprensa.

O papel do jornalismo na vida das pessoas mudou. Por isso, precisamos mostrar por que o jornalismo é importante, que o trabalho de um jornalista é mais importante do que uma corrente de WhatsApp. Isso passa por aprender a ler a imprensa. Mesmo quem está treinado, às vezes, não consegue diferenciar coluna, reportagem, opinião do jornal. Ou seja, é urgente que a gente passe por uma educação midiática, e os jornalistas têm papel central nesse momento de excesso de informações. Precisamos nos mostrar culturalmente e informativamente relevantes.


Conrado Corsalette esteve presente na reunião do Conselho

Editorial da Revista E no dia 12 de setembro de 2019

 

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